São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Para Cláudio Weber Abramo, atuação do governo é tímida

Faltou combate à corrupção, diz ONG

MARCOS SERGIO SILVA
DA REDAÇÃO

Um ano e meio depois de assinar o "Compromisso Anticorrupção", quando ainda era candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva pouco fez para combater o mau uso da máquina pública. A opinião é do secretário-geral da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, responsável pelo documento subscrito pelo então candidato em setembro de 2002.
Agora, em razão das fitas que apontam o pedido de propina feito pelo ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência Waldomiro Diniz na campanha de 2002, Abramo vê a oportunidade de o PT finalmente colocar em prática um sistema eficiente de combate à corrupção. "O governo Lula poderia tomar esse caso como um gancho para adotar um combate à corrupção de uma forma sistêmica e organizada."
Abramo acredita que o governo abusou do discurso em detrimento da ação no primeiro ano de mandato. Cita que um dos termos acordados no compromisso era a implantação de uma agência nacional anticorrupção -o que não foi realizado. Leia os principais trechos da entrevista.
 

Folha - Qual o impacto da divulgação do escândalo?
Cláudio Weber Abramo -
Eu acredito que esse caso demonstra que eventos envolvendo corrupção podem acontecer uma vez que os indivíduos que ocupem função pública abusam do poder, em benefício próprio ou do partido. O fato de um indivíduo estar relacionado ao Partido dos Trabalhadores, que tradicionalmente teve a imagem ligada ao combate à corrupção, mostra que palavras apenas para combater a corrupção não bastam. É necessário tomar medidas concretas de controle e acompanhamento. É o que não acontecia claramente no governo Benedita da Silva, no Rio de Janeiro, onde o caso ocorreu.

Folha - O que o caso pode significar para o governo Lula?
Abramo -
O governo Lula poderia tomar esse caso como um gancho para adotar um combate à corrupção de uma forma sistêmica e organizada. E não apenas com declarações contra a corrupção. Só há controle se existirem mecanismos administrativos.

Folha - O senhor acredita que o governo já colocou alguns desses mecanismos em prática?
Abramo -
O governo afirma que sim. Algumas medidas já foram tomadas em certas áreas, notadamente na Controladoria Geral da União, mas não se pode dizer que o governo Lula tenha adotado o combate à corrupção como um programa administrativo concreto. Foram medidas tímidas. Quero dar um exemplo de como a despreocupação relativa com a corrupção pode prejudicar políticas públicas. O governo está com esse projeto de parcerias público-privadas, em discussão no Congresso, e esse projeto tem vários dispositivos muito vulneráveis à corrupção.

Folha - Pode-se dizer então que o governo não agiu com responsabilidade ao apresentar esse projeto?
Abramo -
Precisaria ter mais preocupação no dia-a-dia com a corrupção. Corrupção não é fundamentalmente um problema moral dos indivíduos. É evidente que um sujeito corrupto é um indivíduo moralmente desviante, mas isso não é importante na corrupção. O importante são as condições que a propiciam. E o que dá origem à corrupção? É a oportunidade. E isso não se reduz dizendo "serei implacável contra a corrupção, sou contra".

Folha - É possível dizer que foram essas brechas que propiciaram uma ação como essa do Rio?
Abramo -
Se um indivíduo é capaz de, enquanto é presidente da Loterj, negociar o direcionamento de licitações públicas para empresas A ou B por conta de pagamento de uma propina, é evidente que esse processo não estava sendo controlado adequadamente. Isso aí é responsabilidade de governo, não é responsabilidade individual do senhor Waldomiro Diniz. Casos de corrupção em qualquer governo ocorrem porque o processo está frouxo. Não adianta dizer "pega ladrão" depois que aconteceu.

Folha - Como o sr. vê essa aproximação de um bicheiro, como o Carlinhos Cachoeira, com o presidente de uma empresa de loterias?
Abramo -
Acho que o ponto não é o cara ser bicheiro, mas de estar fazendo negócios ali. Licitações públicas não são feitas para ver quem vai ficar com um ponto de bicho, são feitas para adquirir bens e serviços do Estado. Eu vejo isso como uma demonstração que a corrupção em licitações pode estar ligada ao crime organizado. Se um bicheiro estava negociando, isso quer dizer que o crime organizado, representado por ele, estava negociando.

Folha - O Brasil manteve seu índice de percepções de corrupção no primeiro ano de governo Lula. Apesar disso, é possível ver alguma evolução nesse aspecto no período?
Abramo -
É muito difícil fazer esse tipo de avaliação, mas eu diria que se esperava muito mais. O governo Lula se comprometeu, durante a campanha, a tomar diversas medidas concretas -ele assinou um documento público com o Transparência Brasil. A maior parte dessas medidas não foi tomada por motivos que só o governo poderá responder.

Folha - Antes de assumir, Lula assinou um Compromisso Anticorrupção com o Transparência Brasil. Algum ponto foi cumprido?
Abramo -
O diálogo com o governo não se deu, apenas se deu localizadamente na Controladoria Geral da União. A agência [nacional anticorrupção, proposta no compromisso] simbolizava a eleição do combate à corrupção como estratégia de governo. Isso não foi feito. Uma parte das atribuições ficou com a Controladoria Geral da União, mas ela não tem ascendência sobre os demais ministérios. Não existe um comando central anticorrupção.

Folha - A solução seria organizar melhor a máquina para que casos de corrupção não existissem?
Abramo -
A falta de informação provoca a corrupção. O Estado precisa impor às suas estruturas processos de disponibilização da informação para que a população possa olhar. Pegando o gancho do controle externo do Judiciário. Que controle externo é esse que estão falando? Um concílio de advogados, representantes do Ministério Público, juízes... De externo, não tem nada. O melhor controle externo é a visibilidade sobre os processos.

Folha - Após o caso Santo André, o PT passou a defender uma influência menor do Ministério Público e voltou a discutir a Lei da Mordaça. O sr. avalia isso como uma ruptura do modelo que o partido defendia nos tempos de oposição?
Abramo -
Nada como um dia atrás do outro, não é? O exercício do poder não é a mesma coisa que a luta pelo poder. Enquanto se está na oposição você tem o discurso que é baseado na ética da convicção. Quando você assume o poder, passa a valer a ética da responsabilidade. Do ponto de vista formal, é evidente que o Ministério Público não poderia divulgar informações sobre investigações que está realizando, porque isso pode prejudicar pessoas. Por outro lado, em um país que tem as dificuldades institucionais que o Brasil tem, o Ministério Público corre o risco de ser tolhido em sua função por pressão política. Acho que impedir formalmente que os promotores públicos tenham certa liberdade no manejo dos casos pode ter um prejuízo grande na apuração.

Folha - Como o sr. avalia a relação do governo com o Congresso e a troca de cargos nos ministérios?
Abramo -
Ela é evidentemente fisiológica, por uma série de fatores: a fraqueza dos partidos, a fragilidade do sistema de representação, um mar de razões. E o que o governo tem a oferecer? Cargos.


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