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O bonde dos partidos sem voto
Os partidos que não conseguem 5% dos votos nacionais inventaram uma nova malandragem: o bonde eleitoral. Será a maneira de fazer a patuléia
de boba, desrespeitando a lei de
1995 que criou a zona de rebaixamento, cortando-lhes o acesso ao
dinheiro da Viúva, aos horários
de televisão e a umas dezenas de
empregos. A maracutaia chama-se federação de partidos.
Num exemplo, tome-se o PSC
do tio Anthony Garotinho e o
Prona do doutor Enéas. Até hoje,
nenhum dos dois conseguiu os
5% que a lei determina. Coisa de
4,5 milhões de votos, na conta de
2002. Se em outubro eles repetirem a miséria eleitoral, caem na
zona de rebaixamento. O mesmo
acontece com o PCdoB e o PPS.
Sem votos, a caciquia partiu para a malandragem. Enfiaram
dois artigos no projeto de reforma
política. Um reduz o piso do rebaixamento para 2%. Nesse caso,
salvam-se todos, mas o lance cheira a bode. O golpe está em outro
dispositivo, que permite criar federações de partidos. PSC e Prona
federam-se, passam os 5% e sobrevivem. O mesmo pode ocorrer
com PCdoB e PPS. À primeira vista, nada demais. Engano.
Pela lei, perderiam o acesso ao
dinheiro da Viúva. Hoje cada um
embolsa anualmente algo como
R$ 1 milhão. Por não terem votos,
ficariam com cerca de R$ 130 mil.
Além disso, perderiam os 60 minutos anuais de acesso à televisão. Receberiam quatro minutos
cada um. Como o PSC, o Prona, o
PCdoB e o PPS sabem que em outubro os 5% não aparecerão nas
urnas, inventaram a federação.
Continuarão embolsando cerca
de R$ 1 milhão por ano. Na televisão, onde arriscavam ficar à míngua, capturarão uma hora anual
da paciência alheia.
Se a mesma malandragem fosse
aplicada ao desfile das escolas de
samba, quatro entidades rebaixadas fariam uma lei criando uma
federação e o sambódromo veria
o desfile da Unidos do Baixo Clero, com as baianas do PSC e a bateria do Prona. Ou a Acadêmicos
de 1922, com a velha guarda do
PPS e a comissão de frente do
PCdoB. Se alguém apresentar
uma proposta dessas numa instituição séria, como a Liga das Escolas do Capitão Guimarães,
amanhece num porta-malas de
automóvel.
Na Câmara dos Deputados da
dinastia João Paulo Cunha-Severino Cavalcanti-Aldo Rebelo, as
federações poderão ser criadas
pelo voto de apenas 129 dos 513
deputados. Quando o andar de
baixo passa um bonde pela avenida Brasil, dá-se o pânico no Rio.
Quando arma-se um bonde eleitoral em Brasília, o andar de cima
finge que nada há de errado. O
que não se percebe é que o segundo é uma das causas do primeiro.
A reforma trabalhista é coisa séria
A referência do diretor-geral
do FMI, Rodrigo de Rato, à necessidade de reforma das leis trabalhistas brasileiras é um caso
clássico de jabuti em forquilha.
O patronato e os chamados "mercados" estão prontos para transformar o tema numa prioridade
do debate nacional. É bom que
o façam.
Pelos furos e pelo cheiro, a Consolidação das Leis do Trabalho, a
popular CLT, transformou-se
num queijo suíço. Metade da
mão-de-obra nacional está na informalidade. Portanto, quando os
"altos companheiros" das centrais
sindicais falam em defender direitos dos trabalhadores, referem-se
quase sempre à banda que lhes
sustenta o poder. É sempre bom
lembrar que cada empregado com
carteira assinada trabalha ao menos um dia por ano para custear o
aparelho sindical.
O patronato, que detesta pagar
encargos, está de olho nos direitos
da metade do mercado formal. No
barato, gostariam de diluir o 13º
salário e acabar com a multa de
40% sobre o FGTS dos trabalhadores demitidos sem justa causa.
Vale lembrar que as guildas patronais e o famoso Sistema S apropriam-se de cinco dias de serviço
do mesmo trabalhador que entrega um ao seu sindicato. Basta falar em mexer nessa caixa-preta
para que os doutores mudem de
assunto.
Desde 1965, quando o governo
Castello Branco criou o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço,
substituindo a indenização por
dispensa e estabilidade dos trabalhadores com mais de dez anos de
casa, não se vê uma batalha do tamanho da que vem por aí. A ekipekonômica do doutor Roberto
Campos estava mais próxima dos
interesses dos trabalhadores do
que seus críticos.
