São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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ELIO GASPARI

Um jogo para o Carnaval, monte o Aerolula

Não é o caso de concordar com a turma da São Clemente, que entrará na Sapucaí dizendo que "aqui tudo foi tramado para virar esculhambação", pois "no Brasil o que é sério é o Carnaval", mas Lula e o PT Federal devem botar os pés no chão.
Admitindo-se que prefiram cortar R$ 400 milhões do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil a desistir da compra de um avião importado de US$ 56,7 milhões, deveriam organizar uma parceria com a patuléia, convidando-a para o Fórum de Decoração do Aerolula. São 80 metros quadrados de carpete. Trata-se de área superior à média das habitações nacionais.
É possível que no preço divulgado pela Presidência da República esteja incluído o custo da decoração. Pelos costumes do mercado, não está. Ela pode sair, no barato, por R$ 10 milhões, dependendo do gosto do freguês.
Não se conhece a decoração preferida pelo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, nem a do sheik Zayid, dos Emirados Árabes, aerocompanheiros de Lula.
Quem quiser brincar de decoração deve levar em conta que o Airbus tem 24 metros de comprimento. O espaço dos passageiros é dividido em blocos. Há seis decoradores europeus e americanos credenciados para fazer o serviço. Seus arquitetos desenharam 17 módulos.
São os seguintes os principais blocos:
1) Dormitório, com cama de casal e banheiro e chuveiro. (O da Lufthansa Technik parece ser o de melhor desenho.)
2) Escritório, ou sala de reunião, com sete lugares. As poltronas são maiores que as da primeira classe dos vôos comerciais.
3) Bloco VIP para 12 ou 18 pessoas, com assentos grandes. Se o AeroLula tiver esse bloco, será o primeiro avião presidencial com três classes: na primeira vai o monarca e na segunda fica o andar de cima da comitiva.
4) Terceira classe, para 18 pessoas, com assentos semelhantes aos da executiva.
Há magnatas que não voam com gente na terceira classe e usam o espaço para montar uma sala de jantar, o bar ou uma sala de reuniões.
A Presidência da República previu uma lotação de 40 pessoas para o Aerolula, sem bar nem salas. Quem quiser navegar pelo mundo encantado do Airbus pode visitar as seguintes páginas, infelizmente, em inglês:
1) Airbus Corporate Jetliners: http://www.corporate-jetliner.com/passenger/layout-poss.html (Para os detalhes, selecione a opção "passenger".)
2) Lufthansa Technik (Está mais para avião de magnata do que para AeroLula.) http://www.lufthansatechnik.com/applications/portal/lhtportal/
application?origin=/portlets/navportlet/navportlet.jsp&event=bea.portal.
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4269&node=4269&action=initial

Afago na fome

Lula quer convidar o ex-ministro da fome José Graziano para um cargo no exterior.
Sente-se devedor com o velho amigo.
É dura a vida dos presidentes. Acumulam crédito com os adversários e débitos com os amigos.

Conspiração

Conspira-se no comissariado do Planalto a cassação branca do mandato de senador de Eduardo Suplicy. A idéia é surpreendê-lo na convenção do partido, onde ele perderia a indicação para ser candidato à reeleição.
Suplicy foi o primeiro senador eleito pelo PT, em 1990, com 4,2 milhões de votos. Reelegeu-se em 1998, com 6,7 milhões. Seu terceiro mandato é coisa quase certa. A malandragem destina-se a derrubá-lo no tapetão.
Se a idéia for adiante, a reação de Suplicy dará momentos inesquecíveis à política brasileira.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música e a impostos. Ela procura ajudar os companheiros do governo a conviver melhor com a língua portuguesa. A senhora concedeu mais uma de suas bolsas de estudos ao procurador-geral da Fazenda, doutor Manoel Felipe Rêgo Brandão, diante da pérola produzida pela página de sua repartição na internet. Ela diz:
"O não-fornecimento de certidão negativa pela internet não permite a conclusão, sem análise específica do caso, que o contribuinte apresenta situação irregular perante a Dívida Ativa da União, nem, obviamente, a conclusão contrária de que sua situação é regular".
Natasha acredita que ele quis dizer o seguinte:
"Se o senhor não conseguiu a sua certidão, isso não quer dizer nada".

"Code-Share" é o novo nome da tunga

A ekipekonômica anunciou que nas próximas semanas o governo concluirá a análise das negociações da Varig com a TAM. Faz um ano que maganos do papelório agenciam a crise da Varig e a aventura da fusão.
Racional e zeloso para cortar verbas sociais e para preservar os juros da banca, o Ministério da Fazenda ainda não percebeu o que está acontecendo com os consumidores que pagam impostos e tarifas aéreas. Fracassada a tentativa de fundir as duas empresas no peito, para alcançar um dinheiro no velho e bom BNDES, anuncia-se agora que será criada uma nova empresa. Será uma companhia virtual, gestores de "vôos compartilhados", "code-share" em obscurantês.
Com a chancela do governo, querem criar um cartel virtual para continuar tungando o dinheiro real dos consumidores.
A repórter Maeli Prado mostrou que as duas empresas ofereceram tarifas promocionais em 33 trechos com origem em Congonhas. Em 26 casos os preços eram idênticos, até nos centavos.
As promoções da Varig e da TAM, além de custarem a mesma coisa, vigoraram nos mesmos prazos. Por exemplo: uma ida e volta São Paulo-Recife custava R$ 1.749,35 nas duas empresas, e a promoção só cobria vôos entre os dias 10 e 14 passados. A probabilidade de uma coisa dessas acontecer por acaso é a mesma de uma pessoa ganhar todas as loterias do mundo com o mesmo milhar. Quando as duas empresas passaram a praticar vôos conjuntos, comprometeram-se, junto ao Cade, a "abster-se de qualquer prática uniforme de preços ou de trocar informações sobre preço, em especial o preço final praticado aos consumidores".
O andar de cima da Varig tem padrinhos, mas não precisa exagerar.

