São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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JANIO DE FREITAS

Velhos usos, nova era


Para qualquer lado que se volte a cabeça, o que se encontra é a ação dos cupins bem vestidos corroendo o país

MAIS DO QUE qualquer de suas assombrosas antecessoras, a Operação Furacão que a Polícia Federal realiza desde sexta-feira -parte ainda do trabalho com que o então ministro Márcio Thomaz Bastos e o delegado Paulo Lacerda instauraram uma nova era brasileira- dá fundamentos materiais ao sentimento disseminado de que, no Brasil dito moderno, as pessoas dignas bóiam em um oceano de esgoto produzido pela imoralidade da classe dominante.
Ainda que o ímpeto inovador venha a arrefecer, a série de operações iniciada há quatro anos já proporciona efeitos dos quais, entre tantos, dois sobressaem pelo valor de verdades deprimentes, como são as verdades verdadeiras do Brasil. Para qualquer lado que se volte a cabeça, Furacão e intempéries menores deixam provado, o que se encontra é a ação dos cupins bem vestidos corroendo o país, devorando-o nos piores e nos melhores desvãos.
Mas a evidência de que é possível atacar esses vermes, apesar de todo o seu poder, é a evidência também de que há algo mais do que simples descaso para que, só a esta altura da devassidão, ocorresse o ataque, talvez efêmero: a brasilidade, na sua conformação elaborada ao correr do último século e tanto, pode ter mais componentes deletérios do que positivos. E não só no plano, digamos, material, como demonstra a primarização da cultura, em qualquer dos sentidos da palavra.
Furacão e suas antecessoras contêm uma pergunta dissimulada: algum motivo real de espanto, para nem falarmos de indignação, com o fato de que se projetem das classes mais dominadas tantas mãos armadas? É ação, reação ou o mesmo jogo, jogado à maneira e nas possibilidades de cada lado?
Concordo: não é pergunta que faça.
No palco
Nas tantas horas que passou, em dois dias da semana, nas audiências públicas da Câmara sobre as condições do controle de vôo, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, foi poupado da pergunta mais interessante e que só ele, ali, poderia responder.
Ei-la, apesar de tardia: por que, no mais agudo da crise, com os oficiais deliberadamente alheios ao serviço a que os controladores haviam voltado, o brigadeiro Saito convidou o presidente da Câmara e o líder da bancada oposicionista para ter com ele uma conversa privada e, dadas as circunstâncias, pode-se deduzir que urgente?
O comandante da Aeronáutica é reconhecido como temperamento discreto e, embora afável, refratário a contatos na área política. Arlindo Chinaglia e Júlio Redecker, mesmo com a atração por gravadores e câmeras própria dos políticos, não deixaram nem pista de provável conversa, como emissários ou simples narradores, do encontro com o comandante da Aeronáutica.
O que se passou nos aeroportos ficou como a imagem do apagão. Mas o apagão de fato ainda não foi mostrado. O jornalismo, como a história, tem destas coisas: com freqüência prefere o cenário à peça.


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