São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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MEMÓRIA

Teórico do direito e ex-reitor da USP em duas ocasiões, filósofo foi autor de obras de repercussão internacional

Jurista Miguel Reale morre aos 95 em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

O jurista Miguel Reale, 95, morreu ontem, às 0h20, vitimado por um infarto do miocárdio. Ele estava em sua casa, na cidade de São Paulo, acompanhado de um enfermeiro. Reale morreu logo depois de assistir ao jogo do Palmeiras, seu time de futebol.
O filho caçula, Miguel Reale Júnior, disse que três coisas animavam o pai nos últimos anos: os netos e bisnetos, os artigos que escrevia e o Palmeiras. "Ele assistiu ao jogo inteirinho, reclamando que foi um "joguinho porcaria", que o time ainda perdeu e teve muita briga", relatou o filho. Minutos depois, abaixou-se para tirar as meias e sofreu o infarto.
Miguel Reale foi enterrado no Cemitério São Paulo ao lado do pai, Braz Reale, da mulher, Filomena Pucci Reale, e da filha Lívia. O jurista deixou dois filhos -Reale Júnior, ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, e Ebe Reale-, quatro netos e quatro bisnetos.
Reale Júnior foi aluno do pai na USP. A proximidade do professor com o regime militar não o afastou do filho, que estava na oposição. "Tínhamos uma convivência com divergência e com afeto." Sobre a obra do pai, diz: "Deu ao direito um senso de concretude, fincando-o na realidade".

Lembranças do professor
Poucos políticos compareceram ao sepultamento, devido ao feriado. Celso Lafer e Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministros de FHC, estavam presentes. Lafer foi aluno de Reale, o conhecia desde os seis anos de idade e era um dos melhores amigos do professor, ao lado do jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior. "Ele encontrou um caminho dos mais fecundos para o entendimento do direito, da filosofia e do nosso país", diz Lafer.
De Pernambuco, o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, telefonou para Reale Júnior. Cláudio Lembo, governador de São Paulo e aluno de Reale, foi ao velório, na casa em que o professor morava desde 1973. "Foi um exemplo de dignidade, de valores profundos." O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e o presidente do PMDB, Michel Temer, prestaram solidariedade à família.
A USP, da qual Reale foi reitor entre 1949 e 1950 e entre 1969 e 1973, foi representada pelo pró-reitor de Cultura e Extensão, Sedi Hirano. Apaixonado pelo mundo acadêmico, gostava de ser chamado apenas de "professor". "Na ditadura, ele representou o equilíbrio entre o Estado de Direito e o Estado de exceção", diz Hirano.
Para os amigos, lucidez e vitalidade foram virtudes que acompanharam Miguel Reale até os últimos momentos de vida. Somente após a morte da mulher é que viveu um tanto recluso.
O professor foi o criador da teoria tridimensional do direito, em que defende que o direito precisa ser analisado sob três prismas ou princípios: fato, valor e norma.
Outra obra marcante de Miguel Reale foi a revisão do Código Civil Brasileiro, trabalho que executou ao longo de décadas e só entrou em vigor em 2002. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Enrique Lewandowski, Reale foi responsável por dar uma visão social ao Código Civil. Segundo Lewandowski, Reale deu ao código a noção de responsabilidade social nas relações privadas.
Miguel Reale angariou uma legião de admiradores. Ex-aluno do professor, Agenor Mônaco, 79, foi despedir-se do mestre, que conheceu na Ação Integralista Brasileira. Foi aluno dele em 1954. "Sou portador de uma nota 10 do professor que, para mim, teve mais significação que o diploma." (LEANDRO BEGUOCI, MALU DELGADO E MARCELO SALINAS)


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