São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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NO PLANALTO

Lula, Dirceu e o PT precisam de uma boa mãe

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dona Toninha, mãe de Antonio Palocci, bem que avisou. Diferentemente do filho dela, um poderoso discreto, José Dirceu vem ostentando poder em demasia.
O chefe da Casa Civil obviamente nunca foi de dar ouvidos a conselho de mãe. Um dos ensinamentos vitais de todas elas é: cuidado com as companhias.
Ainda menino, meteu-se numa "gangue de garotos". Divertiam-se amarrando barbante em rabo de cachorro e roubando frutas nos quintais da vizinhança. "Eu era o pior", reconhece Dirceu nas páginas de "Abaixo a Ditadura", livro escrito em 98, em parceria com Vladimir Palmeira.
Aos 15, Dirceu trocou a modorra da pequena Passa Quatro (MG) pela sedução de uma fervilhante São Paulo. Foi ganhar a vida sozinho. Espremia-se com sete rapazes numa quitinete. Decorridos oito meses, foi expulso.
Tornara-se, ele próprio, companhia indesejável. "Eu aprontava muito", admite. Embora menor, freqüentava cabarés. "Eu podia ter virado um trombadinha."
Mais tarde, estudante da PUC, integrou-se à autodenominada "Turma da Canalha". Sentava-se à mesa do professor, acomodava os pés sobre as carteiras...
Hoje, 57, segundo homem da República, cabelos ralos e nevados, Dirceu escreve as mais importantes páginas de sua notável biografia. A diferença é que agora suas travessuras são acompanhadas por uma nação atônita.
Sob Lula, o camarada Dirceu tornou-se, nas palavras do presidente, o "capitão do time" petista. Nessa condição, escalou o segundo escalão. O dele e o dos outros.
Nenhuma nomeação importante na Esplanada escapou ao crivo de Dirceu. Assoberbado com a filtragem das indicações alheias, "descuidou" da sua própria seleção. Levou para a sede da Presidência da República Waldomiro Diniz.
Escalou para fazer a ponte entre o quarto andar do Planalto e o carpete escorregadio do Congresso um personagem que, suspeita-se agora, coletava verbas eleitorais e negociava editais de concorrências públicas com o jogo do bicho carioca. Uma temeridade.
Por ora, o pior que se pode dizer da reputação de Dirceu é o seguinte: ou ele é um fenomenal distraído, ou gosta mesmo de viver perigosamente. Em qualquer hipótese, assume riscos incompatíveis com o cargo que exerce.
Alguém deveria assumir o papel de mãe do superministro. Dona Toninha, talvez. Alguém que pudesse ligar para Dirceu de vez em quando para dizer-lhe: cuidado com as companhias.
Em verdade, Dirceu não é o único a necessitar de atenções maternas. No instante em que completa 24 anos, o PT inteiro atravessa uma quadra delicada.
No poder, o partido sacrifica a aura de "diferente" num processo pouco cerimonioso de composições políticas. Um ritual de cumplicidade em que uns são levados a aceitar as culpas dos outros em nome da fidelidade ao grupo. E todos terminam por igualar-se na abjeção.
Numa fase assim, qualquer mãe que se preze diria ao PT: evite o PMDB, pare de cortejar o PMDB, não dê ministérios ao PMDB, fuja do PMDB. Autorizado por Lula, Dirceu fez o oposto.
Lula, Dirceu e o PT seriam, porém, felizes se o PMDB fosse o único motivo de preocupação. Não é. Longe disso. Vêm aí as eleições municipais. E com elas a necessidade de dinheiro para as campanhas.
Em períodos pré-eleitorais, as necessidades partidárias costumam fundir-se perigosamente a certas demandas empresariais. Mencione-se, por oportuno, o caso das casas de bingo. Tinham em Waldomiro Diniz, agora "afastado" do convívio palaciano, um bom aliado.
Os bingos funcionam precariamente, numa atmosfera de semiclandestinidade. Reivindicam uma lei que normatize a atividade. Nos bastidores, acenam com generosas contribuições de campanha. Valem-se da contribuição de pessoas conhecidas em Brasília. Entre elas o ex-senador Gilberto Miranda.
Em 1º de outubro de 2003, o Planalto editou um curioso decreto. Instituiu um grupo de trabalho para estudar alterações à "legislação que trata das atividades relacionadas à exploração dos jogos de bingo". Traz as assinaturas de Dirceu e Lula.
O chefe da Casa Civil guarda em suas gavetas uma proposta de medida provisória que, editada, deixaria felizes os exploradores do bingo. Na última quinta-feira, um grupo de procuradores da República foi ao Planalto para fazer um alerta.
Os procuradores esperavam ser recebidos por Dirceu. Contentaram-se em dialogar com um auxiliar do ministro, Johaness Eck. Relataram a ele o conteúdo de inquéritos que, espalhados pelo país, associam o bingo ao crime organizado e à lavagem de dinheiro.
É, de novo, um caso de ausência de mãe. Qualquer uma diria: afastem-se dos bingos, rasguem essa medida provisória, esqueçam a parola de que geram milhões de empregos. O comércio de cocaína também emprega brasileiros e nem por isso deve ser legalizado.
Em conversa com jornalistas, na última quarta-feira, Lula disse que não dá atenção a funcionários subalternos. "Delego confiança", disse ele. "Trato com o primeiro escalão." Uma boa mãe diria ao presidente: use parte do tempo que desperdiça criando metáforas para observar os Waldomiros, meu filho. É para o seu próprio bem.



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