São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª

HORACIO LAFER PIVA

Empresário pede que o BC leve em conta o retrato da economia real na hora de definir os juros

Está muito difícil enxergar a retomada econômica, diz Fiesp

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Depois de um período de otimismo e de confiança na recuperação do crescimento econômico, os empresários começam a perder o fôlego. Para uma das principais vozes do empresariado, Horacio Lafer Piva, 46, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), nunca o clima esteve tão tenso entre os empresários.
Na quinta-feira passada, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o clima de pessimismo ficou evidente. As críticas dos empresários ao governo foram generalizadas. Para Piva, só o presidente Lula tem condições de mudar esse clima. Ele acha que Lula tem de reunir seus ministros e coordenar a atuação deles.
Piva não pouca críticas ao Banco Central, pelo fato de não levar em conta o mundo real na hora de definir a taxa de juros da economia. "O Banco Central precisa levar em conta o retrato da economia real do chão de fábrica."
Piva acha que o governo precisa agir rápido para evitar a perda do controle sobre a economia. As centrais sindicais, que eram importante aliadas do governo, começam a organizar protestos contra o governo.
"O tempo será dado pelas pessoas que estão procurando emprego. A pressão do desemprego é uma pressão extraordinariamente forte num governo de personalidade social como o do presidente Lula."
A seguir, trechos da entrevista.

 

Folha - Os empresários estão frustrados com os resultados econômicos do governo Lula?
Horacio Lafer Piva -
Não sei se [o governo Lula] frustrou as expectativas, mas o ambiente está muito mais tenso agora. O que a gente percebe é um clima muito tenso no mercado de maneira geral, tanto do ponto de vista econômico como do político. As pessoas ainda mantêm a expectativa de que possa haver uma recuperação, mas está muito difícil enxergar exatamente onde. Quando falamos em crescimento de 3,5% do PIB neste ano, estamos falando do crescimento em cima de uma base muito fraca, que foi o ano passado (em 2003 o PIB caiu 0,2%). No ano passado, tivemos a percepção de que aprendemos a dominar a inflação e que o ajuste fiscal que estava sendo feito, apesar de bastante duro, era necessário. Todos nós achávamos que esse ajuste geraria um resultado positivo em termos de crescimento. Sonhamos que iríamos conduzir a economia ao desenvolvimento sustentado, trazer mais investimentos e fugir do populismo tributário. De repente, o que estamos vendo é exatamente mais aumento de carga tributária, com a nova Cofins, por exemplo (a alíquota subiu 153,3%, ao passar de 3% para 7,6%). Todo mundo está perplexo com o que está acontecendo. O mercado interno continua parado.

Folha - O governo está perdido?
Piva -
O governo não está perdido, mas falta, sem dúvida nenhuma, uma articulação melhor entre os vários ministérios. Essa articulação só pode ser feita, neste momento, pelo próprio presidente Lula. E isso não porque o José Dirceu estaria mais fraco por causa de tudo o que aconteceu (as denúncias do caso Waldomiro Diniz), mas porque acho que essa é uma ação do presidente. Quem tem de encontrar uma maneira de orquestrar os ministérios e dar uma demonstração muito clara de vontade política para os seus próprios comandados é o presidente Lula, que, não tenho dúvida, está muito incomodado com a falta de crescimento [da economia] e a falta de emprego.

Folha - O governo errou na dose de conservadorismo na política econômica?
Piva -
Acho que sim. Desde junho do ano passado nós já deveríamos ter começado a flexibilizar a política econômica e testado limites inferiores da taxa de juros. Nós não fizemos isso.

Folha - O que faltou?
Piva -
Nós não definimos o que queremos. O Gerdau [Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo Gerdau] outro dia estava falando que a gente precisava escolher alguns poucos pontos e mirá-los. Claro, não é fácil, mas precisamos fazer isso. Qual vai ser, por exemplo, a poupança interna? Qual vai ser a taxa de juros? Vai ser 4% real, 5% real, por que tem de ser 10% real? Vamos enfrentar o problema do tamanho do Estado? Da má gestão dos recursos? Da falta de racionalidade nos gastos públicos? O governo precisa criar alguns mecanismos para promover a redução do Estado. Não sei por que não se define um patamar inferior de gasto público. Isso pode permitir a redução da carga tributária. Hoje, há uma inversão de prioridades. O importante é a receita, e não a despesa.

