São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

O general ficou devendo

A pesar de sua dose dupla, a gentileza do general Augusto Heleno Pereira mais embaraça do que dispensa de questionamentos os três envolvidos nos telefonemas de Nicolau dos Santos Neto para o gabinete do então coronel Alberto Cardoso, hoje general e ministro da Segurança Institucional e chefe da Abin (o novo SNI).
O general Augusto Heleno apresentou-se como destinatário dos 174 telefonemas já descobertos de Nicolau para o gabinete de Alberto Cardoso e, ainda, mandou-me uma carta "cordialmente", em razão da notícia aqui publicada sobre as ligações. Mesmo que aceita também cordialmente, a explicação é modesta demais, em vários sentidos.
Com a identificação de mais um número telefônico à disposição do subchefe do Exército no Gabinete Militar da Presidência, quando o cargo foi exercido por Alberto Cardoso de 91 a 94, encontraram-se mais dez telefonemas de Nicolau para a subchefia. O total sobe, portanto, para 184. Como ficou no artigo "O general de Nicolau", são telefonemas dados entre outubro (mais precisamente, dia 23) de 91 e janeiro (dia 17) de 94.
Na carta em que afirma ser o interlocutor de Nicolau, atendendo em telefones que as listas de autoridades dão como de Cardoso, o hoje general Augusto Heleno explica: "Minha ligação com o juiz Nicolau dos Santos Neto prende-se ao fato de que o Gabinete Militar, durante o período de outubro de 1990 (e) abril de 92, recebeu a missão de formatar e encaminhar os processos de nomeação dos membros do Poder Judiciário, para apreciação e despacho" do presidente da República.
O general, diz a carta, era o "encarregado desse assunto" e "fazia todos os contatos" pertinentes. "E o tratava, por ser tarefa eventual e inopinada, diretamente com o chefe do Gabinete Militar."
Constata-se, porém, que do primeiro telefonema de Nicolau descoberto, feito no dia 23/10/91, até o abril de 92 em que o general Augusto Heleno diz ter encerrado sua tarefa, aconteceram apenas 21 dos 184 telefonemas.
Está bem, até abril de 92 Nicolau lhe telefonava para tratar de nomeações no Judiciário. Mas os telefonemas continuaram pelo menos até 17/1/94. E foram nada menos do que 163 telefonemas. Tanto para o número que na Lista de Autoridades Governamentais da época tem como usuário Alberto Mendes Cardoso, quanto para o número sequencial que tinha o mesmo usuário e auxiliares imediatos seus.
Caso os 21 telefonemas de Nicolau se expliquem para discutir nomeações, há oito vezes essa quantidade à margem da explicação. Mesmo porque, segundo o general Augusto Heleno, os contatos referentes às nomeações consistiram em "tarefa eventual e inopinada".
Com tais características, até os 21 telefonemas já parecem excessivos, no prazo em que ocorreram, quanto mais as 163 ligações de Nicolau dos Santos Neto que não foram ou não puderam ser explicadas pelo general Augusto Heleno Pereira, pelo ministro e general Alberto Mendes Cardoso e pela Presidência da República, que emitiu a nota oficial com a mesma explicação e parcialmente o mesmo texto da carta.
Lembre-se de que a explicação reproduz a utilizada pelo ex-secretário geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira, para a assiduidade com que Nicolau dos Santos também lhe telefonava.


Texto Anterior: Dossiê Caribe: Suspeito deixa a prisão nos EUA
Próximo Texto: Sessão não traz fato novo, diz defesa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.