São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2000

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CELSO PINTO

Entre a prudência e o excesso de rigor

A supervisão bancária no Brasil está passando pelo crivo internacional com razoável brilho, como mostrou a avaliação recente do Banco Mundial. Ótimo: isso quer dizer que as chances de se repetir um caso Nacional ou Bamerindus são menores. Resta saber se não estamos caindo, em alguns aspectos, no extremo oposto, o do excesso de rigor.
A pergunta cabe, principalmente, em relação à resolução 2.682 do Banco Central, que cria algumas exigências inéditas em relação à prática internacional. A resolução obriga os bancos a classificarem cada cliente pelo risco. Conforme a classificação, o banco deve fazer uma provisão de 5% a 100% do valor do empréstimo.
Os bancos tiveram até o final de julho para se adaptar às regras. A verdade, diz Roberto Setúbal, presidente do Itaú e da federação dos bancos, a Febraban, é que ainda é muito cedo para saber se o aperto foi excessivo. Se foi, o BC tornará os empréstimos bancários mais caros e seletivos do que seria necessário. Se não foi, fica claro que as regras anteriores, mais frouxas, embutiam um risco indesejável.
As exigências do BC atingiram os vários grupos de bancos de forma muito diferente. Para a Caixa Econômica Federal, a 2.682 significou a necessidade de provisionar mais R$ 10 bilhões; para o Banco do Nordeste e o da Amazônia, serão mais R$ 2 bilhões.
Não é difícil concluir que os bancos federais usavam uma avaliação de risco muito frouxa, algo que já tinha ficado claro na megacapitalização anterior do Banco do Brasil.
Para o Itaú, segundo maior banco privado, ao contrário, a 2.682 foi inócua. O banco, segundo Setúbal, já usava critérios internos de provisionamento muito mais rigorosos do que os da nova resolução. Se fosse reclassificar tudo com base na 2.682, o Itaú poderia liberar R$ 600 milhões em provisões.
Outro banco privado, entre os dez maiores, está na mesma situação, e um dos seus diretores classifica a 2.682 como "muito generosa" com os bancos. Já o presidente de um terceiro grande banco privado, no topo do ranking, diz que a 2.682 é exagerada, está tornando o crédito mais seletivo e pressionando o custo.
O presidente de um banco médio faz um depoimento curioso. Nos últimos dois anos, seu banco tem recebido a cada seis meses uma IGC do BC, a "blitz" de fiscalização que revira as contas dos bancos de cabeça para baixo e examina virtualmente cada empréstimo concedido. As exigências via IGC já eram tão grandes nesse banco, que a 2.682 não teve nenhum impacto.
Setúbal argumenta que muitos dos bancos que, nas últimas décadas, cumpriram apenas as regras de prudência exigidas pelo BC provavelmente não sobreviveram. Razão pela qual ele define a direção de medidas como a 2.682 como "corretíssima".
Algumas consequências práticas, contudo, são inevitáveis. Para um banco emprestar, a partir de agora, terá que reservar uma parte do capital em provisões. A menos que elas já sejam maiores do que o exigido, caso do Itaú, ou que o banco tenha grande folga de capital, emprestar pode deixar de ser um negócio tão bom quanto estruturar uma operação de lançamento de títulos das empresas no mercado de capitais.
Essa tendência, de "securitização", é internacional, antiga e inevitável. A 2.682 está sendo um estímulo a mais, como atesta um banqueiro: seu banco está fazendo essa guinada. Lançar um título de uma empresa gera comissão para o banco, mas o risco é do investidor final.
Um risco para todos os bancos é o de mudar a classificação da empresa devedora. O aumento da competição entre os bancos pelos melhores clientes fez reduzir em muito a margem de lucro. O risco é o de um cliente "A", com 5% de provisão, virar um cliente pior, com 10% ou 15% de provisão, e esta mudança fazer sumir a margem de lucro. O receio de que isto ocorra pode tornar os bancos mais seletivos.
O próprio BC poderá vir a mudar classificações, mas isto ainda não está claro. Na Argentina, lembra Setúbal, se mais de 60% dos bancos classificam uma empresa como, digamos, "B", os outros bancos que a classificam como "A" terão que mudar para "B" e aumentar as provisões. Ele acha a regra saudável e supõe que algo parecido acabará sendo adotado pelo BC. Outra questão a definir é como tratar um risco de uma empresa, digamos, "B", que virou um risco "A", ou "AA", numa operação específica, por ter, por exemplo, boas garantias.
Um banqueiro diz que a explicitação, pelos bancos, das provisões e dos riscos pode não fazer diferença num ciclo de crédito em expansão, como hoje. Quando o ciclo mudar, contudo, e ele sempre muda, muita provisão e credores duvidosos podem atrapalhar a imagem especialmente de bancos nacionais, sem respaldo de grandes grupos externos por trás. Quando o Citi se enrolou com a dívida externa latino-americana nos anos 80, lembra, não lhe foi exigido que colocasse tudo no balanço de imediato.
Pode ser, mas esse risco pode acabar sendo o mais poderoso indutor para os bancos não abusarem. Se for assim, o BC terá ganho a guerra.


CelPinto@uol.com.br



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