O CDES ouve, mas não é ouvido

Saia justa de alto nível na última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social com dois doutores da ekipekonômica. Antonio Palocci (Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central) foram ao Itamaraty e expuseram as maravilhas do governo a um plenário de quase cem notáveis. Estavam lá Roger Agnelli (Vale do Rio Doce), Márcio Cypriano (Bradesco), Benjamin Steinbruch (CSN) e Jorge Gerdau. Gente que tem o que fazer.
Primeiro o governo se expressou por meio de ausências: não compareceram nem mandaram representantes os comissários Luiz Gushiken e José Dirceu nem o doutor Celso Amorim.
Os conselheiros já haviam reclamado da falta de debates nas quatro reuniões anteriores.
O governor Henrique Meirelles fez uma exposição de meia hora, com direito a transparências. As curvas mostradas na sua exposição pareciam um desfile de rainhas da bateria. Só coisa boa. Depois de uma hora de reunião, falou o ministro Antonio Palocci. Repetiu, pela milionésima vez, a sua sessão de terapia relaxante.
A ata da reunião informa que, em seguida, vieram os "debates".
Vinte e seis conselheiros pediram a palavra. Os defensores expressos da ekipekonômica foram três, talvez cinco. Os demais falaram para reclamar.
Cadê os doutores Palocci e Meirelles? Tinham ido embora.
O então secretário do conselho, doutor Tarso Genro, assumiu a responsabilidade pela ausência dos sábios.

O porão roncou para o tucanato

Falta sorte ao governador tucano Geraldo Alckmin e ao seu secretário da Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, que herdaram o delegado Laertes Calandra no quadro de sua polícia. Ele é acusado de ter sido o renomado "Capitão Ubirajara" do DOI-Codi do 2º Exército, a maior central de torturas da ditadura militar.
Um curioso remexeu o arquivo do Dops e encontrou uma cópia da perícia do "encontro do cadáver" do jornalista Vladimir Herzog numa cela do DOI, no dia 25 de outubro de 1975, um sábado.
Descobriu que foi o "Capitão Ubirajara" quem comunicou à divisão de criminalística a existência de um morto na cela especial nº 1, requerendo os serviços da perícia. Ela informou que Herzog suicidou-se.
Há um ano, quando foi denunciada a presença do delegado Laertes Calandra no departamento de inteligência da polícia, Alckmin explicou: "[Ele] é uma pessoa que presta bons serviços, não tem nenhuma condenação e nada que o impeça de trabalhar na polícia investigativa".
Já a Secretaria da Segurança informou que Calandra nunca respondeu a inquérito policial ou administrativo, "por isso, não existem fatos que desabonem sua conduta no exercício das funções como delegado".
Estão certos. Quem respondia a inquérito era Herzog.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita em tudo que o governo diz. Na semana passada, ele foi a um encontro com o ministro Ciro Gomes, acompanhando o governador Cássio Cunha Lima e um grupo de parlamentares paraibanos.
Ouviu o ministro queixar-se da vida, da bancada nordestina no Congresso e de dois governadores (Jarbas Vasconcelos e João Alves): "Estou tão aborrecido que a qualquer momento eu pego o meu boné e vou embora".
Horas depois o idiota viu o ministro saindo do gabinete de Lula, a quem contou a cena da reunião com os paraibanos e ouviu-o dizendo o seguinte:
"Amanhã, haverá mais uma boataria de que estou entregando o boné".
Eremildo nunca acreditou que todo boato tem um fundo de verdade. O idiota suspeita que, no mundo do doutor Ciro Gomes, toda verdade tem um fundo de boato.

Na rua

Em dois anos (2001 e 2002) as empresas de televisão brasileiras fecharam 3.600 postos formais de trabalho. A mão-de-obra caiu de 43,3 mil pessoas para 39,7 mil.
Nesse mesmo período o número de trabalhadores empregados na impressão e edição de jornais caiu de 48,2 mil para 37,3 mil. Sumiram 10,9 mil empregos formais (23%).

Olho na persiana

Com 34 anos muito bem rodados na profissão de auditor, Antoninho Trevisan liberou um de seus truques:
"Quando eu entro numa empresa procuro prestar atenção nas persianas. Se elas estão tortas, desbeiçadas, cuidado. Não sei por que, mas, quando não se cuida mais das persianas, faz tempo que há alguém fraudando por ali".
Essa nem o legendário Amador Aguiar (1904-1991), criador do Bradesco e implacável farejador de pilantragens, foi capaz de perceber.


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