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ELEIÇÕES/SENADO
Em 95, presidente convida senadores para um bate-papo no Alvorada, que dá início à rivalidade entre os dois aliados do governo
Duelo ACM-Jader começa na piscina de FHC
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A guerra entre ACM e Jader Barbalho começou cedo e num cenário especial: no primeiro mês do
mandato de ambos, em fevereiro
de 1995, no Palácio da Alvorada.
O presidente Fernando Henrique Cardoso convidou os senadores governistas para tomar um licor à beira da piscina. O que deveria ser um bate-papo de aliados se
transformou num constrangimento geral.
ACM sentou-se "como um paxá", conforme relatou Jader depois. No centro da roda, refestelado na cadeira e de pernas abertas.
Esticou um dedo e começou a
perguntar a cada um dos senadores quais eram suas divergências
com a agenda do governo e que
reivindicações políticas tinham.
Ao final, tendo pulado a pergunta ao líder do PMDB, ACM se
dirigiu diretamente a FHC e disse:
"Com o Jader você não precisa se
preocupar. É só chamá-lo no palácio e acertar tudo, que o PMDB
não vai lhe criar problema".
Jader arregalou os olhos e disparou: "Antonio Carlos, você seria a
última pessoa no mundo a quem
eu daria uma procuração para interpretar os desejos do PMDB".
ACM não teve reação. Sem graça, o presidente tentou contemporizar: "Não se chateie, Jader. O
Antonio Carlos quis dizer que você é um bom político, que sabe
negociar...".
A partir desse episódio, Jader
alertou a cúpula peemedebista:
ACM se comportaria como a eminência parda do governo e tentaria mandar mais do que FHC.
Acreditava, portanto, que, se quisessem garantir os espaços do
partido, os peemedebistas deveriam enfrentá-lo. Jader, emocional, tomou para si o desafio de ser
o "ACM do PMDB", engrossando
a voz quando necessário.
Guerra
Disputas entre ACM e Jader
vêm desde o primeiro mandato
de FHC. Jader contou a interlocutores, por exemplo, que ACM
chegou a chamá-lo para, junto
com o ex-presidente Sarney, formar um trio que infernizaria a vida de FHC. "Juntos, nós três tomamos conta do governo", teria
dito o baiano a Jader e Sarney.
Foi no segundo mandato, no
entanto, que as divergências se
transformaram numa guerra. A
prévia desse conflito aconteceu
no começo de 1999. ACM, numa
espécie de cruzada moral contra o
Judiciário, propôs uma CPI para
investigar o poder. Ponto de partida: o caso do TRT de São Paulo.
Como contraponto, Jader patrocinou a criação da CPI dos
Bancos, a fim de investigar o socorro de mais de R$ 1 bilhão aos
bancos Marka e FonteCindam na
época da desvalorização do real.
Os dois ainda chegariam a trocar afagos. Numa das tréguas da
guerra, um episódio surpreendeu
Márcia, mulher de Jader.
No começo de 2000, o casal foi
junto a um jantar na casa do senador baiano, que se sentou ao lado
de Jader e inusitadamente passou
a noite segurando sua mão esquerda.
Márcia vislumbrou ali "um gesto até de carinho" e ficou perplexa
quando, tempos depois, ACM
surgia na imprensa condenando
radicalmente a candidatura do
marido.
Desde então, Jader passou a dizer a correligionários e amigos
que sua vida "se transformara
num inferno". A ponto de, em julho, durante o recesso, ele ter pensado seriamente em renunciar à
candidatura.
A cúpula peemedebista teria o
mês inteiro para articular um novo nome que tivesse o seu apoio.
Em agosto, na reabertura do Congresso, Jader abriria mão da sua
candidatura em favor desse novo
nome. Que ninguém conseguiu
encontrar.
Na falta de opções, Jader decidiu que deixaria o partido atuar
enquanto ele próprio se reservaria. Daí porque, enquanto ACM
não passava um dia sem abrir a
boca, Jader praticamente não deu
entrevistas.
