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JANIO DE FREITAS
De uma crise a outra
Renan Calheiros não é a
causa, é o efeito dessa crise, que se constrói e se amplia
há muito tempo no Brasil
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DOS DEZ meses de alegado funcionamento do Senado no
ano todo, quase cinco esfumaram-se na espera de que um senador desmoralizado por denúncias
variadas e mentiras próprias concordasse, afinal, em pedir breves seis
semanas de licença. Tamanho absurdo, que inviabiliza por meio ano
o Poder Legislativo de um país de
quase 200 milhões de habitantes e
outro tanto de problemas, está maquiado, para conforto geral, por outro absurdo: o de que Renan Calheiros, com sua persistência, foi a causa
da "crise", como lhe é atribuído por
todos os meios, todos os dias.
O absurdo moral e institucional
dessa "crise" não poderia ser criado
por Calheiros nem por qualquer outro político, de dentro ou de fora do
Congresso. Calheiros não é causa, é
efeito da crise, que se constrói e se
amplia há muito tempo. O "caso Calheiros" é uma etapa mais explicitada do estado em que estão, no Brasil, os valores que não figuram no cassino das Bolsas -hoje em dia, as mais
importantes instituições brasileiras,
como se constata pelas primeiras
páginas e pela TV, dia a dia.
A sucessão ininterrupta e incansável de escândalos de corrupção, um
Legislativo que nada produz nem
para dar vida plena à Constituição,
com as tantas regulamentações ainda em falta; o país governado e legislado por medidas provisórias inconstitucionais, porque alheias ao
requisito de casos de urgência; as relações do governo com os partidos e
os políticos sempre por meio de subornos, de dá cá/toma lá, com o dinheiro público e cargos administrativos, mesmo os de alta importância,
igualados como moeda desta forma
escancarada de enlace dos corruptores e corruptos. Em país assim -e
poderíamos ir ao infinito pormenorizando seu arruinamento- o caso
Calheiros não tem por que ser visto
como anomalia.
Renan Calheiros não criou a sua
permanência durante cinco meses
de escândalo: foi mantido na presidência do Senado, por ações conjuntas, embora diferentes na forma, de
governistas e da aparente oposição.
Trinta dias para designar o relator
de uma denúncia, já mais do que isso
para outra; em 81 senadores, 46 assegurando a inocentação de quem
lhes apresentou recibos falsos, notas
fiscais frias, rendimentos incomprovados e outras fraudes; a repetida
designação de presidentes do Conselho de Ética e relatores aliados ao
denunciado -isso, como tudo o
mais que permitiu a continuidade
de Renan, não é fruto de tolerância.
São conseqüências naturais, no Senado, do mesmo estado em que a outra parte gangrenada do Legislativo,
a Câmara, pratica o mensalão, o suborno a pretexto de caixa dois, destina o voto conforme a compensação
do governo ou de lobistas, e o mais
que sabemos ou nem imaginamos.
Renan Calheiros não é "a crise",
por isso se licencia e a crise não se
desfaz. Como diz, à semelhança de
outros, o senador Jefferson Peres:
"Isso é só uma pausa para que o Senado vote algumas matérias [de interesse do governo]. Não termina a
crise, não". Nem, portanto, a crise do
Senado. Quanto mais a outra, a verdadeira crise.
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