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JANIO DE FREITAS
A guerra diferente
Os Estados Unidos ainda
não puderam anunciar um
êxito verdadeiro desde que moveram sua imensa máquina de
guerra, e isso contribui para retardar o aparecimento das costumeiras avaliações do confronto e seu cenário, mas um outro
fator se mostra mais inconveniente às análises próprias da
imprensa: os Estados Unidos estão perdendo em dois fronts a
"guerra diferente" -e isso não é
coisa que se diga.
Uma semana que se inicia sob
o comunicado americano, feito
à ONU, de que outros países seriam atacados e, ainda antes de
terminar, ouve a proposta, feita
por Bush, de encerrar a guerra
em troca só de Bin Laden, uma
semana assim diz tudo sobre o
estado do governo norte-americano. Desorientação e insegurança, efeitos do imprevisto,
mas também, e mais indicativo,
do previsto.
O governo Bush esperava reações populares, nos países árabes, aos bombardeios no Afeganistão, com a consequente cautela dos governos sempre pró-americanos desses países. A reação dos governos se mostra crescentemente identificada com a
população, chegando já à inimaginável atitude crítica do
maior dos aliados dos Estados
Unidos na região, a Árabia Saudita, que se recusou até a receber o enviado primeiro-ministro
inglês, Tony Blair.
A região arábica é, porém,
uma caverna de Ali Babá dos
Estados Unidos, parte grande
da riqueza americana, em petróleo e no poder acionário e político das petrolíferas. A mudança de nível nas reações negativas, que se elevam do povo aos
governos, está configurando
uma derrota geopolítica que,
embora não definitiva, só pode
desnortear o governo Bush: se
não aprofunda e amplia a guerra, suas operações de agora reduzem-se ao barbarismo; se a
intensifica e a estende, pode incendiar de antiamericanismo
incontrolável todo o mundo
árabe, com uma perturbação
que envolverá todo este planeta
que gira movido a petróleo.
No plano interno, as tensões,
em vez de reduzir-se com a distância do choque inicial, crescem e propõem uma pergunta
difícil: até onde as tensões serão
controláveis individual, social e
politicamente? Os americanos
não são os ingleses. Durante a
feroz "blitzkrieg" da aviação
alemã sobre as cidades inglesas
na Segunda Guerra, muitos ingleses, guarda-chuva no braço e
chapéu de feltro, não admitiam
sequer apressar o passo para os
abrigos. Mas o clima criado em
cidades dos Estados Unidos,
com a contribuição de Bush, vai
ficando cada vez menos distante
do pânico, a começar da própria
Washington. Tudo é motivo de
suspeita temerosa, e o governo
não se cansa de alarmar sempre
mais.
Sinal eloquente de que os Estados Unidos estão mal na guerra psicológica é a submissão
aturdida dos jornais e das grandes redes de TV à autocensura
pedida pelo governo, sob o argumento de que entrevistas de Bin
Laden e noticiários da TV árabe
podem conter mensagens cifradas. Em guerras, é lógica a censura de informações sobre ação
militar. Mas uma imprensa lúcida não se permite a confusão,
só conveniente para o governo
inseguro, entre informações perigosas e a hipótese de mensagens cifradas que, afinal de contas, podem estar na transmissão
de uma música, em uma imagem ingênua e em inúmeros
meios de que ninguém ousaria
suspeitar para censurar.
A expressão "guerra diferente" foi lançada no governo Bush.
Até agora, porém, não se sabe
por que a expressão ocorreu justamente ali, onde ninguém percebe que o terrorismo exigiria
mesmo uma guerra diferente. E
sem essas percepções simples
ninguém jamais ganhou guerra
alguma.
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