|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA
Teórico do direito e ex-reitor da USP em duas ocasiões, filósofo foi autor de obras de repercussão internacional
Jurista Miguel Reale morre aos 95 em SP
DA REPORTAGEM LOCAL
O jurista Miguel Reale, 95, morreu ontem, às 0h20, vitimado por
um infarto do miocárdio. Ele estava em sua casa, na cidade de São
Paulo, acompanhado de um enfermeiro. Reale morreu logo depois de assistir ao jogo do Palmeiras, seu time de futebol.
O filho caçula, Miguel Reale Júnior, disse que três coisas animavam o pai nos últimos anos: os netos e bisnetos, os artigos que escrevia e o Palmeiras. "Ele assistiu
ao jogo inteirinho, reclamando
que foi um "joguinho porcaria",
que o time ainda perdeu e teve
muita briga", relatou o filho. Minutos depois, abaixou-se para tirar as meias e sofreu o infarto.
Miguel Reale foi enterrado no
Cemitério São Paulo ao lado do
pai, Braz Reale, da mulher, Filomena Pucci Reale, e da filha Lívia.
O jurista deixou dois filhos
-Reale Júnior, ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, e Ebe Reale-, quatro netos e quatro bisnetos.
Reale Júnior foi aluno do pai na
USP. A proximidade do professor
com o regime militar não o afastou do filho, que estava na oposição. "Tínhamos uma convivência
com divergência e com afeto." Sobre a obra do pai, diz: "Deu ao direito um senso de concretude, fincando-o na realidade".
Lembranças do professor
Poucos políticos compareceram
ao sepultamento, devido ao feriado. Celso Lafer e Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministros de
FHC, estavam presentes. Lafer foi
aluno de Reale, o conhecia desde
os seis anos de idade e era um dos
melhores amigos do professor, ao
lado do jurista Tércio Sampaio
Ferraz Júnior. "Ele encontrou um
caminho dos mais fecundos para
o entendimento do direito, da filosofia e do nosso país", diz Lafer.
De Pernambuco, o candidato
do PSDB à Presidência, Geraldo
Alckmin, telefonou para Reale Júnior. Cláudio Lembo, governador
de São Paulo e aluno de Reale, foi
ao velório, na casa em que o professor morava desde 1973. "Foi
um exemplo de dignidade, de valores profundos." O senador
Eduardo Suplicy (PT-SP) e o presidente do PMDB, Michel Temer,
prestaram solidariedade à família.
A USP, da qual Reale foi reitor
entre 1949 e 1950 e entre 1969 e
1973, foi representada pelo pró-reitor de Cultura e Extensão, Sedi
Hirano. Apaixonado pelo mundo
acadêmico, gostava de ser chamado apenas de "professor". "Na ditadura, ele representou o equilíbrio entre o Estado de Direito e o
Estado de exceção", diz Hirano.
Para os amigos, lucidez e vitalidade foram virtudes que acompanharam Miguel Reale até os últimos momentos de vida. Somente
após a morte da mulher é que viveu um tanto recluso.
O professor foi o criador da teoria tridimensional do direito, em
que defende que o direito precisa
ser analisado sob três prismas ou
princípios: fato, valor e norma.
Outra obra marcante de Miguel
Reale foi a revisão do Código Civil
Brasileiro, trabalho que executou
ao longo de décadas e só entrou
em vigor em 2002. Para o ministro
do Supremo Tribunal Federal
Enrique Lewandowski, Reale foi
responsável por dar uma visão social ao Código Civil. Segundo Lewandowski, Reale deu ao código a
noção de responsabilidade social
nas relações privadas.
Miguel Reale angariou uma legião de admiradores. Ex-aluno do
professor, Agenor Mônaco, 79, foi
despedir-se do mestre, que conheceu na Ação Integralista Brasileira. Foi aluno dele em 1954.
"Sou portador de uma nota 10 do
professor que, para mim, teve
mais significação que o diploma."
(LEANDRO BEGUOCI, MALU DELGADO E MARCELO SALINAS)
Texto Anterior: Arquivo Nacional: Governo cede a pressão e desiste de trocar diretoria Próximo Texto: Presidente e OAB lamentam perda de jurista Índice
|