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ENTREVISTA DA 2ª
HORACIO LAFER PIVA
Empresário pede que o BC leve em conta o retrato da economia real na hora de definir os juros
Está muito difícil enxergar a retomada econômica, diz Fiesp
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Depois de um período de otimismo e de confiança na recuperação do crescimento econômico,
os empresários começam a perder o fôlego. Para uma das principais vozes do empresariado, Horacio Lafer Piva, 46, presidente da
Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo), nunca o
clima esteve tão tenso entre os
empresários.
Na quinta-feira passada, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, o clima de pessimismo ficou evidente. As críticas dos empresários ao governo foram generalizadas. Para Piva, só o presidente Lula tem condições de mudar esse clima. Ele acha que Lula
tem de reunir seus ministros e
coordenar a atuação deles.
Piva não pouca críticas ao Banco Central, pelo fato de não levar
em conta o mundo real na hora de
definir a taxa de juros da economia. "O Banco Central precisa levar em conta o retrato da economia real do chão de fábrica."
Piva acha que o governo precisa
agir rápido para evitar a perda do
controle sobre a economia. As
centrais sindicais, que eram importante aliadas do governo, começam a organizar protestos contra o governo.
"O tempo será dado pelas pessoas que estão procurando emprego. A pressão do desemprego
é uma pressão extraordinariamente forte num governo de personalidade social como o do presidente Lula."
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Os empresários estão frustrados com os resultados econômicos do governo Lula?
Horacio Lafer Piva - Não sei se [o
governo Lula] frustrou as expectativas, mas o ambiente está muito mais tenso agora. O que a gente
percebe é um clima muito tenso
no mercado de maneira geral,
tanto do ponto de vista econômico como do político. As pessoas
ainda mantêm a expectativa de
que possa haver uma recuperação, mas está muito difícil enxergar exatamente onde. Quando falamos em crescimento de 3,5% do
PIB neste ano, estamos falando do
crescimento em cima de uma base muito fraca, que foi o ano passado (em 2003 o PIB caiu 0,2%).
No ano passado, tivemos a percepção de que aprendemos a dominar a inflação e que o ajuste fiscal que estava sendo feito, apesar
de bastante duro, era necessário.
Todos nós achávamos que esse
ajuste geraria um resultado positivo em termos de crescimento.
Sonhamos que iríamos conduzir
a economia ao desenvolvimento
sustentado, trazer mais investimentos e fugir do populismo tributário. De repente, o que estamos vendo é exatamente mais aumento de carga tributária, com a
nova Cofins, por exemplo (a alíquota subiu 153,3%, ao passar de
3% para 7,6%). Todo mundo está
perplexo com o que está acontecendo. O mercado interno continua parado.
Folha - O governo está perdido?
Piva - O governo não está perdido, mas falta, sem dúvida nenhuma, uma articulação melhor entre
os vários ministérios. Essa articulação só pode ser feita, neste momento, pelo próprio presidente
Lula. E isso não porque o José Dirceu estaria mais fraco por causa
de tudo o que aconteceu (as denúncias do caso Waldomiro Diniz), mas porque acho que essa é
uma ação do presidente. Quem
tem de encontrar uma maneira de
orquestrar os ministérios e dar
uma demonstração muito clara
de vontade política para os seus
próprios comandados é o presidente Lula, que, não tenho dúvida, está muito incomodado com a
falta de crescimento [da economia] e a falta de emprego.
Folha - O governo errou na dose
de conservadorismo na política
econômica?
Piva - Acho que sim. Desde junho do ano passado nós já deveríamos ter começado a flexibilizar
a política econômica e testado limites inferiores da taxa de juros.
Nós não fizemos isso.
Folha - O que faltou?
Piva - Nós não definimos o que
queremos. O Gerdau [Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do
grupo Gerdau] outro dia estava
falando que a gente precisava escolher alguns poucos pontos e
mirá-los. Claro, não é fácil, mas
precisamos fazer isso. Qual vai
ser, por exemplo, a poupança interna? Qual vai ser a taxa de juros?
Vai ser 4% real, 5% real, por que
tem de ser 10% real? Vamos enfrentar o problema do tamanho
do Estado? Da má gestão dos recursos? Da falta de racionalidade
nos gastos públicos? O governo
precisa criar alguns mecanismos
para promover a redução do Estado. Não sei por que não se define
um patamar inferior de gasto público. Isso pode permitir a redução da
carga tributária.
Hoje, há uma inversão de prioridades. O importante
é a receita, e não a
despesa.
Folha - O sr. entende que o governo não tinha projeto e teve de dar continuidade à política
do governo FHC?
