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INCONSCIENTE ELEITORAL
Ganhando de oito a dez
MARCELO COELHO
Sempre me senti idiota ao ouvir discussões sobre economia.
Antigamente, achava que era culpa minha, por não entender nada
do assunto.
Hoje em dia tenho outra opinião. Creio que é a economia que
emburrece o ser humano. Ou, para ser mais exato: quem fala sobre
economia tem plena confiança de
não estar sendo entendido. Aposta, portanto, na plena ignorância
do interlocutor, confundindo-o
com patranhas, sofismas, verdades, manipulações. E este, tentando entender, faz automaticamente papel de idiota. O mesmo acontece, aliás, quando falamos com
médicos, eletricistas ou mecânicos
de automóvel.
Veja-se a polêmica dos "8 milhões ou 10 milhões" de empregos.
No horário eleitoral gratuito, José
Serra e Gugu Liberato resolveram
abordar "em profundidade" a tal
questão.
Lula falou em gerar dez milhões
de empregos se eleito. Discute-se
se isso é uma promessa ou uma
meta; Serra, estranhamente modesto, fica em 8 milhões. Explica
que tantos e tantos milhares de
empregos virão graças ao turismo, outros graças ao crescimento
nos gastos sociais, não sei mais
quantos devido a um crescimento
estimado em tantos por cento do
PIB...
Os números se sucedem, numa
espécie de roleta da sorte, de bingo televisivo, e só mesmo Gugu Liberato para dar confiabilidade e
didatismo a esse programa. Aliás,
agora entendo por que se chama
"segunda-feira"; é porque rivaliza com o "Domingão do Faustão".
Parece-me óbvio que nem Lula
pode prometer 10 milhões nem
Serra prometer 8 milhões, se nada
se sabe sobre o futuro da taxa de
juros, dos preços do petróleo, da
economia norte-americana, da
política no Iraque.
Mas o intrigante é que Serra se
apresente como mais "confiável"
ao falar em 8 milhões, só porque
Lula falou em 10 milhões. Será
possível que, comparando as duas
candidaturas com base nesses números apenas, alguém conclua
que a dos oito é melhor que a dos
dez? Será que, como no velho lema da arquitetura modernista,
"less is more", "menos é mais"? O
sensato seria duvidar de ambas.
Mas a idéia dos marqueteiros
de Serra faz sentido. Quando se
fala em oito, e não em dez, e se insiste na diferença para menos da
promessa serrista, o que se quer
sugerir é simplesmente o seguinte:
Serra hoje está em segundo lugar
nas pesquisas, Serra tem menos
intenções de voto do que Lula,
mas é Serra quem vai ganhar: os
oito de Serra são reais, os dez de
Lula nem tanto.
É assim que a propaganda eleitoral do candidato tucano festeja
a conquista da segunda colocação
nas pesquisas, mas não se esquece, com total e astuta honestidade, de mostrar que Lula está em
primeiro, lá em cima.
Óbvio: pois enquanto o PT estiver bem nas pesquisas, mais o papel de Serra se justifica como o do
candidato capaz de derrotar tamanha ameaça.
É nesse sentido que a estratégia
do "Lula light" e do "Lulinha paz
e amor" vinha sendo conveniente,
até agora, também para Serra.
Divulgou-se aliás que o próprio
Fernando Henrique, num segundo turno entre Lula e Ciro Gomes,
apoiaria o petista. Isso mais demonizava Ciro do que santificava
Lula.
Abre-se agora um novo round,
que tudo indica bem mais sangrento, na disputa eleitoral. Foram até que leves os golpes sofridos por Roseana e Ciro; é de prever ataques mais duros contra
Lula. Não é fácil ganhar de oito a
dez.
MARCELO COELHO, colunista da Folha,
escreve aos sábados
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