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São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

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Investigadores e delegado aposentado faziam ou participavam dos negócios da suposta quadrilha que está presa

Esquema tem braço na Polícia Civil de SP

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Policiais e juízes federais não eram os únicos agentes públicos envolvidos no suposto esquema ilícito, com sede em São Paulo, que beneficiaria criminosos em troca de dinheiro. A organização também funcionava com a participação de membros da Polícia Civil paulista, segundo escutas telefônicas feitas pelo setor de inteligência da Polícia Federal.
Dos agentes públicos, três juízes, um delegado da PF, um agente federal e outro delegado aposentado foram denunciados pela Procuradoria da República sob acusação de participarem do esquema de corrupção.
Grampos telefônicos mostrariam que esse grupo, ligado à esfera pública federal, também tinha o seu braço na Polícia Civil paulista. Três episódios monitorados por escutas mostram isso, segundo relatório da PF.
Em um deles, o agente federal César Herman Rodriguez, preso na Operação Anaconda, é acionado pelo delegado da PF aposentado Luiz Carlos Zubcov para intermediar a prisão de um empresário no ramo de ferramentas na região do Brás (centro de SP).
O caso é descrito em nove grampos de telefonemas realizadas no dia 6 de junho. Dois investigadores da divisão de capturas da Polícia Civil estariam na casa do empresário para prendê-lo.
A prisão foi decretada porque a mercadoria que iria a leilão por causa de dívidas com o ICMS não foi encontrada no depósito do empresário. Rodriguez orienta o filho do empresário a pagar propina para que os policiais não cumpram o mandado de prisão. "O pessoal aí vai cobrar, no mínimo, uns R$ 5.000 para não levar o seu pai", resumiu o agente, que também seria pago pelo serviço.
Depois, Rodriguez assume a negociação com um policial chamado Carlos e pede que ele venha ao seu escritório. Os policiais chegaram na casa do empresário por volta das 6h, mas Carlos disse ao agente que poderia esperar no local até o meio-dia, o que é um procedimento ilegal. A espera é interpretada por Rodriguez como uma disposição de receber propina.
O agente também aconselha a família do empresário a barganhar o valor da propina. "Eles [os policiais] vão pedir R$ 15 mil e vão fechar com R$ 2.000. Isso é praxe já deles, eu conheço essa praxe", disse, por telefone.
Em outra conversa monitorada, Zubcov e Rodriguez resumem a operação policial. "Vê se polícia acorda às 6h da manhã para ir prender bandido", disse o agente. "É lógico que não. Acorda para botar dinheiro no bolso", respondeu Zubcov. As escutas não revelam se a propina foi paga. O mandado de prisão não foi cumprido.
Pelo menos um policial civil da ativa e outro aposentado também teriam participação no episódio no qual, segundo os grampos, um avião foi interceptado em pleno vôo para garantir a prisão de um mexicano que devia dinheiro a um cliente do delegado da PF aposentado Jorge Luiz Bezerra da Silva, preso pela Anaconda.
O policial chamado Maurício, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) teria chegado atrasado no hotel, e o mexicano já tinha ido para o aeroporto. Entrou em ação o delegado aposentado da Polícia Civil paulista Arlindo Orsomarzo. O delegado, por intermédio de amigos da Polícia Federal, conseguiu que o avião voltasse. O mexicano, que devia US$ 84 mil a um cliente de Silva e a um terceiro, foi preso.
A intermediação de quatro delegados da Polícia Civil também teriam conseguido evitar que o delegado da PF José Augusto Bellini, que era responsável pelo setor de emissão de passaportes e que também está preso, fosse indiciado em um inquérito policial, segundo relatório das escutas feito pela Polícia Federal.
O inquérito contra Bellini, o agente Rodriguez e o advogado Sérgio Chiamarelli Júnior, também preso na Operação Anaconda, investigava abuso de poder e outros crimes.
A Secretaria da Segurança Pública disse que "não foi informada dos fatos, tendo conhecimento pela imprensa", mas que iria solicitar os dados à Justiça. A secretaria também informou que o mandado de prisão do empresário está sendo cumprido. A responsabilidade de agentes estaduais deve ser apurada pela Justiça de São Paulo, como ocorre nas investigações sobre o contrabandista Roberto Eleutério da Silva, o Lobão.


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