São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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O bonde dos partidos sem voto

Os partidos que não conseguem 5% dos votos nacionais inventaram uma nova malandragem: o bonde eleitoral. Será a maneira de fazer a patuléia de boba, desrespeitando a lei de 1995 que criou a zona de rebaixamento, cortando-lhes o acesso ao dinheiro da Viúva, aos horários de televisão e a umas dezenas de empregos. A maracutaia chama-se federação de partidos.
Num exemplo, tome-se o PSC do tio Anthony Garotinho e o Prona do doutor Enéas. Até hoje, nenhum dos dois conseguiu os 5% que a lei determina. Coisa de 4,5 milhões de votos, na conta de 2002. Se em outubro eles repetirem a miséria eleitoral, caem na zona de rebaixamento. O mesmo acontece com o PCdoB e o PPS.
Sem votos, a caciquia partiu para a malandragem. Enfiaram dois artigos no projeto de reforma política. Um reduz o piso do rebaixamento para 2%. Nesse caso, salvam-se todos, mas o lance cheira a bode. O golpe está em outro dispositivo, que permite criar federações de partidos. PSC e Prona federam-se, passam os 5% e sobrevivem. O mesmo pode ocorrer com PCdoB e PPS. À primeira vista, nada demais. Engano.
Pela lei, perderiam o acesso ao dinheiro da Viúva. Hoje cada um embolsa anualmente algo como R$ 1 milhão. Por não terem votos, ficariam com cerca de R$ 130 mil. Além disso, perderiam os 60 minutos anuais de acesso à televisão. Receberiam quatro minutos cada um. Como o PSC, o Prona, o PCdoB e o PPS sabem que em outubro os 5% não aparecerão nas urnas, inventaram a federação.
Continuarão embolsando cerca de R$ 1 milhão por ano. Na televisão, onde arriscavam ficar à míngua, capturarão uma hora anual da paciência alheia.
Se a mesma malandragem fosse aplicada ao desfile das escolas de samba, quatro entidades rebaixadas fariam uma lei criando uma federação e o sambódromo veria o desfile da Unidos do Baixo Clero, com as baianas do PSC e a bateria do Prona. Ou a Acadêmicos de 1922, com a velha guarda do PPS e a comissão de frente do PCdoB. Se alguém apresentar uma proposta dessas numa instituição séria, como a Liga das Escolas do Capitão Guimarães, amanhece num porta-malas de automóvel.
Na Câmara dos Deputados da dinastia João Paulo Cunha-Severino Cavalcanti-Aldo Rebelo, as federações poderão ser criadas pelo voto de apenas 129 dos 513 deputados. Quando o andar de baixo passa um bonde pela avenida Brasil, dá-se o pânico no Rio. Quando arma-se um bonde eleitoral em Brasília, o andar de cima finge que nada há de errado. O que não se percebe é que o segundo é uma das causas do primeiro.

A reforma trabalhista é coisa séria

A referência do diretor-geral do FMI, Rodrigo de Rato, à necessidade de reforma das leis trabalhistas brasileiras é um caso clássico de jabuti em forquilha. O patronato e os chamados "mercados" estão prontos para transformar o tema numa prioridade do debate nacional. É bom que o façam.
Pelos furos e pelo cheiro, a Consolidação das Leis do Trabalho, a popular CLT, transformou-se num queijo suíço. Metade da mão-de-obra nacional está na informalidade. Portanto, quando os "altos companheiros" das centrais sindicais falam em defender direitos dos trabalhadores, referem-se quase sempre à banda que lhes sustenta o poder. É sempre bom lembrar que cada empregado com carteira assinada trabalha ao menos um dia por ano para custear o aparelho sindical.
O patronato, que detesta pagar encargos, está de olho nos direitos da metade do mercado formal. No barato, gostariam de diluir o 13º salário e acabar com a multa de 40% sobre o FGTS dos trabalhadores demitidos sem justa causa. Vale lembrar que as guildas patronais e o famoso Sistema S apropriam-se de cinco dias de serviço do mesmo trabalhador que entrega um ao seu sindicato. Basta falar em mexer nessa caixa-preta para que os doutores mudem de assunto.
Desde 1965, quando o governo Castello Branco criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, substituindo a indenização por dispensa e estabilidade dos trabalhadores com mais de dez anos de casa, não se vê uma batalha do tamanho da que vem por aí. A ekipekonômica do doutor Roberto Campos estava mais próxima dos interesses dos trabalhadores do que seus críticos.
O tamanho da economia informal, as microempresas de fancaria, os planos de saúde e a previdência privada indicam que a defesa pura e simples da CLT pode vir a ser um erro semelhante ao que se cometeu no combate ao FGTS. A entrega do assunto a grupos de trabalho semicorporativos, como se tentou fazer com a reforma sindical em 2003, acabará em nova montagem de um camelo anfíbio.
É bonito fingir que a defesa do interesses dos trabalhadores pede a blindagem da CLT, para depois dizer que ela foi mudada por culpa do FMI, do Consenso de Washington e da conversão de Lula à teologia das sungas coloridas. É bonito, mas é demagogia inútil. A informalidade (estimulada durante os oito anos de tucanato) implodiu a CLT. O mercado de trabalho brasileiro só retornará à racionalidade quando o mercado negro de mão-de-obra for atraído de volta ao mundo das leis sociais e tributárias.

