São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

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ENTREVISTA/RICARDO BERZOINI

Presidente recém-reempossado do partido reconhece que Lula é maior do que sigla e diz que legenda pode apoiar outro nome da coalizão; ele defende ainda a anistia de Dirceu

"PT pode não ter candidato próprio à sucessão em 2010"

FAVORITO para reconquistar a presidência da Câmara, o PT apresenta discurso mais aberto do que nunca a alianças. O presidente da sigla, Ricardo Berzoini, diz algo que seria impensável em anos passados sobre a sucessão presidencial: "Temos de dialogar com os demais partidos, que também têm nomes possíveis para 2010. O PT não pode ter um comportamento presunçoso de achar que terá necessariamente candidato em 2010".

Lúcio Távora - 2.jan.07/Folha Imagem
O deputado Ricardo Berzoini a caminho do almoço
em que comemorou a volta à presidência do PT


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Berzoini acaba de retornar ao cargo depois de quase três meses de afastamento voluntário. Ele saiu da direção até que fosse apresentada a conclusão da Polícia Federal para o caso que ficou conhecido como dossiegate -quando um grupo de petistas tentou comprar durante a última campanha eleitoral, por R$ 1,7 milhão, um material que seria usado contra tucanos.
Como não foi indiciado, Berzoini sentiu-se à vontade para reassumir o posto. Seu retorno fará o partido voltar às páginas policiais, disseram dirigentes petistas mais à esquerda. "Faz parte da disputa política", declarou Berzoini à Folha na quinta-feira passada, no seu gabinete de presidente nacional petista, em Brasília -pouco antes de embarcar para um fim de semana de folga com a família, numa praia de Pernambuco.
Aos 46 anos -"faço 47 no dia em que o PT completa 27 anos, em 10 de fevereiro"-, Berzoini diz não ser apenas retórica a possível oferta de vaga de candidato a presidente em 2010 para um dos dez partidos que integram com o PT a coalizão governista. Pela primeira vez desde o retorno do Brasil à democracia pós-ditadura militar (1964-1985), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do partido desde 1989, não terá direito de disputar o Palácio do Planalto.
Atarefado com a possível eleição do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câmara -eles se falam várias vezes ao dia pelo telefone-, Berzoini considera importante evitar "fissuras graves para a coalizão no pós-eleição", referindo-se ao PC do B e ao PSB, que apóiam a reeleição de Aldo Rebelo.
Indagado se a eleição de Chinaglia facilitará a vida do ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP), o presidente petista diz não enxergar relação entre as duas coisas. Mas, se um projeto de lei for apresentado para perdoar Dirceu, a resposta de Berzoini é direta: "Eu votaria pela anistia para ser coerente com o que eu já disse. O mandato ele não pode ter de volta. Mas os direitos eleitorais, pode. Não há razão nenhuma, na minha opinião, para manter a situação de exclusão dele da vida política do país, pois foi punido injustamente", afirma.  

FOLHA - Dirigentes do seu partido questionaram sua volta ao cargo. Não teria sido melhor esperar?
RICARDO BERZOINI
- Acho legítimo que algumas pessoas no partido tenham essa avaliação crítica em relação à corrente que tem a maioria no PT hoje do ponto de vista histórico. Acho que faz parte da disputa política.
Temos um congresso no início de julho deste ano. Lá vamos disputar teses e formulações. Com certeza, lá vamos avaliar o desempenho político do PT nos últimos anos.

FOLHA - A duração do seu mandato pode ser abreviada?
BERZOINI
- A eleição direta para a escolha da nova direção está marcada para o segundo semestre de 2008. Como haverá eleições municipais, não é conveniente que coincida. O congresso tomará uma decisão a respeito.

FOLHA - Qual será a saída?
BERZOINI
- Há duas possibilidades. Uma delas é antecipar a eleição em alguns meses. Há quem defenda a antecipação para este ano. E já ouvi quem defenda o adiamento, o que acho ruim. O congresso do partido decidirá.
Nunca é demais lembrar que o processo de eleição do presidente do partido e da direção nacional é por votação direta de seus filiados. Em setembro de 2005, na votação de primeiro turno, compareceram 315 mil filiados, superando em muito o quórum mínimo estatutário -que, salvo engano, era de aproximadamente 160 mil votantes.

