São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

Ministros por esporte

O esporte é um vasto território para publicidade direta. Mas ninguém vê um anúncio pendurado em cenário teatral

A SOLUÇÃO encontrada entre os ministros da Cultura e dos Esportes, para dar mais recursos empresariais ao esporte sem ameaçar os recursos privados de apoio à cultura (e a muito assim denominado impropriamente), é uma demonstração clara da mentalidade que mantém o Brasil na rabeira, entre os países do seu nível, em investimentos para inovações científicas e tecnológicas. Esses investimentos são reconhecidos como decisivos para o avanço econômico acelerado no plano interno e na competição mundial.
O projeto de Lei do Esporte, aprovado na Câmara e à espera de votação no Senado, permite ao esporte, com óbvia vantagem, garimpar a contribuição financeira de empresas que podem compensá-la, pela Lei Rouanet, com dedução de até 4% no Imposto de Renda. A barricada composta por atores, diretores e produtores de teatro e cinema para resistir, em nome também de outras atividades culturais, fez o ministro Gilberto Gil dar alguma atenção ao assunto, entre uma e outra exibição. E apressou o ministro Orlando Silva, que leva o seu show no nome, a procurar uma composição, porque encarar o lobby do cinema é derrota de goleada.
A solução: a cultura, e o que assim se apelida, mantém o direito a até 4% de apoio financeiro e respectiva dedução no IR empresarial, ou 6% em caso de pessoa física; e o esporte vai buscar os novos recursos no mecanismo financeiro semelhante que, porém, até agora destinava-se ao incremento de avanços científicos e tecnológicos e a programas sociais/ trabalhistas de alimentação.
O avanço nas verbas de atividades de grande interesse nacional, tanto quanto já oprimidas pela exiguidade de recursos privados e governamentais, foi a "solução ideal" estabelecida por ninguém menos dotado de responsabilidades do que dois ministros de Estado. A "solução criativa" cobrada por Lula para o impasse entre as duas correntes disputantes das contribuições.
O argumento, pescado em números da Receita Federal, de que há uns R$ 500 milhões de aplicações possíveis, mas não realizadas por empresas, em ciência, tecnologia e alimentação, é vazio e mais condena o governo do que redime a "solução criativa". Primeiro, porque não justifica a mudança de destinação dos recursos possíveis, das atividades originais para esportes. Além disso, porque, se as empresas não estão aplicando (e deduzindo do IR) tudo o que podem em ciência, tecnologia e programas alimentares, é por falta de políticas e estímulos governamentais para que o façam. Se não em seu próprio interesse, talvez já atendido, por exemplo em um fundo geral que aumentaria os recursos oficiais tão escassos para pesquisas científicas e tecnológicas, sem precisarmos, aqui, ressaltar as carências alimentares.
Incentivos ao esporte são, por princípio, convenientes. Mas o esporte é um vasto território para publicidade direta, e dela usufrui cada vez mais, dos pés aos estádios, das imagens na imprensa às da intensa programação esportiva na TV. Ninguém vê, no entanto, um anúncio pendurado em cenário teatral, a literatura vive à própria e minguada custa, cientistas penam e dão pena. O incentivo financeiro pede reestudo geral, inclusive por sair dos bolsos gerais.


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