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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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NO PLANALTO

Sob Lula, PT troca o certo pelo conveniente

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Instalar a CPI do Banestado agora é inconveniente para o governo. A PF informa que a lista dos que mandaram US$ 30 bilhões ilegalmente para fora do país inclui, além de empresários, alguns políticos. A exposição dessa gente colocaria em risco a votação das reformas.
Ir muito fundo na investigação dos grampos telefônicos da Bahia é inconveniente para o governo. Obrigaria o ACM a dar explicações demais. E o grupo político dele ficaria tentado a ir para a oposição. Justamente na hora em que o Lula mais precisa de votos no Congresso.
Desencavar o discurso de um Lula de 1987 insinuando que o Sarney é desonesto é inconveniente para o governo. Divulgar o vídeo com som e imagem do discurso é levar a inconveniência longe demais. Rabugice de radical. Que ainda acalenta a ilusão de que é possível ser governo sem perder a inocência.
Criticar a política de juros altos num momento como esses é inconveniente para o governo. Passatempo de vice desocupado. Cedendo à gritaria, o Palocci passaria recibo de fraco. O dólar volátil daria no pé. O ministro só está sendo estratégico, para não pôr tudo a perder. Ou está perplexo como todos os brasileiros. Na dúvida, faça como os banqueiros. Não critique.
Reclamar do superávit fiscal de 4,25% do PIB é inconveniente para o governo. Artifício de ministro sem criatividade. A melhor maneira de mostrar que Brasília não tem o menor escrúpulo em seguir o programa do FMI é entregar mais do que o solicitado.
Lembrar que, no palanque, Lula prometeu criar 10 milhões de novos empregos é inconveniente para o governo. Campanha política não é substância, é teatro. O presidente já avisou que o "espetáculo do desenvolvimento" virá ao seu tempo. Se a cortina subir antes da hora, a platéia pode flagrar uma cena imprópria: a República de bruços, sendo assediada por peemedebês e petebês. Melhor esperar pela arrumação das coxias.
Noticiar a volúpia com que José Dirceu se entrega à distribuição de cargos é inconveniente para o governo. Mania de uma certa imprensa impatriótica, cética e irrecuperável. Não se pode cobrar do chefe de cozinha explicações para cada ovo sacrificado. A preocupação com a integridade dos ovos deve considerar, de resto, a perspectiva de proveito do omelete.
Deputado petista comparecer a manifestação de servidores públicos pode. Desde que não faça coro contra a reforma da Previdência. A idéia de que o Lula não controla nem as facções do próprio partido é inconveniente para o governo. Não custa defender hoje o que ontem era repudiado. Incoerência não arranca pedaço de ninguém. Vaia muito menos.
O petismo no poder inaugura uma fase auspiciosa na política nacional. Não há mais certo e errado. Instituiu-se um novo padrão ético-moral. Agora só há conveniente e inconveniente. Lula reedita FHC com uma enorme vantagem: não tem um PT na oposição para encher-lhe o saco.
Um PT coerente, com disposição para cair de pau em cima dos menores pecados, é extremamente inconveniente para qualquer governo. Por sorte, no Brasil nada se transforma. Tudo apenas envelhece.
Com o tempo, a cumplicidade passa por amadurecimento. E a virtude se integra à baixeza geral. Revogam-se todas as culpas. A anomalia assume ares de hedionda normalidade.


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