Folha - O sr. entende que o governo não tinha projeto e teve de dar continuidade à política do governo FHC?
Piva -
Acho que o governo percebeu que a coisa era muito mais complicada do que, de fato, parecia. O Brasil é um país complexo. O governo fez um trabalho importante de ajuste nos primeiros seis meses do ano passado, mas depois exagerou na dose desse aperto [ao manter os juros elevados]. O grande problema é que a idéia de crescimento tem sido adiada de forma sistemática. O tal do "espetáculo do crescimento", que foi anunciado em junho, não aconteceu. Está aí patinando, e 3,5% de crescimento do PIB neste ano não vai ser nenhum "espetáculo do crescimento".

Folha - Faltou coragem ao governo para mudar a política?
Piva -
Não. Acho que falta, talvez, um pouco mais de organização, mesmo.

Folha - O sr. defende mudanças na política econômica?
Piva -
Tenho muito medo dessas mudanças na política econômica, principalmente dessas idéias de plano B. Para mim, isso não funciona. O que falta é um pouco mais de ousadia. Há espaço para ser um pouco mais ousado, reduzindo, por exemplo, a taxa de juros [a Selic está em 16,5% ao ano]. O Banco Central tem todos os instrumentos para ir testando limites inferiores de juros. Há também mais espaço para avançarmos em outras direções, como na Lei de Falências, e na participação mais ativa dos bancos públicos no mercado de crédito, para que o "spread" bancário (diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa efetiva cobrada dos clientes) também diminua. Temos também de enfrentar essa questão da carga tributária de maneira mais corajosa e, para isso, o Palocci [Antonio Palocci Filho, ministro da Fazenda] terá de ter uma ação coordenada com a Receita Federal.

Folha - O que o sr. espera do plano de política industrial?
Piva -
Estamos esperando o anúncio da política industrial para o dia 31 deste mês. Pode ser uma coisa muito positiva. Aqui na Fiesp vamos apresentar uma proposta ao governo de redução de tributos para investimentos.

Folha - O governo ficou "amarrado" com a crise política?
Piva -
Não sei se "amarrou", mas abateu. Há um certo abatimento no governo. O ministro José Dirceu [Casa Civil] é uma pessoa importante, que comanda a questão política com grande habilidade, e a possibilidade de não tê-lo forte abalou muito o governo.

Folha - A crise paralisou a economia do país?
Piva -
Não senti que a economia tenha ficado paralisada devido à crise política. A economia está "andando de lado" porque está faltando dinamismo ao mercado interno. Veja o tempo que levamos para avançar na questão da construção civil. Um segmento que é absorvedor de mão-de-obra não-qualificada, um segmento que não cria pressão de divisas, um segmento que há muito tempo nós vamos falando que precisava ser estimulado, e o próprio governo, no seu programa de campanha, falava da sua importância, e, mesmo assim, só agora estão saindo medidas para apoiar a construção civil. Por isso, acho que está faltando uma certa coordenação no governo, uma certa estruturação para que ele tenha mais agilidade, para que ele tenha mais flexibilidade. O governo precisa aproveitar o fato de que a sociedade ainda tem um olhar generoso sobre ele, ainda o apóia, ainda demonstra confiança nele, para gerar mecanismos de flexibilidade e agilidade.

Folha - De quanto tempo o governo dispõe?
Piva -
O tempo será dado pelas pessoas que estão procurando emprego. A pressão do desemprego é uma pressão extraordinariamente forte, principalmente num governo de personalidade social como o do presidente Lula. As pessoas entendem essa questão do emprego como um compromisso primeiro do presidente e tendem a reagir de maneira até mais emocional [em relação ao governo Lula] do que em relação a outros governos que porventura aí estivessem. Você pode, de repente, ter um incômodo enorme, inclusive do ponto de vista político. Isso pode se transformar numa coisa maior.

Folha - Qual seria o risco?
Piva -
Começo a ver, por exemplo, manifestações das centrais sindicais. Todos nós sabemos que as centrais sindicais dão um certo apoio ao governo. O presidente Lula é um homem que veio do setor sindical. Esse é um apoio importante para ele. Ele não pode perder esse apoio. De repente, elas [as centrais] estão aí se mobilizando. Isso é muito ruim. Se, de repente, o país tiver uma perda de controle, nós vamos ficar "andando de lado" mais dois, três anos. Tomara que isso não aconteça. O presidente Lula está, de fato, preocupado, mas acho que só ele neste momento é que conseguirá recoordenar as ações de governo.