Piva - Acho que o
governo percebeu
que a coisa era
muito mais complicada do que, de
fato, parecia. O
Brasil é um país
complexo. O governo fez um trabalho importante
de ajuste nos primeiros seis meses
do ano passado, mas depois exagerou na dose desse aperto [ao
manter os juros elevados]. O
grande problema é que a idéia de
crescimento tem sido adiada de
forma sistemática. O tal do "espetáculo do crescimento", que foi
anunciado em junho, não aconteceu. Está aí patinando, e 3,5% de
crescimento do PIB neste ano não
vai ser nenhum "espetáculo do
crescimento".
Folha - Faltou coragem ao governo para mudar a política?
Piva - Não. Acho que falta, talvez, um pouco mais de organização, mesmo.
Folha - O sr. defende mudanças
na política econômica?
Piva - Tenho muito medo dessas
mudanças na política econômica,
principalmente dessas idéias de
plano B. Para mim, isso não funciona. O que falta é um pouco
mais de ousadia. Há espaço para
ser um pouco mais ousado, reduzindo, por exemplo, a taxa de juros [a Selic está em 16,5% ao ano].
O Banco Central tem todos os instrumentos para ir testando limites
inferiores de juros. Há também
mais espaço para avançarmos em
outras direções, como na Lei de
Falências, e na participação mais
ativa dos bancos públicos no mercado
de crédito, para que
o "spread" bancário
(diferença entre o
custo de captação
dos bancos e a taxa
efetiva cobrada dos
clientes) também diminua. Temos também de enfrentar essa questão da carga
tributária de maneira mais corajosa e,
para isso, o Palocci
[Antonio Palocci Filho, ministro da Fazenda] terá de ter
uma ação coordenada com a Receita Federal.
Folha - O que o sr.
espera do plano de
política industrial?
Piva - Estamos esperando o
anúncio da política industrial para o dia 31 deste mês. Pode ser
uma coisa muito positiva. Aqui na
Fiesp vamos apresentar uma proposta ao governo de redução de
tributos para investimentos.
Folha - O governo ficou "amarrado" com a crise política?
Piva - Não sei se "amarrou", mas
abateu. Há um certo abatimento
no governo. O ministro José Dirceu [Casa Civil] é uma pessoa importante, que comanda a questão
política com grande habilidade, e
a possibilidade de não tê-lo forte
abalou muito o governo.
Folha - A crise paralisou a economia do país?
Piva - Não senti que a economia
tenha ficado paralisada devido à
crise política. A economia está
"andando de lado" porque está
faltando dinamismo ao mercado
interno. Veja o tempo que levamos para avançar na questão da
construção civil. Um segmento
que é absorvedor de mão-de-obra
não-qualificada, um segmento
que não cria pressão de divisas,
um segmento que há muito tempo nós vamos falando que precisava ser estimulado, e o próprio
governo, no seu programa de
campanha, falava da sua importância, e, mesmo assim, só agora
estão saindo medidas para apoiar
a construção civil. Por isso, acho
que está faltando uma certa coordenação no governo, uma certa
estruturação para que ele tenha
mais agilidade, para que ele tenha
mais flexibilidade. O governo precisa aproveitar o fato de que a sociedade ainda tem um olhar generoso sobre ele, ainda o apóia, ainda demonstra confiança nele, para gerar mecanismos de flexibilidade e agilidade.
Folha - De quanto tempo o governo dispõe?
Piva - O tempo será dado pelas
pessoas que estão procurando
emprego. A pressão do desemprego é uma pressão extraordinariamente forte, principalmente
num governo de personalidade
social como o do presidente Lula.
As pessoas entendem essa questão do emprego como um compromisso primeiro do presidente
e tendem a reagir de maneira até
mais emocional [em relação ao
governo Lula] do que em relação
a outros governos que porventura
aí estivessem. Você pode, de repente, ter um incômodo enorme,
inclusive do ponto de vista político. Isso pode se transformar numa coisa maior.
Folha - Qual seria o risco?
Piva - Começo a ver, por exemplo, manifestações das centrais
sindicais. Todos nós sabemos que
as centrais sindicais dão um certo
apoio ao governo. O presidente
Lula é um homem que veio do setor sindical. Esse é um apoio importante para ele. Ele não pode
perder esse apoio. De repente, elas
[as centrais] estão aí se mobilizando. Isso é muito ruim. Se, de repente, o país tiver uma perda de
controle, nós vamos ficar "andando de lado" mais dois, três anos.
Tomara que isso não aconteça. O
presidente Lula está, de fato, preocupado, mas acho que só ele neste
momento é que conseguirá recoordenar as ações de governo.
Folha - O que ele teria de fazer?
