São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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JANIO DE FREITAS
Um problema com status

Confrontados com as peculiaridades da época de sua emissão, os primeiros documentos sobre as acusações ao novo diretor da Polícia Federal não favorecem as negativas do delegado João Batista Campelo e dão substância às afirmações do seu prisioneiro de então, padre, hoje professor, José Antônio Monteiro. Com esses documentos o caso muda de dimensão e de nível.
Colhidos pelo repórter Paulo Motta em Fortaleza, em cuja auditoria da Justiça Militar se deu o julgamento de Monteiro, e publicados pela Folha -talvez com modéstia excessiva-, os dois documentos datam da época em que os executores da ditadura militar, fossem graúdos ou rastaqueras, mais extravasaram a perversidade patológica. Um dos anos do governo Médici, em 1970 a ditadura era feroz e incapaz da mais mínima complacência.
O reconhecimento, em exame de corpo de delito, de lesões corporais depois de um interrogatório por policiais ou militares só podia ser, de duas, uma. Ou ato de de um legista com raros caráter e coragem, ou resultado da impossibilidade total de negar as evidências (em São Paulo, nem esse obstáculo deteve as falsificações criminosas de certos legistas).
Em tais circunstâncias, tem relevância especial o laudo da Divisão Médico Legal da polícia, no Maranhão, que confirma escoriações no pulso de Monteiro, típicas da amarração do corpo pendurado no pau-de-arara, e lesões no rosto provocadas por "instrumento contundente". À pergunta se houve "ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente", a resposta tem a mais sucinta firmeza: "Sim".
Os religiosos que não deram apoio nem tolerância à ditadura foram honrados, particularmente se católicos, com um ódio alucinado dos militares. A absolvição do padre José Antônio Monteiro na Justiça Militar, e por unanimidade, vai além de apontar a completa falta de motivação para o inquérito com que a Polícia Federal o quis incriminar. A sentença abriga, sem restrição, as declarações do acusado e das testemunhas a respeito do que cita como "coação física e moral por que passaram durante o inquérito policial".
Os interrogatórios no inquérito policial foram conduzidos pelo delegado João Batista Campelo, a quem Monteiro acusa de haver sido um dos que ajudaram a pendurá-lo no pau-de-arara e o esbofeteou. As pessoas convocadas para testemunhar contra Monteiro e contra o padre Xavier Gilles, pelo que se lê na cópia da sentença, não tiveram tratamento mais humano.
Já não se trata mais do ex-padre e professor José Antônio Monteiro, com a acusação que Campelo diz ser perseguição de um colega mais velho no seminário a um mais jovem e afinal expulso por insubordinação, mas sem participação do outro no desenlace. Em lugar de Monteiro, os adversários de Campelo têm, agora, status institucional: são a Justiça Militar e a polícia as quais serviu. É o fantasma da ditadura insepulto na cabeça e na vida de todos os seus executores.
O delegado Campelo está convivendo bem com o seu embaraço, ao que demonstram o desembaraço e as entrevistas. Mas, tal como aconteceu ao seu acusador, já não se trata mais do delegado Campelo. O problema agora é político, com o embaraço atual do governo e, sobretudo, do presidente que quis assumir a autoria da escolha. E embaraço futuro, pelo acréscimo de mais um caso aos também insepultos, e sempre lembráveis, da Presidência.


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