FOLHA - O argumento contra a sua volta à presidência do PT é que o partido continuaria nas páginas de noticiário policial. Essa interpretação não está correta?
BERZOINI
- Acho um exagero. O comportamento que eu assumi foi de total responsabilidade com o partido. Eu não precisaria ter me licenciado pois não há mecanismos estatutários que me obrigassem a me afastar. Fiz tudo espontaneamente, condicionando a um processo de apuração em curso. Fiquei afastado um pouco menos de três meses. Terminou a apuração da polícia, e eu pude voltar com tranqüilidade.

FOLHA - O que é maior hoje: o lulismo ou o petismo?
BERZOINI
- O Lula sempre foi maior que o PT.

FOLHA - Será para sempre?
BERZOINI
- Não há resposta. Na política brasileira e na política mundial, as referências pessoais são mais determinantes do que os partidos políticos, gostemos ou não disso. Quando Lula foi candidato pela primeira vez, em 1989, ele foi ao segundo turno com cerca de 17% dos votos. O PT não tinha a preferência nem de 7% a 8% do eleitorado do país.
Em 2002, o PT tinha cerca de 20%. Lula já estava com 40% a 45%. Às vésperas da eleição de 2006, o PT tinha 27% de preferência partidária entre os eleitores e o Lula estava batendo em 50%. Lula hoje é um presidente que tem o apoio de 10 a 12 partidos para governar no segundo mandato. É um líder mundial.
Imaginar que o PT pudesse ter esse mesmo tamanho é uma ilusão de qualquer pessoa. Mas é minha obrigação como dirigente fazer o PT, como instituição, crescer -inclusive se beneficiando de que seu mais ilustre filiado tenha essa aprovação toda.

FOLHA - Lula não pode mais ser candidato a presidente em 2010. Hugo Chávez, na Venezuela, alterou a Constituição para concorrer quantas vezes quiser. O sr. acha que esse tipo de alteração é positiva?
BERZOINI
- A Constituição brasileira permite só uma reeleição. O presidente Lula já declarou ser contra até essa reeleição. Não vejo qualquer hipótese de esse tema [possibilidade de mais uma reeleição] ser apresentado no Brasil.

FOLHA - Qual caminho o PT deve trilhar para chegar a 2010 em condições eleitoralmente competitivas, sem Lula candidato?
BERZOINI
- Primeiro, ajudar a fortalecer a coalizão e criar condições para que o governo seja bem sucedido. O PT, dentre todos os partidos da coalizão, é o que será mais cobrado pelo sucesso desse modelo de gestão para o segundo mandato. Além disso, temos de preparar o partido para um processo de produção de líderes que tenham condições de serem competitivos em 2010.

FOLHA - Quais são os nomes?
BERZOINI
- Não cito nomes. Mas temos de dialogar com os demais partidos, que também têm nomes possíveis para 2010. Portanto, o PT não pode ter um comportamento presunçoso de achar que terá necessariamente candidato em 2010 nem abrir mão dessa possibilidade.

FOLHA - O sr. está dizendo que o PT pode apoiar algum candidato que se viabilize dentro da coalizão governista, um não-petista, para presidente em 2010?
BERZOINI
- Claro, por que não? É possível, mas não é uma premissa. Vamos trabalhar para que o PT tenha condições de apresentar alternativas próprias. E podemos chegar com a coalizão até 2010.

FOLHA - O sr. acredita mesmo nisso que está dizendo? O PT teria desprendimento para abdicar de ter candidato próprio à sucessão do presidente Lula?
BERZOINI
- O PT não se coloca como detentor exclusivo do direito de lançar candidatos. É óbvio que, pela sua tradição, o PT tende a ter um candidato do PT. Mas nós não podemos colocar isso como um ponto de honra do partido. Dependendo da conjuntura política de 2010, pode ser interessante para o conjunto de forças políticas de esquerda, ou de centro com a esquerda, lançar um candidato para unificar e enfrentar o processo que, com certeza, será muito concorrido. O PT aposta no fortalecimento da coalizão.

