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Presidente acha que mensalão não foi provado e que Dirceu não o traiu
Lula sustenta que "até agora não tem prova de um centavo de dinheiro público" no valerioduto
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
À Folha o presidente Lula
disse que "até agora não tem
nada provado" sobre a existência do mensalão e que não acha
que "Zé Dirceu seja um traidor.
Foi um quadro político importante para o governo". Lula diz
que não faz sentido achar que
um deputado como o Professor
Luizinho (PT-SP) recebia dinheiro para apoiar o governo,
já que essa era sua obrigação.
(KENNEDY ALENCAR)
FOLHA - O que o sr. aprendeu sobre
a burguesia brasileira nesses anos
de poder que o sr. não sabia?
LULA - Aprendi uma lição importante. Quando é dirigente
sindical ou partidário, você tem
um lado definido e só faz discurso para aquele lado. Quando
chega à Presidência, embora
continue tendo um lado, porque sei de onde vim e para onde
vou voltar, é preciso ter a competência de governar para todo
mundo, sem discriminação.
FOLHA - A burguesia surpreendeu
positiva ou negativamente?
LULA - Continua sendo a burguesia que sempre foi -a burguesia que está sempre querendo mais. Uma burguesia competente do ponto de vista político. A burguesia, muitas vezes,
tem mais competência para fazer barulho do que a esquerda
fez historicamente. Estou satisfeito porque a minha relação
com o empresariado brasileiro
é boa. Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando
dinheiro no meu governo como
nunca.
FOLHA - Isso incomoda?
LULA - Não. Com eles ganhando mais dinheiro, vai ter mais
investimento, mais geração de
emprego, mais salário. Quando
estão mal, o resultado é mais
desemprego, mais miséria.
FOLHA - Quais são as diferenças
entre o presidente de 2003 e o presidente de 2007? Mais solitário?
LULA - Não existe possibilidade
de um presidente estar sozinho. Sou um homem hoje muito mais maduro, muito mais
consciente, muito mais determinado e compreendedor das
coisas que temos de fazer.
Nós queríamos lançar o PAC
[Programa de Aceleração do
Crescimento] em outubro do
ano passado, mas tomei a decisão de não lançar porque não
queria confundir o PAC com a
questão eleitoral. Tinha consciência de que ganharia as eleições sem o PAC.
FOLHA - Voltando às diferenças,
não há mais um czar na política, que
era o José Dirceu, e um czar na economia, que era o Antonio Palocci.
LULA - Vocês [imprensa] gostam de criar essas coisas.
FOLHA - Não era real?
LULA - Lógico que não era real.
Fico vendo as pessoas dizerem:
"Tal é ministro forte". Ministro
forte cai. Quem é forte no regime presidencialista é o presidente. Não existe ministro
forte.
FOLHA - Em 2005, o sr. fez um discurso na TV dizendo que se sentia
"indignado" e "traído" no caso do
mensalão, mas nunca mencionou os
nomes dos traidores. Recentemente, o sr. disse ao "New York Times"
que não via "qualquer evidência" de
que Dirceu tivesse praticado crimes.
O sr. exclui Dirceu dos traidores?
LULA - Nem eu vi nem a Justiça
viu ainda.
FOLHA - O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza,
viu. O Supremo Tribunal Federal
abriu uma ação penal por corrupção
ativa e formação de quadrilha.
LULA - É um processo que começou com uma acusação.
Houve um julgamento na Câmara, a acusação do Ministério
Público e a aceitação do Supremo para fazer processo investigatório. Nem todo mundo que é
indiciado é culpado. Nem todo
mundo que não é indiciado é
inocente.
FOLHA - Dirceu é um traidor?
LULA - Não acho que o Zé Dirceu seja um traidor. Foi um
quadro político importante para o governo, contribuiu de forma extraordinária. Na hora em
que cometeu erros políticos,
deixou o governo e foi para a
Câmara.
FOLHA - O procurador-geral e o STF
agiram sob pressão política ao analisar o mensalão?
LULA - Não acho que houve
pressão. Não acho que uma instituição possa trabalhar sob
pressão política. Se essa pressão política é exagerada, ela pode influenciar pessoas, porque
os caras são seres humanos.
Um ministro do Supremo e um
procurador-geral da República
não podem ceder à pressão.
FOLHA - Roberto Jefferson disse
que, quando o informou do mensalão, o sr. encheu os olhos d'água e se
curvou, como se levasse um golpe.
Foi assim?
LULA - Não comento Roberto
Jefferson.
FOLHA - Por quê?
LULA - Não merece, não merece [balança negativamente a
cabeça]. Não merece que eu faça comentário.
FOLHA - Por quê? Não é um direito
da imprensa fazer essa pergunta?
LULA - É um direito, mas também é um direito meu dizer que
não quero comentar.
