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ELIO GASPARI
O São Jorge catatônico
Lula orgulha-se de ter
cortado o Brasil com suas
caravanas da cidadania. Esse é
um bom motivo para que se ouça o que disse em fevereiro de
1994, quando atravessou o Sul
do país. As pesquisas mostravam que ele tinha 30% do eleitorado e Fernando Henrique
Cardoso, 7%.
Em Livramento, referindo-se
ao Congresso e à sua capacidade de mexer na Constituição: "A
responsabilidade é nossa. Temos que criar vergonha na cara
e eleger pessoas dignas. Com
uma parte do Congresso sob
suspeita da população, ele tem
pouca legitimidade".
Logo depois, em Rosário do
Sul: "Quem colocou os ladrões
lá? Não foi obra de Deus, foi o
voto do povo. Ou o povo assume
a responsabilidade de mudar
este país ou vai ter mais ladrões
no Congresso". Em Alegrete:
"Basta que tenhamos um governo sério, que tenhamos vergonha na cara e que esse sistema
financeiro deixe de nos roubar,
de ser gatuno".
As falas de Lula relacionavam
uma eventual falta de vergonha
na cara do eleitorado com a possibilidade de uma redenção nacional por meio de um "governo
sério", o seu. Passaram-se 11
anos e 52 milhões de eleitores
criaram vergonha, assumiram a
responsabilidade de mudar este
país e colocaram-no na Presidência da República. Pode-se
dizer dele o que ele disse de
FFHH em maio de 1997:
"Sempre desconfiei de que havia um grupo que fazia do Congresso um balcão de negócios.
[...] O Fernando Henrique foi
eleito sob a embalagem do novo,
mas não inovou nem na fisiologia. [...] O Congresso está funcionando como uma bolsa de
valores fomentada pelo Executivo e precisamos investigar essa
corrupção".
O que menos importa nessa
parolagem de candidato é o
contraste com o comportamento do presidente. É instrutiva a
percepção de que Lula fabrica
apocalipses para justificar sua
candidatura a São Jorge.
Como candidato ou chefe de
um partido oposicionista, isso
não tem muita importância.
Como presidente da República,
é coisa perigosa, porque anestesia o político, imobiliza o administrador, lançando-o num estado de catatonia.
No ano passado, quando o governador Marconi Perillo, de
Goiás, contou-lhe que rolavam
mesadas na base oficialista, Lula teria respondido que isso era
coisa iniciada pela tesouraria
tucana de Sérgio Motta. "Alertei
o presidente de que estava tendo
mesada no governo dele", esclareceu o tucano Perillo.
Segundo o depoimento do governador, essa conversa aconteceu durante uma viagem de carro à fábrica da Perdigão, em Rio
Verde (GO). O que sucedeu ao
candidato que provocava os
eleitores de Livramento dizendo
que "temos que criar vergonha
na cara"?
Apocalipse de mentirinha produz São Jorge de folhinha. Foi o
que aconteceu com o general
João Batista Figueiredo durante
o surto terrorista patrocinado
pelo aparelho repressivo da ditadura.
Anestesiou-se diante de atentados contra bancas de jornais,
até que explodiu a bomba do
Riocentro, matando um sargento e estripando um capitão do
DOI-Codi. O general que ameaçava prender e arrebentar os
adversários da abertura caiu
em torpor catatônico.
Desde que o "mensalão" entrou para o vocabulário da patuléia, o governo olha para a
crise com cara de sono. Talvez
Lula deva admitir a possibilidade de ter dito em Livramento
em 1994 o que se deve dizer em
Brasília em 2005: "A responsabilidade é nossa".
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