Um gesto do PFL tirou de Jader
a chance de recuar. Foi quando o
partido se reuniu no Senado e
acatou o veto de ACM ao peemedebista. A decisão foi levada a Jader pelo líder Hugo Napoleão, filho de embaixador e considerado
o mais ingênuo dos pefelistas.
Meio sem graça, quase gaguejando, Hugo foi a Jader com um
discurso constrangido: falou mal
de ACM, reclamou de seu individualismo, lamentou que estivesse
sempre criando problemas para o
partido. Mas, finalmente, foi ao
ponto: apesar de tudo isso, o PFL
ficara com ACM, contra Jader, e
iria lançar Inocêncio Oliveira (PE)
candidato a presidente da Câmara na semana seguinte.
"Ah, sim, caro Hugo. Não tem o
menor problema. Eu entendo. É
do jogo", reagiu Jader, que nem
sequer se deu ao trabalho de argumentar com a tradição de que o
maior partido indica o presidente.
O paraense fingiu que estava tudo
bem, despediu-se de Napoleão e
começou a trabalhar na reação.
Avaliou que a intenção do PFL
era separar a disputa do Senado e
se entender com os tucanos na
Câmara.
Dobradinha
Na manhã de 22 de novembro,
enquanto o PFL trazia governadores e preparava uma cerimônia
com a cúpula para lançar Inocêncio, Jader telefonou para o líder
do PMDB na Câmara, Geddel
Vieira Lima (BA), que ainda estava em Salvador.
"Geddel, andei pensando. Telefone para o Aécio Neves (líder do
PSDB na Câmara e então candidato à presidência da Casa), diga
que você refletiu muito e que, sem
consultar o PMDB, resolveu propor uma aliança entre nós", afirmou Jader.
Haveria, porém, duas condições. Jader contou ao líder do
PMDB na Câmara, que achou ótima a idéia: "Fale com o Aécio, o
Teotonio Vilela (presidente do
PSDB) e o Sérgio Machado (líder
do PSDB no Senado), mas diga a
eles que a idéia é sua e que eles
têm que vir pessoalmente na liderança para fechar a proposta".
Assim foi combinado, assim foi
feito. Com um detalhe malvado,
contado por todos às gargalhadas:
a visita foi pouco antes do lançamento da candidatura de Inocêncio Oliveira na Câmara. E ofuscou
a festa pefelista no dia e nos jornais do dia seguinte.
Jader chegou a considerar, mesmo depois disso, um acordo com
Sarney. E não se cansa de responsabilizar ACM por inviabilizar esse acordo: "É como o sujeito matar o marido e ainda por cima
querer escolher com quem a viúva vai casar".
O erro
Quando começou a ficar claro
que não haveria um acordo no Senado entre PMDB, PSDB e PFL,
os três principais partidos da base
do governo, a cúpula peemedebista pautou Pedro Simon para
fazer um dos seus virulentos discursos no plenário no dia 6 de dezembro.
Na véspera, os peemedebistas
jantaram na casa do presidente da
Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e decidiram usar Simon para
atacar ACM, ligando-o ao caso
Rubens Gallerani.
Ex-representante do governo da
Bahia em Brasília, Gallerani era
um dos auxiliares mais próximos
a ACM e foi acusado de traficar
influência no Senado.
O senador baiano soube e preparou um antídoto fulminante.
Passou por Ronaldo Cunha Lima
e avisou: "Você é o primeiro secretário do Senado, responsável
pelas obras. Se o Simon me atacar,
eu vou dizer claramente quem era
o responsável pela falcatruas do
Gallerani".
Cunha Lima assustou-se e o
partido afinou em cascata. Ao subir à tribuna, Simon já não sabia o
que dizer. Ou não tinha o que dizer. Jader viu do gabinete, irritou-se com as expressões de deboche
de ACM diante do fiasco da operação e não resistiu. Foi ele mesmo ao plenário, novamente bater
boca com o presidente.
O episódio quase custou a Jader
sua candidatura. A cúpula chegou
a pensar que ele se inviabilizara ao
continuar na guerra por ter contrariado uma acerto informal
com o Palácio do Planalto.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, preocupado com o
recrudescimento da guerra, se
reunira com um cacique peemedebista dois dias antes do "imbróglio Simon", a fim de pedir ao partido para diminuir o bombardeio.