Piva - Não sei. Acho que ele vai
ter de chamar seus ministros e dividir claramente quais são aqueles que têm uma ação mais social
e quais os que têm uma administração mais econômica. Depois, buscar uma coordenação muito clara entre eles. O presidente vai precisar chamar o pessoal para
dar uma racionalidade ao trabalho.
Folha - Se houver
perda de controle, o
que acontece?
Piva - Podemos
ter um comportamento ruim por
parte dos investidores, que ficarão
temerosos de aplicar seus recursos
no Brasil. A Bolsa
voltaria a ficar ciclotímica [ter altas
e baixas] e poderia
gerar, de novo, todo aquele movimento de preocupação com relação ao câmbio,
que, embora flutuante, exatamente para absorver esse tipo de choque, sofreria movimentos especulativos. Isso é muito ruim para um
país como o Brasil. Nós precisamos sair disso.
Folha - O sr. acha que o Banco
Central errou ao interromper o processo de redução dos juros?
Piva - Acho que o Banco Central
tinha de ter uma preocupação
maior com o crescimento. Ela [a
preocupação] é muito periférica.
Ou seja, sua preocupação é com
os manuais de economia, aqueles
modelos econométricos fantásticos. Na verdade, o Ministério da
Fazenda é que teria de determinar
ao BC que execute uma política
que, de alguma maneira, inclua
algum tipo de preocupação com o
crescimento nessa dita equação
econométrica. Respeito o grau de
tecnicalidade que um BC tem de
ter ao definir a taxa de juros, mas
acho que a coisa não está apenas
na questão técnica. Não acho que
o BC deva ficar sofrendo influências políticas do governo, mas,
quando você vê que existe um
grau de imobilidade na economia, percebe que alguma coisa
não está andando como deveria.
O ministro da Fazenda precisa inserir essa preocupação com o
crescimento na equação do Banco
Central.
Folha - O que o ministro Palocci
precisa fazer?
Piva - O Palocci precisa discutir
isso com a diretoria do BC. Precisamos levar ao BC o retrato da
economia real do chão de fábrica,
o sentido de urgência de retomar
o crescimento. Claro que o BC
precisa levar em conta a preocupação com o regime de metas [de
inflação], mas, ao mesmo tempo,
deve avaliar a possibilidade de
não ter de ficar tão preocupado
em mirar o centro da meta.
Folha - O sr. vê necessidade de
mudanças na diretoria do BC?
Piva - Não precisa. O que é necessário é um pouco mais de coerência. É preciso uma política um
pouco mais articulada entre a Fazenda e o BC.
Folha - Há um descompasso entre
a Fazenda e o BC?
Piva - Quando o BC toma a decisão de manter a taxa de juros, está
olhando mais para o modelo, está
tomando uma decisão mais técnica. O Palocci precisa se envolver
nessa discussão e colocar essa
preocupação com o mundo real
no modelo. Se você deixar apenas
o presidente do BC tratando disso, a decisão tende a ser eminentemente técnica.
Folha - Lula tem noção disso?
Piva - Acho que sim. Acho sinceramente que o Lula está preocupado com isso.
Folha - O sr. acha que essa crise
refletirá nas eleições municipais?
Piva - A campanha municipal
tende a se federalizar do ponto de
vista do discurso. Acho que esses
casos que aconteceram, como o
do Waldomiro Diniz, vão acabar
fazendo com que as campanhas
ganhem uma dimensão federal
em vez de se restringirem a questões municipais. É uma pena.
Acho também que será uma campanha que irá pagar um pequeno
preço pela situação
econômica.
Folha - A Marta Suplicy, prefeita de São
Paulo, deve sofrer os
efeitos dessa crise?
Piva - Ela tem um
índice de rejeição
alto. Acho que ela
pode sofrer, sim, os
efeitos dessa crise,
mas ela é uma candidata muito forte.
Folha - Que o balanço o sr. faz de sua
gestão na Fiesp?
Piva - Isso merece
uma entrevista só
sobre esse tema,
mas posso dizer que
fizemos um belíssimo trabalho de readequação administrativa da entidade
para torná-la mais parecida possível com as empresas que ela mesmo representa. Também fizemos
um trabalho de reposicionamento político, definindo a Fiesp como uma entidade de pressão, e
não de adesão. Acho que isso nos
deu um espaço de respeito na mídia, um espaço de respeito com a
classe política e, do ponto de vista
interno, uma situação financeira
confortável.
Folha - O que o sr. vai fazer depois
de deixar a presidência da Fiesp?
Piva - Estou olhando tudo com
muita calma, fazendo uma reflexão a respeito. Tenho muitas
oportunidades, mas preciso terminar o mandato para definir.
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