FOLHA - Foi um caso rumoroso.
LULA - Porque não acredito.
FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA - É preciso provar. É preciso provar.
FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA - Não é que não acredito.
Tem uma denúncia que está
num processo de apuração. É
um processo que quero que seja
julgado. Se alguém praticou
mensalão, se alguém deu, alguém recebeu, vão ser condenados. Os que não praticaram
vão ser inocentados.
FOLHA - Mensalão no sentido de
uso do dinheiro público para comprar apoio político no Congresso.
LULA - Até agora não tem prova
de um centavo de dinheiro público.
FOLHA - Visanet...
LULA - Até agora não tem nada
provado.
FOLHA - Recursos da cota do Banco
do Brasil na Visanet foram parar na
conta de uma empresa de Marcos
Valério de Souza.
LULA - Vamos aguardar o julgamento. O presidente não faz o
papel do Judiciário nem da Polícia Federal. A única coisa que
posso dizer: é no mínimo acreditar em Papai Noel falar que o
Professor Luizinho, líder do governo na Câmara, que foi acusado de ter pego R$ 20 mil, participava de mensalão.
FOLHA - Poderia ter pego os R$ 20
mil para dívida de campanha, um
compromisso. É acreditar em Papai
Noel porque ele é petista e votaria
com o governo?
LULA - Porque ele tinha a obrigação de votar com o governo.
FOLHA - Pode ter sido um financiamento ilegal.
LULA - Se houve financiamento
ilegal é outra história. É um crime eleitoral, que a pessoa tem
de pagar por ele.
FOLHA - Quando o sr. chama o ex-tesoureiro do PT de "nosso Delúbio"
e os "aloprados" de "meninos", isso
soa condescendente com os crimes
que foram cometidos. Essa cordialidade excessiva não é imprópria para
um presidente e não estimula novos
episódios semelhantes ao dossiegate e ao mensalão?
LULA - É engraçado que o dossiegate acabou. A Justiça fez
um julgamento e matou o assunto.
FOLHA - Até hoje não se conhece a
origem do dinheiro.
LULA - Até hoje não se conhece
a origem da divulgação das fotos [do dinheiro usado por petistas para comprar um dossiê
contra tucanos e que foi publicada pela imprensa e usada pela campanha do então adversário, o tucano Geraldo Alckmin].
FOLHA - Sabe-se que foi um delegado federal que passou as fotos para a imprensa.
LULA - Esse país é regido por
instituições democráticas. Se
se parte do pressuposto de que
um cidadão qualquer pode fazer as afirmações que entende
sobre alguém, e por mais que
esse acusado prove que não tenha cometido crime, as pessoas
não acreditam, vamos colocando a democracia em questão.
FOLHA - Preocupa o sr. a inversão
do ônus da prova?
LULA - É lógico. Vou te contar
um episódio que não precisa
publicar. Lembro-me quando a
Folha publicou uma matéria
que eu tinha vendido um carro
superfaturado. Liguei para o
velho Frias [Octavio Frias de
Oliveira, publisher da Folha
morto neste ano] e disse que
era uma mentira. A matéria
saiu. No domingo, leio o jornal
e tem no caderno de carro um
igual ao meu com o mesmo valor de mercado. Abri um processo. Ganhei. Foi pouco. Demorou uns dez anos para ganhar. O que acho é que quem
acusa precisa provar. Senão fica muito difícil.
FOLHA - O sr. se queixou em reunião ministerial de a imprensa ter divulgado que a Telemar investiu R$
10 milhões numa pequena empresa
da qual o seu filho Fábio é sócio.
Considerou intromissão indevida na
esfera privada. Quando uma concessionária de um serviço público
faz um negócio desse tipo, o presidente não deveria se explicar?
LULA - A acusação era de que
era uma concessão pública. Na
verdade, é uma empresa privada que pode tomar dinheiro
emprestado em qualquer banco, como tomou do BNDES
[Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].
O fundo de pensão que tem
parte da empresa não participa
da administração.
FOLHA - Não acha que a empresa
fez isso interessada em melhorar
sua relação com o governo e obter
favorecimentos?
LULA - Não.
FOLHA - Não crê que seja um direito da opinião pública saber se o seu
filho foi favorecido num negócio
com uma concessionária de serviço
público? Isso o incomodou na época?
LULA - Não me incomodou e
não incomodou o meu filho.
Tenho consciência das coisas
que foram feitas e da disputa
que foi feita. Ganhou a Telemar, mas quem queria pagar
era a Brasil Telecom. Foi um
negócio legítimo e normal. Os
detratores do meu filho poderiam fazer a investigação e fazer a denúncia. Se ele cometeu
algum erro, será julgado tanto
quanto qualquer um dos 190
milhões de brasileiros que venha a cometer um erro.
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