São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997.




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CONGRESSO
Parlamentares abrem mão de discursos e procuram ganhar espaço participando das discussões técnicas
Deputados trocam plenário por comissões


LUÍS COSTA PINTO
enviado especial a Brasília

Faltam líderes ao Parlamento brasileiro. Um a um, desapareceram os tribunos que faziam calar os plenários do Congresso durante seus discursos. Não há debates acalorados entre os parlamentares. Os diagnósticos, pronunciados com resignação, são do próprio presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). E ele não reclama do perfil que traça do Parlamento brasileiro. Ao contrário, acha que a estabilidade política e econômica modificou a forma de atuação dos deputados.
Os números começam a demonstrar sua razão. Nos últimos três anos, desde a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, o plenário da Câmara vem sendo solicitado cada vez menos -os discursos ali pronunciados são eminentemente técnicos. As comissões temáticas da Câmara, onde os deputados podem esbanjar seus conhecimentos específicos por área -direito, finanças e tributação, educação, minas e energia, meio ambiente... -são as novas arenas onde fazem brilhar seus mandatos.
Em 95, o plenário da Câmara apreciou 365 leis comuns, leis complementares e emendas constitucionais, entre outras matérias, e aprovou 363. Em 96, foram 297 matérias apreciadas e 293 aprovadas. Em 97, a média no plenário geral da Câmara caiu bastante -255 matérias apreciadas e 235 aprovadas-, mas o trabalho nas comissões temáticas aumentou em escala inversamente proporcional.
"Grandes oradores e grandes estrategistas políticos surgem quando há um embate ideológico. Foi assim na ditadura militar (64-85), no Estado Novo (37-45), mas não agora. Em virtude da estabilidade política e econômica, o debate parlamentar tem se tornado um debate técnico. Praticamos a política de resultados", analisa Temer.
Trabalho nas comissões
As comissões temáticas da Câmara funcionam em pequenos plenários independentes do Parlamento. Seus presidentes são escolhidos anualmente pelos líderes partidários. Os números e o êxodo de alguns parlamentares do plenário geral da Câmara para os pequenos plenários das comissões provam que Temer está certo.
Entre 95 e 97, a Comissão de Agricultura e Política Rural apreciou 73 projetos, quase metade deles, ou 32, só este ano. Na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação não foi diferente. Das 431 propostas apreciadas nos últimos três anos, 203 o foram em 97.
Os dados se invertem quando é analisado o funcionamento da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça): em 95 foram apreciadas 664 propostas, em 96, 643, e este ano, só 380. Mas há uma explicação. Até fevereiro passado, os projetos eram submetidos à CCJ antes e depois de passarem pelas comissões temáticas específicas ou pelas comissões especiais. Agora não. Só vão à CCJ para receber um parecer final e de lá saem para serem votadas pelos 513 deputados.
"Quando assumi a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, em 89, os funcionários mais lentos ou que não estavam dispostos a se dedicar totalmente ao Legislativo pediam para ser lotados no Departamento de Comissões Temáticas. Ali não se trabalhava. Hoje é diferente. Quem quer crescer como assessor parlamentar pede para ir para as comissões. Lá está pulsando o cérebro do Congresso nestes últimos três anos", diz Mozart Viana, secretário geral da Mesa da Câmara.
Exemplo dos EUA
Alguns deputados cujas vidas parlamentares foram construídas nos bastidores do Parlamento ou nos microfones das tribunas do plenário hoje circulam com desenvoltura no corredor de acesso às comissões e gostam disso. Um deles é José Genoino (PT-SP). Pouco a pouco, foi deixando os discursos para a maioria do Parlamento e dedicando-se ao trabalho diuturno das comissões de Constituição e Justiça e de Defesa Nacional.
Miro Teixeira (PDT-RJ), eleito pela primeira vez em 70, aos 21 anos, é outro. Quase não discursa mais no plenário. Prefere dedicar-se à análise técnica de projetos e propostas na CCJ, na Comissão de Finanças e Tributação ou na Comissão de Direitos Humanos.
Em seu primeiro mandato, Paulo Bornhausen (PFL-SC), 29, dedica-se a assuntos das comissões de Educação e Relações Exteriores e vem se tornando um deputado técnico nestes temas. "O primeiro mandato a gente usa para consolidar uma especialização. O segundo, para tornar-se respeitado no Parlamento. Depois, pode ser que venha o reconhecimento político", costuma dizer ele.
Para o vice-presidente da Casa, Heráclito Fortes (PFL-PI), o Congresso brasileiro caminha para uma atuação tão técnica que pode ficar semelhante ao dos EUA. "Os mais recentes presidentes dos EUA não foram forjados no Parlamento, e sim nos Estados, aonde podem ser testados como administradores. O trabalho legislativo é técnico, específico. Seria bom que caminhássemos para o modelo norte-americano", diz.



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