O tamanho da economia informal, as microempresas de fancaria, os planos de saúde e a previdência privada indicam que a defesa pura e simples da CLT pode vir
a ser um erro semelhante ao que se
cometeu no combate ao FGTS. A
entrega do assunto a grupos de trabalho semicorporativos, como se
tentou fazer com a reforma sindical em 2003, acabará em nova
montagem de um camelo anfíbio.
É bonito fingir que a defesa do
interesses dos trabalhadores pede a
blindagem da CLT, para depois dizer que ela foi mudada por culpa
do FMI, do Consenso de Washington e da conversão de Lula à teologia das sungas coloridas. É bonito,
mas é demagogia inútil. A informalidade (estimulada durante os
oito anos de tucanato) implodiu a
CLT. O mercado de trabalho brasileiro só retornará à racionalidade
quando o mercado negro de mão-de-obra for atraído de volta ao
mundo das leis sociais e tributárias.
O cartório musical está ameaçado
Está na rua uma boa briga para a defesa dos profissionais tungados por associações corporativas que não entregam serviços e produzem felicidade para suas diretorias. Cidadãos dos sete maiores Estados conseguiram liminares individuais livrando-se da obrigação de pagar anuidades de R$ 90 à Ordem dos Músicos para exercerem o direito de tocar bandolim num botequim.
Em Pernambuco, a Justiça Federal alforriou toda a categoria. Um processo semelhante tramita no Supremo, com três votos a favor e zero contra. A legislação exige que um sujeito que decidiu ganhar a vida tocando música seja membro do sindicato de seu Estado. Em tese, o sindicato cuida para que os artistas não sejam roubados. A Ordem nada oferece além do custeio do enterro dos sócios. A experiência mostra que uma pessoa pode ter a carteirinha sem saber tocar coisa alguma.
O repórter Alexandre Pavan aprendeu dois acordes de piano, desembolsou R$ 260 e conseguiu o babilaque nº 24.321. A capitania juntou 50 mil sócios inscritos, mas só metade deles têm direito a voto. Se isso fosse pouco, o presidente da Ordem, Wilson Sândoli, ocupa a cadeira desde 1964. Rivaliza com Elisabeth 2ª e Fidel Castro, coroados em 1953 e 1959.
Noves fora uma certa simpatia do Dops da ditadura pelas suas opiniões, Sândoli mudou as regras eleitorais da Ordem, ficando fora do alcance das mudanças que o Ministério da Cultura começou a fazer na área. A Ordem quer cassar a carteira do violonista carioca Eduardo Camenietzki, professor da Escola de Música, por conta do conteúdo de um texto que escreveu. Quer proibi-lo de exercer a profissão. Saudades do AI-5. Em defesa do marechal Costa e Silva, ele usou esse tacape contra os jornalistas Antônio Callado e Léo Guanabara, mas voltou atrás dias depois.
Proteção
Tem gente
que tira o som da televisão
sempre que vê "nosso guia"
discursando. Agora surgiu
nova modalidade de rejeição.
Há pessoas que criam um filtro em correios eletrônicos. Se
a mensagem tiver as quatro letras que incomodam, é barrada.
Madame Natasha
Madame Natasha tem horror
a música, gerúndio e petista
que não sabia. Ela concedeu
mais uma de suas bolsas de estudo ao ministro Marco Aurélio Mello, do STF, pelo seguinte labirinto:
°°°- Temos uma regra constitucional que obstaculiza mudanças normativas no período de um ano das eleições.
°°°A senhora acha que ele quis
dizer o seguinte:
°°°- A Constituição manda que
não se mudem as regras do jogo em ano eleitoral.
Torrefação
O Itamaraty está distribuindo
no andar de cima um volume
de 154 páginas com o balanço
de suas atividades na promoção comercial das empresas
brasileiras durante o ano de
2004. Documenta o esforço do
serviço diplomático para estimular as exportações. É certamente a publicação mais cara
(por exemplar) perfilhada pela burocracia nacional. Poderia ter custado uma mixaria se
fosse colocada na internet, onde há um competente serviço
do ministério. O texto é repetitivo, redundante e, em certos
casos, ridículo. O trabalho da
embaixada no Gabão rendeu
11 linhas. O do consulado em
Milão, cinco. A embaixada em
Sidney informa que organizou uma oficina de turismo e
"ao término do evento, houve
confraternização, com petiscos (pães de queijo, pés-de-moleque etc.)". No dia em que
os Estados Unidos forem um
país rico, jogarão dinheiro fora dessa maneira.
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