O cartório musical está ameaçado

Está na rua uma boa briga para a defesa dos profissionais tungados por associações corporativas que não entregam serviços e produzem felicidade para suas diretorias. Cidadãos dos sete maiores Estados conseguiram liminares individuais livrando-se da obrigação de pagar anuidades de R$ 90 à Ordem dos Músicos para exercerem o direito de tocar bandolim num botequim.
Em Pernambuco, a Justiça Federal alforriou toda a categoria. Um processo semelhante tramita no Supremo, com três votos a favor e zero contra. A legislação exige que um sujeito que decidiu ganhar a vida tocando música seja membro do sindicato de seu Estado. Em tese, o sindicato cuida para que os artistas não sejam roubados. A Ordem nada oferece além do custeio do enterro dos sócios. A experiência mostra que uma pessoa pode ter a carteirinha sem saber tocar coisa alguma.
O repórter Alexandre Pavan aprendeu dois acordes de piano, desembolsou R$ 260 e conseguiu o babilaque nº 24.321. A capitania juntou 50 mil sócios inscritos, mas só metade deles têm direito a voto. Se isso fosse pouco, o presidente da Ordem, Wilson Sândoli, ocupa a cadeira desde 1964. Rivaliza com Elisabeth 2ª e Fidel Castro, coroados em 1953 e 1959.
Noves fora uma certa simpatia do Dops da ditadura pelas suas opiniões, Sândoli mudou as regras eleitorais da Ordem, ficando fora do alcance das mudanças que o Ministério da Cultura começou a fazer na área. A Ordem quer cassar a carteira do violonista carioca Eduardo Camenietzki, professor da Escola de Música, por conta do conteúdo de um texto que escreveu. Quer proibi-lo de exercer a profissão. Saudades do AI-5. Em defesa do marechal Costa e Silva, ele usou esse tacape contra os jornalistas Antônio Callado e Léo Guanabara, mas voltou atrás dias depois.

Proteção
Tem gente que tira o som da televisão sempre que vê "nosso guia" discursando. Agora surgiu nova modalidade de rejeição. Há pessoas que criam um filtro em correios eletrônicos. Se a mensagem tiver as quatro letras que incomodam, é barrada.

Madame Natasha
Madame Natasha tem horror a música, gerúndio e petista que não sabia. Ela concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao ministro Marco Aurélio Mello, do STF, pelo seguinte labirinto: °°°- Temos uma regra constitucional que obstaculiza mudanças normativas no período de um ano das eleições. °°°A senhora acha que ele quis dizer o seguinte: °°°- A Constituição manda que não se mudem as regras do jogo em ano eleitoral.

Torrefação
O Itamaraty está distribuindo no andar de cima um volume de 154 páginas com o balanço de suas atividades na promoção comercial das empresas brasileiras durante o ano de 2004. Documenta o esforço do serviço diplomático para estimular as exportações. É certamente a publicação mais cara (por exemplar) perfilhada pela burocracia nacional. Poderia ter custado uma mixaria se fosse colocada na internet, onde há um competente serviço do ministério. O texto é repetitivo, redundante e, em certos casos, ridículo. O trabalho da embaixada no Gabão rendeu 11 linhas. O do consulado em Milão, cinco. A embaixada em Sidney informa que organizou uma oficina de turismo e "ao término do evento, houve confraternização, com petiscos (pães de queijo, pés-de-moleque etc.)". No dia em que os Estados Unidos forem um país rico, jogarão dinheiro fora dessa maneira.


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