São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Presidente acha que mensalão não foi provado e que Dirceu não o traiu

Lula sustenta que "até agora não tem prova de um centavo de dinheiro público" no valerioduto

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

À Folha o presidente Lula disse que "até agora não tem nada provado" sobre a existência do mensalão e que não acha que "Zé Dirceu seja um traidor.
Foi um quadro político importante para o governo". Lula diz que não faz sentido achar que um deputado como o Professor Luizinho (PT-SP) recebia dinheiro para apoiar o governo, já que essa era sua obrigação. (KENNEDY ALENCAR)  

FOLHA - O que o sr. aprendeu sobre a burguesia brasileira nesses anos de poder que o sr. não sabia?
LULA
- Aprendi uma lição importante. Quando é dirigente sindical ou partidário, você tem um lado definido e só faz discurso para aquele lado. Quando chega à Presidência, embora continue tendo um lado, porque sei de onde vim e para onde vou voltar, é preciso ter a competência de governar para todo mundo, sem discriminação.

FOLHA - A burguesia surpreendeu positiva ou negativamente?
LULA
- Continua sendo a burguesia que sempre foi -a burguesia que está sempre querendo mais. Uma burguesia competente do ponto de vista político. A burguesia, muitas vezes, tem mais competência para fazer barulho do que a esquerda fez historicamente. Estou satisfeito porque a minha relação com o empresariado brasileiro é boa. Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca.

FOLHA - Isso incomoda?
LULA
- Não. Com eles ganhando mais dinheiro, vai ter mais investimento, mais geração de emprego, mais salário. Quando estão mal, o resultado é mais desemprego, mais miséria.

FOLHA - Quais são as diferenças entre o presidente de 2003 e o presidente de 2007? Mais solitário?
LULA
- Não existe possibilidade de um presidente estar sozinho. Sou um homem hoje muito mais maduro, muito mais consciente, muito mais determinado e compreendedor das coisas que temos de fazer.
Nós queríamos lançar o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] em outubro do ano passado, mas tomei a decisão de não lançar porque não queria confundir o PAC com a questão eleitoral. Tinha consciência de que ganharia as eleições sem o PAC.

FOLHA - Voltando às diferenças, não há mais um czar na política, que era o José Dirceu, e um czar na economia, que era o Antonio Palocci.
LULA
- Vocês [imprensa] gostam de criar essas coisas.

FOLHA - Não era real?
LULA
- Lógico que não era real. Fico vendo as pessoas dizerem: "Tal é ministro forte". Ministro forte cai. Quem é forte no regime presidencialista é o presidente. Não existe ministro forte.

FOLHA - Em 2005, o sr. fez um discurso na TV dizendo que se sentia "indignado" e "traído" no caso do mensalão, mas nunca mencionou os nomes dos traidores. Recentemente, o sr. disse ao "New York Times" que não via "qualquer evidência" de que Dirceu tivesse praticado crimes. O sr. exclui Dirceu dos traidores?
LULA
- Nem eu vi nem a Justiça viu ainda.

FOLHA - O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, viu. O Supremo Tribunal Federal abriu uma ação penal por corrupção ativa e formação de quadrilha.
LULA
- É um processo que começou com uma acusação. Houve um julgamento na Câmara, a acusação do Ministério Público e a aceitação do Supremo para fazer processo investigatório. Nem todo mundo que é indiciado é culpado. Nem todo mundo que não é indiciado é inocente.

FOLHA - Dirceu é um traidor?
LULA
- Não acho que o Zé Dirceu seja um traidor. Foi um quadro político importante para o governo, contribuiu de forma extraordinária. Na hora em que cometeu erros políticos, deixou o governo e foi para a Câmara.

FOLHA - O procurador-geral e o STF agiram sob pressão política ao analisar o mensalão?
LULA
- Não acho que houve pressão. Não acho que uma instituição possa trabalhar sob pressão política. Se essa pressão política é exagerada, ela pode influenciar pessoas, porque os caras são seres humanos. Um ministro do Supremo e um procurador-geral da República não podem ceder à pressão.

FOLHA - Roberto Jefferson disse que, quando o informou do mensalão, o sr. encheu os olhos d'água e se curvou, como se levasse um golpe. Foi assim?
LULA
- Não comento Roberto Jefferson.

FOLHA - Por quê?
LULA
- Não merece, não merece [balança negativamente a cabeça]. Não merece que eu faça comentário.

FOLHA - Por quê? Não é um direito da imprensa fazer essa pergunta?
LULA
- É um direito, mas também é um direito meu dizer que não quero comentar.

