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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA
ONG criada pelo presidente recebeu, após sua posse, recursos da Vale, Usiminas e Telemar
Sob Lula, doações ao Instituto Cidadania atingem R$ 2,5 mi
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Instituto Cidadania, ONG que
abrigou Luiz Inácio Lula da Silva
em seus anos de oposição e mantém laços com a cúpula do governo, passou a atrair doações de
empresas privadas e ao menos de
uma estatal desde que o PT chegou ao poder. Foram pelo menos
R$ 2,5 milhões nos últimos três
anos. Paradoxalmente, o prédio
de fachada envidraçada, que já foi
o centro nervoso das campanhas
de Lula, é hoje quase um esqueleto vazio. O instituto, apesar da injeção financeira sem precedentes,
reduziu o número de projetos.
A posse de Lula foi um divisor
de águas em uma instituição criada por ele em 1992, na qual despachou por dez anos. Foi no instituto que se conceberam as Caravanas da Cidadania e em que surgiu
o polêmico Fome Zero, em 2001.
Lá trabalharam os ministros
Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), o chefe
de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e a assessora da Presidência
Clara Ant. Até 2002, o presidente
foi Paulo Okamotto, que hoje preside o Sebrae (Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas), responsável pelo pagamento de uma dívida de Lula
com o PT. Ele e Ant continuam no
conselho fiscal do instituto.
Em 2002, o instituto financiava-se à moda antiga, com a ajuda de
sindicatos, associados e uma modesta "mesada" do PT. Os principais projetos -Moradia, Energia,
Segurança, além do próprio Fome
Zero- tinham orçamento de R$
350 mil (em valores atualizados),
segundo informou Okamotto à
Folha na época. Sua única parceira empresarial era a CBMM
(Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), de Araxá
(MG). Em 2002, a CBMM foi a
maior doadora para a campanha
de Lula, desembolsando R$ 1 milhão. O presidente da empresa à
época, José Alberto de Camargo,
hoje preside o instituto.
Metamorfose
Em 2003, houve uma transformação. Os cofres da ONG passaram a ser recheados por doações
polpudas de gigantes como as siderúrgicas Vale do Rio Doce e
Usiminas, a empresa de telefonia
Telemar e a Bunge, de alimentos.
O orçamento dos projetos quadruplicou. O de Desenvolvimento
Local, que tem o cronograma
atrasado, custa R$ 1,3 milhão.
Uma pesquisa que integra o projeto é custeada pelo Banco do Brasil, segundo o site oficial, mas o
instituto não diz o valor.
Nos últimos três anos, as empresas doaram R$ 2,5 milhões, segundo Camargo. A Vale diz que
deu R$ 300 mil, e a CBMM, R$ 800
mil. As outras não informam os
valores. Já o Sebrae, nominalmente privado, mas com grande influência do governo, aparece como "parceiro". Em 2005, o instituto anunciou que receberia R$
1,2 milhão do Sebrae -ou seja,
uma instituição presidida por
Okamotto doaria para uma que o
mantém no conselho fiscal.
Agora, o Sebrae diz que o repasse não ocorreu. "Okamotto foi
um dos fundadores do instituto.
Nada mais natural que participe
do conselho, função sem remuneração. Não há restrição legal", disse sua assessoria. O instituto ainda arrecada R$ 500 mil por ano de
20 associados, pessoas físicas e jurídicas, que não especifica (média
de R$ 25 mil por doador). Há quatro anos, o valor era similar, mas
pulverizado por 250 associados.
Ao crescimento financeiro do
instituto não correspondeu a uma
expansão dos serviços prestados.
Na verdade, houve redução drástica na produtividade. Foram só
dois projetos desde 2003: além do
Desenvolvimento Local, houve o
projeto Juventude, entregue a Lula em junho de 2004. Dando expediente hoje no prédio que já foi o
escritório de Lula há apenas duas
pessoas. Camargo aparece raramente. Na última sexta de manhã,
somente um segurança estava lá.
Empresa pioneira no patrocínio
ao Instituto Cidadania, a CBMM
foi a maior doadora da campanha
presidencial de Lula em 2002.
Contribuiu com R$ 1 milhão, ou
4,76% de tudo o que foi arrecadado pelo petista. Na época, o presidente da CBMM era José Alberto
de Camargo, que deixou o cargo
em 2004, mantendo-se consultor
da empresa. Camargo agora preside o Instituto Cidadania. Como
pessoa física, ele doou mais R$
5.000 ao candidato Lula.
Camargo tem relação próxima
com o presidente. Lula, após ganhar a eleição, passou alguns dias
descansando em uma propriedade da CBMM, em Araxá (MG).
Outros petistas foram agraciados com doações da empresa. O
ex-deputado José Dirceu (SP) recebeu R$ 100 mil, mesmo valor
destinado ao senador Aloizio
Mercadante (SP). No total, foi R$
1,83 milhão doado ao PT. A campanha presidencial do PSDB recebeu R$ 250 mil, e houve doações
menores para PMDB, PTB e PFL.
Camargo foi breve ao falar das
doações. Questionado sobre os
critérios da CBMM para distribuir o dinheiro em 2002, disse que
"não houve critério". E o fato de a
companhia ter doado R$ 1 milhão
a Lula pesou na sua escolha para o
Instituto? "Não. Penso que fui
convidado para a presidência do
Instituto porque em minha vida
profissional eu vinha trabalhando
com programas relacionados
com comunidade e cidadania".
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