Folha - O que ele teria de fazer?
Piva -
Não sei. Acho que ele vai ter de chamar seus ministros e dividir claramente quais são aqueles que têm uma ação mais social e quais os que têm uma administração mais econômica. Depois, buscar uma coordenação muito clara entre eles. O presidente vai precisar chamar o pessoal para dar uma racionalidade ao trabalho.

Folha - Se houver perda de controle, o que acontece?
Piva -
Podemos ter um comportamento ruim por parte dos investidores, que ficarão temerosos de aplicar seus recursos no Brasil. A Bolsa voltaria a ficar ciclotímica [ter altas e baixas] e poderia gerar, de novo, todo aquele movimento de preocupação com relação ao câmbio, que, embora flutuante, exatamente para absorver esse tipo de choque, sofreria movimentos especulativos. Isso é muito ruim para um país como o Brasil. Nós precisamos sair disso.

Folha - O sr. acha que o Banco Central errou ao interromper o processo de redução dos juros?
Piva -
Acho que o Banco Central tinha de ter uma preocupação maior com o crescimento. Ela [a preocupação] é muito periférica. Ou seja, sua preocupação é com os manuais de economia, aqueles modelos econométricos fantásticos. Na verdade, o Ministério da Fazenda é que teria de determinar ao BC que execute uma política que, de alguma maneira, inclua algum tipo de preocupação com o crescimento nessa dita equação econométrica. Respeito o grau de tecnicalidade que um BC tem de ter ao definir a taxa de juros, mas acho que a coisa não está apenas na questão técnica. Não acho que o BC deva ficar sofrendo influências políticas do governo, mas, quando você vê que existe um grau de imobilidade na economia, percebe que alguma coisa não está andando como deveria. O ministro da Fazenda precisa inserir essa preocupação com o crescimento na equação do Banco Central.

Folha - O que o ministro Palocci precisa fazer?
Piva -
O Palocci precisa discutir isso com a diretoria do BC. Precisamos levar ao BC o retrato da economia real do chão de fábrica, o sentido de urgência de retomar o crescimento. Claro que o BC precisa levar em conta a preocupação com o regime de metas [de inflação], mas, ao mesmo tempo, deve avaliar a possibilidade de não ter de ficar tão preocupado em mirar o centro da meta.

Folha - O sr. vê necessidade de mudanças na diretoria do BC?
Piva -
Não precisa. O que é necessário é um pouco mais de coerência. É preciso uma política um pouco mais articulada entre a Fazenda e o BC.

Folha - Há um descompasso entre a Fazenda e o BC?
Piva -
Quando o BC toma a decisão de manter a taxa de juros, está olhando mais para o modelo, está tomando uma decisão mais técnica. O Palocci precisa se envolver nessa discussão e colocar essa preocupação com o mundo real no modelo. Se você deixar apenas o presidente do BC tratando disso, a decisão tende a ser eminentemente técnica.

Folha - Lula tem noção disso?
Piva -
Acho que sim. Acho sinceramente que o Lula está preocupado com isso.

Folha - O sr. acha que essa crise refletirá nas eleições municipais?
Piva -
A campanha municipal tende a se federalizar do ponto de vista do discurso. Acho que esses casos que aconteceram, como o do Waldomiro Diniz, vão acabar fazendo com que as campanhas ganhem uma dimensão federal em vez de se restringirem a questões municipais. É uma pena. Acho também que será uma campanha que irá pagar um pequeno preço pela situação econômica.

Folha - A Marta Suplicy, prefeita de São Paulo, deve sofrer os efeitos dessa crise?
Piva -
Ela tem um índice de rejeição alto. Acho que ela pode sofrer, sim, os efeitos dessa crise, mas ela é uma candidata muito forte.

Folha - Que o balanço o sr. faz de sua gestão na Fiesp?
Piva -
Isso merece uma entrevista só sobre esse tema, mas posso dizer que fizemos um belíssimo trabalho de readequação administrativa da entidade para torná-la mais parecida possível com as empresas que ela mesmo representa. Também fizemos um trabalho de reposicionamento político, definindo a Fiesp como uma entidade de pressão, e não de adesão. Acho que isso nos deu um espaço de respeito na mídia, um espaço de respeito com a classe política e, do ponto de vista interno, uma situação financeira confortável.

Folha - O que o sr. vai fazer depois de deixar a presidência da Fiesp?
Piva -
Estou olhando tudo com muita calma, fazendo uma reflexão a respeito. Tenho muitas oportunidades, mas preciso terminar o mandato para definir.



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