FOLHA - Na disputa pela presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia, do PT, parece ter mais apoio do que Aldo Rebelo, do PC do B. Como ambos são da mesma coalizão, não seria mais lógico que um desistisse a favor do outro?
BERZOINI
- Seria desejável, mas política e lógica nem sempre andam juntas. Eu trabalho por isso [pela desistência de um dos postulantes]. Mas se não for possível, por que não deixar a disputa ir até o fim?

FOLHA - É melhor ou pior que ambos fiquem até o final?
BERZOINI
- Para a coalizão, seria muito positivo que houvesse um candidato único. Do ponto de vista eleitoral, é imprevisível, pois não temos indicação sobre se haverá apenas essas duas candidaturas ou outras.
Mesmo assim, eu creio que o trabalho principal do nosso candidato, Arlindo Chinaglia, é conseguir a maioria dos votos dentro do critério da proporcionalidade, como está na Constituição.

FOLHA - Numa coalizão, em tese, quando um partido não segue a orientação da maioria ele deve sair. O PC do B e o PSB devem sair da coalizão por não apoiarem Chinaglia?
BERZOINI
- De maneira alguma. A relação do PT com o PC do B e com PSB é muito positiva. Se nesse caso não houve condições de unificar, temos de trabalhar para que a disputa seja em padrões elevados de debate e não tenhamos fissuras graves para a coalizão no pós-eleição. Vamos trabalhar com respeito mútuo.

FOLHA - O que deve acontecer com o candidato derrotado, se ambos se mantiverem até o final na disputa?
BERZOINI
- Primeiro, não se deve tratar como derrotado politicamente. Disputar e perder nem sempre é uma derrota. O presidente Lula perdeu três vezes para presidente da República e construiu assim o caminho para a vitória.

FOLHA - O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana, defendeu que o derrotado recebesse uma vaga no ministério. O que o sr. acha?
BERZOINI
- Aldo já foi ministro [da Coordenação Política, entre 2004 e 2005] e pode voltar a ser ministro. Tem toda a legitimidade para tal. Arlindo é um quadro de primeira grandeza do PT e tem todas as condições para ser ministro.

FOLHA - Não será indevido o derrotado receber um cargo no primeiro escalão? Não pareceria apenas uma acomodação política?
BERZOINI
- Não. Isso pode ser por conta dos méritos da pessoa. Ninguém pode ser vetado pela condição de eventualmente perder uma eleição para presidente da Câmara.

FOLHA - O que significa para o PT, se vencer, em termos de interlocução com o presidente Lula?
BERZOINI
- Representa um espaço importante para o PT. É um dos postos de maior visibilidade nacional.

FOLHA - O ex-ministro José Dirceu deve tentar a sua anistia política dentro do Congresso. Essa tarefa fica facilitada com a eventual eleição de Arlindo Chinaglia?
BERZOINI
- Primeiro, sobre o mérito. Minha avaliação é a mesma da época em que o Zé Dirceu foi cassado. Acho que foi injusto. Não havia provas nem elementos políticos que justificassem a punição. Mas não enxergo nenhum tipo de vínculo entre a eleição do Arlindo e a pretensão legítima de Zé Dirceu de discutir a sua situação política com a nação e com o Congresso.

FOLHA - Se o projeto de anistia para Dirceu for apresentado, como o sr. votará?
BERZOINI
- Eu votaria pela anistia,para ser coerente com o que eu já disse. O mandato ele não pode ter de volta. Mas os direitos eleitorais, pode. Não há razão nenhuma, na minha opinião, para manter a situação de exclusão dele da vida política do país, pois foi punido injustamente. Eu sei que se formou um senso comum em torno dessa questão e a figura do Zé Dirceu foi satanizada nesse processo. Para ser justo com a minha consciência, com o que eu vi e vivi dentro do governo, com a postura correta do Zé Dirceu com os demais ministros [Berzoini foi ministro do Trabalho e da Previdência no período em que Dirceu comandou a Casa Civil], encaminharei o voto pela anistia -se esse assunto vier à pauta.


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