Jader aceitou, FHC foi avisado,
mas o roteiro de bem-comportado duraria menos de um dia.
Jogo fechado
A cúpula do PMDB bateu o
martelo na candidatura Jader numa reunião na casa de Temer em
São Paulo, no dia 8 de janeiro . Argumento: o próprio ACM, ao carimbar a candidatura Sarney e insistir nela, havia inviabilizado a
articulação de um novo nome
peemedebista. Àquela altura,
qualquer outro peemedebista significaria a derrota de Jader e da
cúpula do partido. Seria uma humilhação retirar o nome de seu
presidente por pressão de ACM.
Acertaram ali a data da reunião da
bancada em Brasília para formalizar Jader: 30 de janeiro.
O partido estava disposto até a
perder com Jader, mas decidiu
que não iria abandoná-lo. Restava
um problema: acabar de vez com
a dúvida sobre Sarney. Metade da
cúpula achava que o ex-presidente não seria candidato. A outra,
que se disporia a contrariar o partido e comprar a briga.
Sarney racharia a bancada de 26
senadores do PMDB e receberia
apoio dos 21 senadores do PFL
mais alguns tucanos e oposicionistas desgarrados. Ou seja, era a
principal ameaça.
Haviam fracassado todas as tentativas anteriores de conter Sarney. Um delas foi no final de novembro, quando FHC combinou
com Temer que sondaria Sarney
em uma viagem internacional.
No dia 30 de novembro, FHC
disse: "Sarney não será candidato.
Ele disse para mim o que tem dito
para todo mundo". No dia seguinte, o próprio Sarney voltaria a
ser dúbio. E ACM garantiria a todos que ele disputaria.
Antes da reunião de 30 de janeiro para sacramentar Jader candidato da bancada peemedebista, o
baiano Geddel disse, em novo
jantar da cúpula na casa de Temer, o QG peemedebista: "Vocês
vivem dizendo que Sarney não
suporta ser criticado. Vou desentocá-lo".
Geddel partiu para o ataque público. "Não acredito que Sarney
vá ser o preposto de ACM para
desunir o PMDB. Isso terá um
preço alto, porque ele será responsabilizado pela traição", afirmou Geddel.
Contrariado, Sarney soltou
uma nota na qual afastava a possibilidade de não ser um candidato de consenso, hipótese descartada naquele momento. Depois, encontrou-se com Jader e
confirmou que não disputaria.
Com Sarney definitivamente
fora, as defecções no PMDB viraram um blefe de ACM. Na reunião da bancada, Jader foi escolhido o candidato com 23 dos 26
votos.
Dessa data até o resultado de
ontem, a candidatura Jader passaria por mais dois sobressaltos.
O primeiro aconteceu na véspera do jantar que reuniria a cúpula do partido numa homenagem a Michel Temer e em mais
uma sessão de críticas a ACM.
Foi quando o PFL, desesperado
com a perspectiva de perder as
eleições na Câmara e do Senado,
cogitou lançar o nome do presidente do partido, Jorge Bornhausen, para enfrentar Jader.
A cúpula peemedebista enxergou ali uma ameaça real à candidatura. Enxergou mais: o dedo
do governo na operação.
Para forçar o recuo de Bornhausen, o ministro Eliseu Padilha (Transportes) e o líder Geddel Vieira Lima (BA) foram se
queixar a FHC. Levaram ao presidente a ameaça de infernizar o
governo. O cardápio da retaliação incluía a hipótese de lançar
Itamar Franco candidato à sucessão de 2002.
Um último susto foi contornado com mais pressão política,
dessa vez sobre o senador José
Fogaça (RS), um dos nomes cogitados para ocupar a vaga de
candidato alternativo a Jader.
O próprio Jader entrou na operação. Fogaça deixou o páreo,
mas ainda pode ganhar um ministério.
Jader foi eleito com o apoio velado de FHC e dois trunfos: ter
imposto uma derrota a ACM e
ter levado o PMDB ao posto de
principal parceiro da aliança que
sustenta o governo.
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