FOLHA - Foi um caso rumoroso.
LULA
- Porque não acredito.

FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA
- É preciso provar. É preciso provar.

FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA
- Não é que não acredito. Tem uma denúncia que está num processo de apuração. É um processo que quero que seja julgado. Se alguém praticou mensalão, se alguém deu, alguém recebeu, vão ser condenados. Os que não praticaram vão ser inocentados.

FOLHA - Mensalão no sentido de uso do dinheiro público para comprar apoio político no Congresso.
LULA
- Até agora não tem prova de um centavo de dinheiro público.

FOLHA - Visanet...
LULA
- Até agora não tem nada provado.

FOLHA - Recursos da cota do Banco do Brasil na Visanet foram parar na conta de uma empresa de Marcos Valério de Souza.
LULA
- Vamos aguardar o julgamento. O presidente não faz o papel do Judiciário nem da Polícia Federal. A única coisa que posso dizer: é no mínimo acreditar em Papai Noel falar que o Professor Luizinho, líder do governo na Câmara, que foi acusado de ter pego R$ 20 mil, participava de mensalão.

FOLHA - Poderia ter pego os R$ 20 mil para dívida de campanha, um compromisso. É acreditar em Papai Noel porque ele é petista e votaria com o governo?
LULA
- Porque ele tinha a obrigação de votar com o governo.

FOLHA - Pode ter sido um financiamento ilegal.
LULA
- Se houve financiamento ilegal é outra história. É um crime eleitoral, que a pessoa tem de pagar por ele.

FOLHA - Quando o sr. chama o ex-tesoureiro do PT de "nosso Delúbio" e os "aloprados" de "meninos", isso soa condescendente com os crimes que foram cometidos. Essa cordialidade excessiva não é imprópria para um presidente e não estimula novos episódios semelhantes ao dossiegate e ao mensalão?
LULA
- É engraçado que o dossiegate acabou. A Justiça fez um julgamento e matou o assunto.

FOLHA - Até hoje não se conhece a origem do dinheiro.
LULA
- Até hoje não se conhece a origem da divulgação das fotos [do dinheiro usado por petistas para comprar um dossiê contra tucanos e que foi publicada pela imprensa e usada pela campanha do então adversário, o tucano Geraldo Alckmin].

FOLHA - Sabe-se que foi um delegado federal que passou as fotos para a imprensa.
LULA
- Esse país é regido por instituições democráticas. Se se parte do pressuposto de que um cidadão qualquer pode fazer as afirmações que entende sobre alguém, e por mais que esse acusado prove que não tenha cometido crime, as pessoas não acreditam, vamos colocando a democracia em questão.

FOLHA - Preocupa o sr. a inversão do ônus da prova?
LULA
- É lógico. Vou te contar um episódio que não precisa publicar. Lembro-me quando a Folha publicou uma matéria que eu tinha vendido um carro superfaturado. Liguei para o velho Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha morto neste ano] e disse que era uma mentira. A matéria saiu. No domingo, leio o jornal e tem no caderno de carro um igual ao meu com o mesmo valor de mercado. Abri um processo. Ganhei. Foi pouco. Demorou uns dez anos para ganhar. O que acho é que quem acusa precisa provar. Senão fica muito difícil.

FOLHA - O sr. se queixou em reunião ministerial de a imprensa ter divulgado que a Telemar investiu R$ 10 milhões numa pequena empresa da qual o seu filho Fábio é sócio. Considerou intromissão indevida na esfera privada. Quando uma concessionária de um serviço público faz um negócio desse tipo, o presidente não deveria se explicar?
LULA
- A acusação era de que era uma concessão pública. Na verdade, é uma empresa privada que pode tomar dinheiro emprestado em qualquer banco, como tomou do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. O fundo de pensão que tem parte da empresa não participa da administração.

FOLHA - Não acha que a empresa fez isso interessada em melhorar sua relação com o governo e obter favorecimentos?
LULA
- Não.

FOLHA - Não crê que seja um direito da opinião pública saber se o seu filho foi favorecido num negócio com uma concessionária de serviço público? Isso o incomodou na época?
LULA
- Não me incomodou e não incomodou o meu filho. Tenho consciência das coisas que foram feitas e da disputa que foi feita. Ganhou a Telemar, mas quem queria pagar era a Brasil Telecom. Foi um negócio legítimo e normal. Os detratores do meu filho poderiam fazer a investigação e fazer a denúncia. Se ele cometeu algum erro, será julgado tanto quanto qualquer um dos 190 milhões de brasileiros que venha a cometer um erro.


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