São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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CELSO PINTO

O que o PT pode oferecer ao FMI

Existe uma razão prática para a missão do FMI que está no Brasil não negociar já mudanças no programa: não há uma equipe econômica do futuro governo pronta para discutir. Parece existir, também, uma razão mais política. São vários os sinais emitidos de Washington no sentido de chegar mais perto de Lula. Ou de, pelo menos, evitar antagonismos.
A vinda de funcionários qualificados do governo americano ao Brasil e o convite para Lula visitar o presidente Bush, em Washington, vão nessa direção. No caso do fundo, existe uma orientação -resposta a duras críticas às suas políticas-, para abrir mais espaço para os países desenharem suas políticas de ajuste. É óbvio que, no caso do Brasil, só será possível discutir o desenho do programa quando houver uma nova equipe no comando.
Quando o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, discutiu o atual acordo com o FMI abriu, de propósito, espaço para que isto acontecesse. O acordo foi desenhado como um conjunto mínimo de metas quantitativas, em torno das quais houvesse mais chances de os candidatos concordarem, e nenhuma meta qualitativa. Isto quer dizer que o futuro governo pode rechear o acordo com objetivos qualitativos. Se for um conjunto forte, ficará mais fácil discutir as metas quantitativas.
O PT, claramente, quer adiar a discussão para fevereiro por boas razões. Até lá, espera ter posto no Congresso algumas propostas de reformas prioritárias, terá desenhado suas alianças políticas e, talvez, construído respaldo a elas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que inventou. Se der certo, a aposta é que os mercados reagiriam bem e o câmbio cairia mais, abrindo espaço para uma discussão mais flexível de metas quantitativas.
Membros da missão do FMI deixaram duas impressões a interlocutores. Uma, é que consideram necessária uma elevação do superávit fiscal primário como resposta à piora dos indicadores econômicos do país. Outra, é que vêem com má vontade a idéia de se introduzir a consideração do ciclo econômico como variável para se determinar o resultado fiscal: se a economia estiver abaixo do potencial, então haveria lógica em ter um resultado fiscal anticíclico pior. O conceito faz sentido, mas a prioridade do país é construir credibilidade de que vai pagar as dívidas interna e externa e a noção pode atrapalhar.
Isso não quer dizer, contudo, que não haja espaço para negociações. Até muito recentemente, não havia a expectativa de que um governo PT pudesse colocar na agenda as reformas previdenciária e tributária e a autonomia operacional do Banco Central. O PT não só tem acenado com estas medidas, como leva uma enorme vantagem em relação ao primeiro governo FHC. Embora eleito com uma plataforma de reformas liberais e já estivesse na Fazenda desde 1993, Fernando Henrique assumiu, em janeiro de 1995, sem ter sequer um esboço do que queria fazer com as reformas. O período entre a eleição e a posse foi gasto, em parte, na tentativa de convencer alguns economistas a fazer parte do futuro governo, mas ninguém trabalhou em propostas para as reformas.
O PT, ao contrário, não só sabe o que quer fazer, como pretende usar como ponto de partida medidas que já foram discutidas, negociadas e parcialmente tramitadas. No caso da reforma tributária, o relatório Mussa Demes, que conseguiu a proeza de ter sido apoiado pelos governadores. No caso da reforma previdenciária, a PL9, que só não andou no Congresso pelo veto do PT. Retirado o veto, não deve haver razão para não aprová-la num prazo curto. Quanto à autonomia operacional do BC, a mudança constitucional do artigo 192 já tinha consenso. Aprovada a mudança, a autonomia operacional depende apenas de um projeto de lei votado por maioria simples.
Suprema ironia, pode ser que o PT, crítico histórico de algumas reformas liberais, consiga mais e mais rápido do que o liberal-reformista PSDB. É claro que, se isso acontecer, a reação do mercado será positiva. Mudanças como a da previdência têm implicações permanentes no ajuste fiscal, ou seja, são muito mais sólidas do que resultados fiscais expressivos obtidos com receitas extraordinárias equivalentes a 1% ou 2% do PIB, como nos últimos anos.
Este é o outro lado da discussão do resultado fiscal "estrutural", que pode ser interessante introduzir nas conversas com o FMI. A União Européia criou um bom precedente. O "Pacto de Estabilidade" europeu previa que os países iriam zerar os déficits fiscais em 2004. Alemanha e Portugal já haviam sido advertidos por não ajustarem as contas fiscais na proporção. França e Itália deixaram claro que não o farão em 2003.
A Comissão Européia propôs uma solução conciliatória: a meta de zerar será adiada para 2006, mas os países terão que se comprometer a fazer ajustes "estruturais" equivalentes a 0,5% do PIB a cada ano. Ou seja, aprovar medidas, como mexer na previdência, que gerem ganhos permanentes, mesmo que o resultado do déficit público supere o combinado originalmente. É diferente do que simplesmente medir o resultado "estrutural", descontado o efeito do ciclo, algo que os países europeus já fazem rotineiramente.

O malogro da Corus-CSN
A fusão entre a anglo-holandesa Corus e a Companhia Siderúrgica Nacional não naufragou apenas vítima da aversão ao risco Brasil. Ela fazia sentido estratégico se gerasse ganhos com o refinanciamento da dívida da nova empresa e com o lançamento de novas ações. Desde o anúncio do negócio, em julho, o risco Brasil disparou, mas também pioraram os mercados de capitais na Europa e nos Estados Unidos.
O "rating" da dívida da Corus caiu para apenas um nível acima do grau de investimento. As ações, tanto da CSN quanto da Corus, caíram cerca de 50%. O mercado siderúrgico piorou. A venda da área de alumínio da Corus para a Pechiney ficou pendente de uma decisão da Comissão Européia em relação à concentração de mercados. Neste cenário, o negócio deixou de fazer sentido, antes mesmo de avançarem as conversas com o BNDES que, como maior credor da CSN, teria que dar a concordância formal.

E-mail CelPinto@uol.com.br



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