São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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INCONSCIENTE ELEITORAL

Ganhando de oito a dez

MARCELO COELHO

Sempre me senti idiota ao ouvir discussões sobre economia. Antigamente, achava que era culpa minha, por não entender nada do assunto.
Hoje em dia tenho outra opinião. Creio que é a economia que emburrece o ser humano. Ou, para ser mais exato: quem fala sobre economia tem plena confiança de não estar sendo entendido. Aposta, portanto, na plena ignorância do interlocutor, confundindo-o com patranhas, sofismas, verdades, manipulações. E este, tentando entender, faz automaticamente papel de idiota. O mesmo acontece, aliás, quando falamos com médicos, eletricistas ou mecânicos de automóvel.
Veja-se a polêmica dos "8 milhões ou 10 milhões" de empregos. No horário eleitoral gratuito, José Serra e Gugu Liberato resolveram abordar "em profundidade" a tal questão.
Lula falou em gerar dez milhões de empregos se eleito. Discute-se se isso é uma promessa ou uma meta; Serra, estranhamente modesto, fica em 8 milhões. Explica que tantos e tantos milhares de empregos virão graças ao turismo, outros graças ao crescimento nos gastos sociais, não sei mais quantos devido a um crescimento estimado em tantos por cento do PIB...
Os números se sucedem, numa espécie de roleta da sorte, de bingo televisivo, e só mesmo Gugu Liberato para dar confiabilidade e didatismo a esse programa. Aliás, agora entendo por que se chama "segunda-feira"; é porque rivaliza com o "Domingão do Faustão".
Parece-me óbvio que nem Lula pode prometer 10 milhões nem Serra prometer 8 milhões, se nada se sabe sobre o futuro da taxa de juros, dos preços do petróleo, da economia norte-americana, da política no Iraque.
Mas o intrigante é que Serra se apresente como mais "confiável" ao falar em 8 milhões, só porque Lula falou em 10 milhões. Será possível que, comparando as duas candidaturas com base nesses números apenas, alguém conclua que a dos oito é melhor que a dos dez? Será que, como no velho lema da arquitetura modernista, "less is more", "menos é mais"? O sensato seria duvidar de ambas.
Mas a idéia dos marqueteiros de Serra faz sentido. Quando se fala em oito, e não em dez, e se insiste na diferença para menos da promessa serrista, o que se quer sugerir é simplesmente o seguinte: Serra hoje está em segundo lugar nas pesquisas, Serra tem menos intenções de voto do que Lula, mas é Serra quem vai ganhar: os oito de Serra são reais, os dez de Lula nem tanto.
É assim que a propaganda eleitoral do candidato tucano festeja a conquista da segunda colocação nas pesquisas, mas não se esquece, com total e astuta honestidade, de mostrar que Lula está em primeiro, lá em cima.
Óbvio: pois enquanto o PT estiver bem nas pesquisas, mais o papel de Serra se justifica como o do candidato capaz de derrotar tamanha ameaça.
É nesse sentido que a estratégia do "Lula light" e do "Lulinha paz e amor" vinha sendo conveniente, até agora, também para Serra. Divulgou-se aliás que o próprio Fernando Henrique, num segundo turno entre Lula e Ciro Gomes, apoiaria o petista. Isso mais demonizava Ciro do que santificava Lula.
Abre-se agora um novo round, que tudo indica bem mais sangrento, na disputa eleitoral. Foram até que leves os golpes sofridos por Roseana e Ciro; é de prever ataques mais duros contra Lula. Não é fácil ganhar de oito a dez.


MARCELO COELHO, colunista da Folha, escreve aos sábados



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