São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

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ELIO GASPARI

As lições de Bruna, Tiazinha e La Close

De tempos em tempos, o mundo das celebridades brasileiras é enfeitado por jovens que embaralham a relação entre a verticalidade das vidas públicas e a horizontalidade das intimidades privadas. A estrela da vez é Bruna Surfistinha, autora de "O Doce Veneno do Escorpião - O Diário de uma Garota de Programa". A moça tem 21 anos e seu livro disputa a lista dos mais vendidos com "Quase Tudo", de Danuza Leão, "Carmen", a biografia da "pequena notável", de Ruy Castro, e "Freakonomics", de Steven Levitt.
O "Diário de uma Garota de Programa" é exatamente isso, um diário de 134 páginas, acompanhado de um anexo de auto-ajuda, com 34. Tudo muito bem escrito, com a ajuda do jornalista Jorge Tarquini. Autora estreante em editora pequena estaria no caminho do fracasso, mas Bruna foi vitaminada por uma força dos tempos. Seu blog pessoal, com dois anos de existência, recebe 20 mil visitantes por dia. Deu noite de autógrafos, foi a shows de TV e já patrocina uma balada.
Pode ser sociologia de botequim, mas, na hora em que dirigentes de um partido de 26 anos formados na pregação moralista da monogamia programática foram apanhados em tenebrosas transações, nada mais natural que o sucesso da narrativa escancarada de uma jovem de 21, com três de militância em mais de mil eventos. Ao contrário dos similares, Bruna Surfistinha não deixa curiosidade sem resposta. Mais: não dá lição de moral nem procura se justificar atribuindo aos outros a responsabilidade pelos seus atos.
Bruna Surfistinha pode ser um símbolo da bacante de solteironas da política nacional. Depois de quase um ano de tartufices nas CPIs, enfim alguém conta uma história que tem início, meio e fim, na qual se pode acreditar. Ela também não dava recibo, mas jamais tocou em dinheiro da Viúva.
Bruna teve duas precursoras (na simbologia, não no ofício). Uma foi a Tiazinha. Com máscara e chicote, era o grande personagem do programa de televisão de Luciano Huck e viveu seu momento de glória no Carnaval de 1999, aos 22 anos. A ekipekonômica acabara de arruinar a economia nacional. Mesmo sabendo-se que o desastre do dólar de R$ 1,20 era inevitável, FFHH foi reeleito. Era o estilo bate-que-eu-gosto.
Antes da Tiazinha, o Brasil viveu um incrível momento de ambigüidade política. Em 1984, depois que o Congresso derrotou a campanha pelas eleições diretas, Tancredo Neves, o candidato da oposição, elegeu-se pelo sistema indireto implantado pela ditadura. Além disso, tinha como vice o senador José Sarney ex-presidente do partido do governo. As coisas eram e não eram, seriam, mas talvez não fossem, como acabaram não sendo, pois Tancredo morreu sem tomar posse. A celebridade feminina desse tempo chamava-se Roberta Close (1,88 m, 94 cm de busto, 101 cm de quadril). Tinha 20 anos e chamava-se Luiz Roberto Gambine. Só mudaria de sexo cinco anos depois, em Londres. La Close está depositada na Suíça, onde viveu com o marido Roland, de quem se separou há cinco anos.
Roberta Close e Tiazinha foram fenômenos da imprensa e da televisão.
Bruna Surfistinha mostra que há algo de novo no céu. São os blogs, com sua maravilhosa capacidade de levar qualquer um para qualquer lugar, empurrado apenas pela curiosidade, pelas próprias idéias e pela certeza de que pode dar sua opinião, pois alguém haverá de lhe dar atenção.


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