São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Conferência expõe indecisão da igreja

Com o enfraquecimento da Teologia da Libertação, bispos da América Latina não sabem que rumo seguir

O documento preparatório do encontro em Aparecida, aprovado pelo papa, foi muito criticado por adeptos da Teologia da Libertação

LEANDRO BEGUOCI
RAFAEL CARIELLO

DA REPORTAGEM LOCAL

O papa Bento 16 virá ao Brasil e encontrará os bispos da América Latina indecisos e divididos quanto ao que devem fazer no continente.
No dia 13 de maio, último dia de sua visita ao país, o papa discursará na abertura do principal evento que o terá trazido ao país: a 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida (SP).
A missão do líder máximo do catolicismo será ajudar a solucionar os impasses que aparecem nítidos no texto que embasará esse encontro.
O documento que vai iniciar as discussões revela uma igreja indecisa sobre qual caminho seguir para dialogar melhor com seus fiéis e com a sociedade. Também existem dúvidas sobre quais temas devem ser prioritários nos debates.
O texto preparatório trata de muitos temas, como a crise na família, a expansão dos evangélicos, o papel das universidades católicas, o aumento da migrações, os pobres do continente.

Enfraquecimento
Isso se explica. Após a hegemonia da Teologia da Libertação na década de 70 -ela surgiu, em grande medida, na 2ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, em 1968- e de seu enfraquecimento na década de 90 -perdeu muita força no documento da 4ª e última conferência, em 1992-, os bispos da região se mostram divididos entre descartá-la ou ainda fazer valer seus princípios de compreensão da igreja e do mundo, ainda que adaptados. A Teologia da Libertação vê a igreja a serviço da transformação social.
O texto inicial se chama "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n'Ele nossos povos tenham vida - "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14, 6)" e seu principal ponto de unidade é a tentativa de conciliar diferentes visões de igreja. Porém, não elege prioridades nem sinaliza que irá fazê-lo ao final das discussões.
Ao contrário de conferências anteriores, como Puebla (1979) e Medellín (1968), que foram encerradas com propostas claras, ainda que polêmicas. Entre elas, a opção preferencial pelos pobres, que embasou a ação social da Igreja Católica no continente nas últimas três décadas.

O documento
A confecção deste documento-base da conferência foi marcada por polêmicas e controvérsias. Um texto inicial, produzido pela presidência do Celam (Conselho Episcopal Latinoamericano, o equivalente para a região da CNBB no Brasil) e aprovado pelo papa, foi muito criticado por adeptos da Teologia da Libertação.
Ao mesmo tempo, ganhou o elogio dos críticos dessa linha. Eles afirmam que esta corrente reduz o cristianismo a uma mera militância política e esperavam da conferência de Aparecida um golpe definitivo, se possível, neste modo de compreender a religião.
Linha que é forte sobretudo no Brasil. O texto da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) encaminhado como "contribuição" à discussão visava mudanças no documento inicial e trazia discordâncias abertas em relação aos seus princípios.
O principal ponto de discórdia foi quanto ao método de compreensão da realidade a ser empregado na Conferência de Aparecida. No primeiro texto, não aparecia o que teólogos da região chamam de "ver-julgar-agir".
Por esse caminho, o católico deve ver a realidade, julgá-la a partir do Evangelho e agir na sociedade. É a base da teologia da libertação. No primeiro texto, o método usado segue um modelo alternativo, que tem como ponto de partida o homem que busca a felicidade -a qual é apresentada como um encontro pessoal com Deus. É mais próximo da linha de João Paulo 2º e de Bento 16.

Críticas
O texto da CNBB critica de saída o modelo adotado pelo Celam: "A "sede de sentido" não é a única força dinamizadora no encontro com a experiência religiosa; em nosso continente exerce um forte papel a "fome de pão", na convicção de que Deus quer a salvação a partir do corpo". Em outro trecho, afirma que o texto do Celam "não parte do ser humano concreto, que vive em nosso continente, mas de um ser genérico, uma categoria abstrata".
O texto que os bispos terão em maio -redigido a partir do documento inicial e de contribuições como a da CNBB- tenta alcançar uma síntese entre as propostas conflitantes: ele recupera o termo "ver-julgar-agir", mas de uma forma quase descaracterizada.
Será "ver" como Deus olha, "julgar" a partir de Jesus Cristo e "agir" inspirado pelo Espírito Santo. Desagrada os que queriam ver até mesmo o vocabulário da Teologia da Libertação fora do documento, mas desagrada ainda mais aos partidários dessa linha teológica.
A 5ª Conferência vai até o dia 31 do próximo mês e reunirá 266 pessoas -representantes, em sua maior parte, das conferências de bispos de cada país.


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