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CELSO PINTO
O que o PT pode oferecer ao FMI
Existe uma razão prática
para a missão do FMI que está no Brasil não negociar já mudanças no programa: não há uma
equipe econômica do futuro governo pronta para discutir. Parece existir, também, uma razão
mais política. São vários os sinais
emitidos de Washington no sentido de chegar mais perto de Lula.
Ou de, pelo menos, evitar antagonismos.
A vinda de funcionários qualificados do governo americano ao
Brasil e o convite para Lula visitar o presidente Bush, em Washington, vão nessa direção. No
caso do fundo, existe uma orientação -resposta a duras críticas
às suas políticas-, para abrir
mais espaço para os países desenharem suas políticas de ajuste. É
óbvio que, no caso do Brasil, só será possível discutir o desenho do
programa quando houver uma
nova equipe no comando.
Quando o presidente do Banco
Central, Armínio Fraga, discutiu
o atual acordo com o FMI abriu,
de propósito, espaço para que isto
acontecesse. O acordo foi desenhado como um conjunto mínimo de metas quantitativas, em
torno das quais houvesse mais
chances de os candidatos concordarem, e nenhuma meta qualitativa. Isto quer dizer que o futuro
governo pode rechear o acordo
com objetivos qualitativos. Se for
um conjunto forte, ficará mais fácil discutir as metas quantitativas.
O PT, claramente, quer adiar a
discussão para fevereiro por boas
razões. Até lá, espera ter posto no
Congresso algumas propostas de
reformas prioritárias, terá desenhado suas alianças políticas e,
talvez, construído respaldo a elas
no Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social que inventou.
Se der certo, a aposta é que os
mercados reagiriam bem e o câmbio cairia mais, abrindo espaço
para uma discussão mais flexível
de metas quantitativas.
Membros da missão do FMI
deixaram duas impressões a interlocutores. Uma, é que consideram necessária uma elevação do
superávit fiscal primário como
resposta à piora dos indicadores
econômicos do país. Outra, é que
vêem com má vontade a idéia de
se introduzir a consideração do
ciclo econômico como variável
para se determinar o resultado
fiscal: se a economia estiver abaixo do potencial, então haveria lógica em ter um resultado fiscal
anticíclico pior. O conceito faz
sentido, mas a prioridade do país
é construir credibilidade de que
vai pagar as dívidas interna e externa e a noção pode atrapalhar.
Isso não quer dizer, contudo,
que não haja espaço para negociações. Até muito recentemente,
não havia a expectativa de que
um governo PT pudesse colocar
na agenda as reformas previdenciária e tributária e a autonomia
operacional do Banco Central. O
PT não só tem acenado com estas
medidas, como leva uma enorme
vantagem em relação ao primeiro
governo FHC. Embora eleito com
uma plataforma de reformas liberais e já estivesse na Fazenda desde 1993, Fernando Henrique assumiu, em janeiro de 1995, sem
ter sequer um esboço do que queria fazer com as reformas. O período entre a eleição e a posse foi
gasto, em parte, na tentativa de
convencer alguns economistas a
fazer parte do futuro governo,
mas ninguém trabalhou em propostas para as reformas.
O PT, ao contrário, não só sabe
o que quer fazer, como pretende
usar como ponto de partida medidas que já foram discutidas, negociadas e parcialmente tramitadas. No caso da reforma tributária, o relatório Mussa Demes, que
conseguiu a proeza de ter sido
apoiado pelos governadores. No
caso da reforma previdenciária, a
PL9, que só não andou no Congresso pelo veto do PT. Retirado o
veto, não deve haver razão para
não aprová-la num prazo curto.
Quanto à autonomia operacional
do BC, a mudança constitucional
do artigo 192 já tinha consenso.
Aprovada a mudança, a autonomia operacional depende apenas
de um projeto de lei votado por
maioria simples.
Suprema ironia, pode ser que o
PT, crítico histórico de algumas
reformas liberais, consiga mais e
mais rápido do que o liberal-reformista PSDB. É claro que, se isso
acontecer, a reação do mercado
será positiva. Mudanças como a
da previdência têm implicações
permanentes no ajuste fiscal, ou
seja, são muito mais sólidas do
que resultados fiscais expressivos
obtidos com receitas extraordinárias equivalentes a 1% ou 2% do
PIB, como nos últimos anos.
Este é o outro lado da discussão
do resultado fiscal "estrutural",
que pode ser interessante introduzir nas conversas com o FMI. A
União Européia criou um bom
precedente. O "Pacto de Estabilidade" europeu previa que os países iriam zerar os déficits fiscais
em 2004. Alemanha e Portugal já
haviam sido advertidos por não
ajustarem as contas fiscais na
proporção. França e Itália deixaram claro que não o farão em
2003.
A Comissão Européia propôs
uma solução conciliatória: a meta de zerar será adiada para 2006,
mas os países terão que se comprometer a fazer ajustes "estruturais" equivalentes a 0,5% do PIB
a cada ano. Ou seja, aprovar medidas, como mexer na previdência, que gerem ganhos permanentes, mesmo que o resultado do déficit público supere o combinado
originalmente. É diferente do que
simplesmente medir o resultado
"estrutural", descontado o efeito
do ciclo, algo que os países europeus já fazem rotineiramente.
O malogro da Corus-CSN
A fusão entre a anglo-holandesa
Corus e a Companhia Siderúrgica
Nacional não naufragou apenas
vítima da aversão ao risco Brasil.
Ela fazia sentido estratégico se gerasse ganhos com o refinanciamento da dívida da nova empresa e com o lançamento de novas
ações. Desde o anúncio do negócio, em julho, o risco Brasil disparou, mas também pioraram os
mercados de capitais na Europa e
nos Estados Unidos.
O "rating" da dívida da Corus
caiu para apenas um nível acima
do grau de investimento. As
ações, tanto da CSN quanto da
Corus, caíram cerca de 50%. O
mercado siderúrgico piorou. A
venda da área de alumínio da
Corus para a Pechiney ficou pendente de uma decisão da Comissão Européia em relação à concentração de mercados. Neste cenário, o negócio deixou de fazer
sentido, antes mesmo de avançarem as conversas com o BNDES
que, como maior credor da CSN,
teria que dar a concordância formal.
E-mail CelPinto@uol.com.br
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