São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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JANIO DE FREITAS

De uma crise a outra


Renan Calheiros não é a causa, é o efeito dessa crise, que se constrói e se amplia há muito tempo no Brasil

DOS DEZ meses de alegado funcionamento do Senado no ano todo, quase cinco esfumaram-se na espera de que um senador desmoralizado por denúncias variadas e mentiras próprias concordasse, afinal, em pedir breves seis semanas de licença. Tamanho absurdo, que inviabiliza por meio ano o Poder Legislativo de um país de quase 200 milhões de habitantes e outro tanto de problemas, está maquiado, para conforto geral, por outro absurdo: o de que Renan Calheiros, com sua persistência, foi a causa da "crise", como lhe é atribuído por todos os meios, todos os dias.
O absurdo moral e institucional dessa "crise" não poderia ser criado por Calheiros nem por qualquer outro político, de dentro ou de fora do Congresso. Calheiros não é causa, é efeito da crise, que se constrói e se amplia há muito tempo. O "caso Calheiros" é uma etapa mais explicitada do estado em que estão, no Brasil, os valores que não figuram no cassino das Bolsas -hoje em dia, as mais importantes instituições brasileiras, como se constata pelas primeiras páginas e pela TV, dia a dia.
A sucessão ininterrupta e incansável de escândalos de corrupção, um Legislativo que nada produz nem para dar vida plena à Constituição, com as tantas regulamentações ainda em falta; o país governado e legislado por medidas provisórias inconstitucionais, porque alheias ao requisito de casos de urgência; as relações do governo com os partidos e os políticos sempre por meio de subornos, de dá cá/toma lá, com o dinheiro público e cargos administrativos, mesmo os de alta importância, igualados como moeda desta forma escancarada de enlace dos corruptores e corruptos. Em país assim -e poderíamos ir ao infinito pormenorizando seu arruinamento- o caso Calheiros não tem por que ser visto como anomalia.
Renan Calheiros não criou a sua permanência durante cinco meses de escândalo: foi mantido na presidência do Senado, por ações conjuntas, embora diferentes na forma, de governistas e da aparente oposição.
Trinta dias para designar o relator de uma denúncia, já mais do que isso para outra; em 81 senadores, 46 assegurando a inocentação de quem lhes apresentou recibos falsos, notas fiscais frias, rendimentos incomprovados e outras fraudes; a repetida designação de presidentes do Conselho de Ética e relatores aliados ao denunciado -isso, como tudo o mais que permitiu a continuidade de Renan, não é fruto de tolerância.
São conseqüências naturais, no Senado, do mesmo estado em que a outra parte gangrenada do Legislativo, a Câmara, pratica o mensalão, o suborno a pretexto de caixa dois, destina o voto conforme a compensação do governo ou de lobistas, e o mais que sabemos ou nem imaginamos.
Renan Calheiros não é "a crise", por isso se licencia e a crise não se desfaz. Como diz, à semelhança de outros, o senador Jefferson Peres: "Isso é só uma pausa para que o Senado vote algumas matérias [de interesse do governo]. Não termina a crise, não". Nem, portanto, a crise do Senado. Quanto mais a outra, a verdadeira crise.


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