São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008 |
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Exército ensinou tortura a estrangeiros
Durante a ditadura, mais de cem oficiais de outros países foram treinados em técnicas de tortura e combate à guerrilha em Manaus
CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA ENVIADO ESPECIAL A MANAUS Desde sua criação em 1966, o Cigs (Centro de Instrução de Guerra na Selva), em Manaus, treinou 381 oficiais estrangeiros. Desse total, pelo menos 103 se formaram entre 1966 e 1985, período em que o local serviu ao ensino de técnicas de tortura e combate à guerrilha. A Folha obteve a lista dos militares e conseguiu reconstruir a história de alguns deles, após passagem pelo Brasil. Apesar dos registros escassos, foi possível identificar, entre os ex-alunos, assassinos condenados, cúmplices de genocídio e acusados de tortura. Vários deles complementaram sua formação na Escola das Américas, no Panamá, conhecida por preparar repressores que atuaram nas ditaduras latino-americanas. Na sede do Cigs, os nomes de alunos e comandantes do passado são reverenciados, constando de placas de madeira que adornam a parede de um pátio interno. Em memória de Jorge Teixeira (o Teixeirão) -que fundou o Cigs meses depois de fazer curso de guerra na selva no Panamá- foi construído um museu, com relíquias do ex-militar que fez carreira política na região. Teixeira foi governador de Rondônia e prefeito de Manaus. Morreu em 1987. Na lista dos graduados de 1978 do Cigs está o coronel francês Didier Tauzin. Em 1994, Tauzin liderou a chamada operação Chimère, com a qual treinou secretamente oficiais hutus no combate às guerrilhas tutsis em Ruanda. O confronto étnico resultou num genocídio, com 800 mil vítimas. O capitão chileno Rodrigo Pérez Martínez foi um dos formandos da turma de 1985. Dois anos depois de se graduar em Manaus, ele comandou no Chile a operação Albânia, que no feriado de Corpus Christi capturou e executou 12 membros da Frente Patriótica Manuel Rodríguez. Pérez, à época comandante da Unidade Antiterrorista (UAT) da Central Nacional de Informações, foi condenado a cinco anos em regime de liberdade vigiada, pelo homicídio qualificado de Patricia Angélica Queiroz Nilo. Reféns O general peruano reformado Leonel Cabrera Pino, foi acusado pela CVR (Comissão de Verdade e Reconciliação) do Peru de violação dos direitos humanos na época em que chefiou o Batalhão Antisubversivo 313. Ele participou do resgate dos reféns na residência da embaixada do Japão em Lima, em 1992. A ação terminou com a morte dos 14 seqüestradores, membros do Movimento Revolucionário Tupac Amaru. Cabrera é ligado a Vladmiro Montesinos -assessor do ex-presidente Alberto Fujimori- e ao tenente-coronel golpista Ollanta Humala, derrotado nas eleições presidenciais de 2006. O general francês Paul Aussaresses contou à Folha que foi instrutor de tortura no Cigs. Os detalhes estão no livro "Je N'ai Pas Tout Dit - Ultimes Révélations au Service de la France" (Eu não contei tudo - últimas revelações a serviço da França), lançado em Paris. Parte da história, ele antecipou em 2004 num depoimento ao documentário "Esquadrões da Morte - A escola francesa", da jornalista Marie-Monique Morin. No filme, o general chileno Manuel Contreras, chefe do aparelho repressor e ideólogo da Operação Condor, admitiu que enviou oficiais para treinar na Escola Nacional de Informações e no Cigs. Em carta de 16 de setembro de 1975, ao ditador Augusto Pinochet, ele pede US$ 600 mil para custear a ida dos efetivos aos "cursos de preparação de grupos antiguerrilheiros". Texto Anterior: Folha vai sabatinar ministro Carlos Minc no dia 23 Próximo Texto: Entrevista: "A gente usava socos, choques, tapa no ouvido" Índice |
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