São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Votos e vendas

A maneira como o governo procura demolir as resistências de senadores ao mínimo salário mínimo, cuja votação está prevista para esta semana, merece mais atenção do que se tem dado a esses procedimentos, há dez anos adotados como norma.
Só para começar a operação, o governo fez os senadores saberem que se dispõe a liberar R$ 1,1 bilhão para gastos por eles propostos, em benefício dos respectivos Estados, no Orçamento deste ano. Desde ontem, vários ministros e o presidente da República dedicam-se ao assédio e à oferta das compensações aos senadores, o que torna bastante provável a superação daquele montante de liberações.
Para a aprovação do mínimo salário mínimo na Câmara, muito menos trabalhosa porque lá a docilidade está mais consolidada, o governo reconheceu a liberação de uns R$ 250 milhões. Convém duvidar dessa parcimônia, comparada a outras votações. A explicação para o gasto não merece melhor consideração: "foi por coincidência" que as liberações ocorreram durante os preparativos da votação pelos deputados. Também por coincidências, muitos deputados que não concordavam com o mínimo salário mínimo de R$ 260 deram-lhe o voto de aprovação.
A cada votação em que o método da aquisição de votos é praticado, e de anos para cá são quase todas, a independência do Legislativo fica mais corrompida. De uma parte, verificam-se chantagem e a oferta corruptora. De outra, também chantagem ou extorsão, com resistências que muitas vezes servem só ao aumento do valor. Segue-se o complemento do ato corrupto de cessão do voto, mediante a compensação de dinheiro e providências que beneficiam o poder político e a situação eleitoral do parlamentar no seu Estado.
O nome desse procedimento adotado como norma desde 95, embora já houvesse ocorrido em casos esporádicos e escandalosos, é claro e simples: corrupção política.
Propostas de gastos incluídas no Orçamento, as chamadas emendas parlamentares, são legítimas desde que aprovadas segundo o regimento, e não pelo método que notabilizou os "anões" ainda bem representados na Câmara. A característica apenas autorizativa do Orçamento, porém, já implica uma intervenção do Executivo, o governo, em deliberação do Legislativo. Como está apenas autorizado a fazer os gastos inscritos no Orçamento, e não compelido a tornar realidade o Orçamento aprovado pelo Legislativo, o governo só libera as propostas parlamentares que quiser. Põe, pois, os parlamentares em sua dependência, o que contradiz o princípio da independência dos Poderes, que é a alma mesma do Estado de Direito e da democracia constitucional.
Se, além disso, as propostas parlamentares no Orçamento são transformadas em moeda para o governo adquirir suas aprovações, daí resultam a superestimação do Executivo e a sujeição vil do Legislativo. Esse é o princípio das ditaduras que se disfarçam com a preservação de um Legislativo aviltado. E não é esse o regime que se quer aqui.
A correção de rumos não virá, no entanto, do governo ou do Legislativo. Um, porque tem o controle aumentado; o outro, porque já não tem o seu próprio controle.
A correção fica na dependência de que a sociedade se mova para exigi-la, quando e se reproduzir, por exemplo, o movimento que uniu, para reinstauração do Estado de Direito, a OAB, a CNBB, a ABI e outras entidades, a que hoje se juntariam, por certo, as associações de magistrados e de procuradores.


Texto Anterior: Partido critica o governo em inserções na TV
Próximo Texto: Eleições 2004: Lula usa discurso em feira em SP para elogiar Marta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.