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CELSO PINTO
Entre a prudência e o excesso de rigor
A supervisão bancária no
Brasil está passando pelo crivo internacional com razoável
brilho, como mostrou a avaliação recente do Banco Mundial.
Ótimo: isso quer dizer que as
chances de se repetir um caso
Nacional ou Bamerindus são
menores. Resta saber se não estamos caindo, em alguns aspectos, no extremo oposto, o do excesso de rigor.
A pergunta cabe, principalmente, em relação à resolução
2.682 do Banco Central, que cria
algumas exigências inéditas em
relação à prática internacional.
A resolução obriga os bancos a
classificarem cada cliente pelo
risco. Conforme a classificação, o
banco deve fazer uma provisão
de 5% a 100% do valor do empréstimo.
Os bancos tiveram até o final
de julho para se adaptar às regras. A verdade, diz Roberto Setúbal, presidente do Itaú e da federação dos bancos, a Febraban,
é que ainda é muito cedo para
saber se o aperto foi excessivo. Se
foi, o BC tornará os empréstimos
bancários mais caros e seletivos
do que seria necessário. Se não
foi, fica claro que as regras anteriores, mais frouxas, embutiam
um risco indesejável.
As exigências do BC atingiram
os vários grupos de bancos de
forma muito diferente. Para a
Caixa Econômica Federal, a
2.682 significou a necessidade de
provisionar mais R$ 10 bilhões;
para o Banco do Nordeste e o da
Amazônia, serão mais R$ 2 bilhões.
Não é difícil concluir que os
bancos federais usavam uma
avaliação de risco muito frouxa,
algo que já tinha ficado claro na
megacapitalização anterior do
Banco do Brasil.
Para o Itaú, segundo maior
banco privado, ao contrário, a
2.682 foi inócua. O banco, segundo Setúbal, já usava critérios internos de provisionamento muito mais rigorosos do que os da
nova resolução. Se fosse reclassificar tudo com base na 2.682, o
Itaú poderia liberar R$ 600 milhões em provisões.
Outro banco privado, entre os
dez maiores, está na mesma situação, e um dos seus diretores
classifica a 2.682 como "muito
generosa" com os bancos. Já o
presidente de um terceiro grande
banco privado, no topo do ranking, diz que a 2.682 é exagerada, está tornando o crédito mais
seletivo e pressionando o custo.
O presidente de um banco médio faz um depoimento curioso.
Nos últimos dois anos, seu banco
tem recebido a cada seis meses
uma IGC do BC, a "blitz" de fiscalização que revira as contas
dos bancos de cabeça para baixo
e examina virtualmente cada
empréstimo concedido. As exigências via IGC já eram tão
grandes nesse banco, que a 2.682
não teve nenhum impacto.
Setúbal argumenta que muitos
dos bancos que, nas últimas décadas, cumpriram apenas as regras de prudência exigidas pelo
BC provavelmente não sobreviveram. Razão pela qual ele define a direção de medidas como a
2.682 como "corretíssima".
Algumas consequências práticas, contudo, são inevitáveis. Para um banco emprestar, a partir
de agora, terá que reservar uma
parte do capital em provisões. A
menos que elas já sejam maiores
do que o exigido, caso do Itaú,
ou que o banco tenha grande folga de capital, emprestar pode
deixar de ser um negócio tão
bom quanto estruturar uma
operação de lançamento de títulos das empresas no mercado de
capitais.
Essa tendência, de "securitização", é internacional, antiga e
inevitável. A 2.682 está sendo
um estímulo a mais, como atesta
um banqueiro: seu banco está
fazendo essa guinada. Lançar
um título de uma empresa gera
comissão para o banco, mas o
risco é do investidor final.
Um risco para todos os bancos
é o de mudar a classificação da
empresa devedora. O aumento
da competição entre os bancos
pelos melhores clientes fez reduzir em muito a margem de lucro.
O risco é o de um cliente "A",
com 5% de provisão, virar um
cliente pior, com 10% ou 15% de
provisão, e esta mudança fazer
sumir a margem de lucro. O receio de que isto ocorra pode tornar os bancos mais seletivos.
O próprio BC poderá vir a mudar classificações, mas isto ainda
não está claro. Na Argentina,
lembra Setúbal, se mais de 60%
dos bancos classificam uma empresa como, digamos, "B", os outros bancos que a classificam como "A" terão que mudar para
"B" e aumentar as provisões. Ele
acha a regra saudável e supõe
que algo parecido acabará sendo
adotado pelo BC. Outra questão
a definir é como tratar um risco
de uma empresa, digamos, "B",
que virou um risco "A", ou
"AA", numa operação específica, por ter, por exemplo, boas garantias.
Um banqueiro diz que a explicitação, pelos bancos, das provisões e dos riscos pode não fazer
diferença num ciclo de crédito
em expansão, como hoje. Quando o ciclo mudar, contudo, e ele
sempre muda, muita provisão e
credores duvidosos podem atrapalhar a imagem especialmente
de bancos nacionais, sem respaldo de grandes grupos externos
por trás. Quando o Citi se enrolou com a dívida externa latino-americana nos anos 80, lembra,
não lhe foi exigido que colocasse
tudo no balanço de imediato.
Pode ser, mas esse risco pode
acabar sendo o mais poderoso
indutor para os bancos não abusarem. Se for assim, o BC terá ganho a guerra.
CelPinto@uol.com.br
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