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JANIO DE FREITAS
Um problema com status
Confrontados com as peculiaridades da época de sua emissão, os
primeiros documentos sobre as
acusações ao novo diretor da Polícia Federal não favorecem as negativas do delegado João Batista
Campelo e dão substância às afirmações do seu prisioneiro de então, padre, hoje professor, José
Antônio Monteiro. Com esses documentos o caso muda de dimensão e de nível.
Colhidos pelo repórter Paulo
Motta em Fortaleza, em cuja auditoria da Justiça Militar se deu o
julgamento de Monteiro, e publicados pela Folha -talvez com
modéstia excessiva-, os dois documentos datam da época em que
os executores da ditadura militar,
fossem graúdos ou rastaqueras,
mais extravasaram a perversidade patológica. Um dos anos do governo Médici, em 1970 a ditadura
era feroz e incapaz da mais mínima complacência.
O reconhecimento, em exame de
corpo de delito, de lesões corporais depois de um interrogatório
por policiais ou militares só podia
ser, de duas, uma. Ou ato de de
um legista com raros caráter e coragem, ou resultado da impossibilidade total de negar as evidências (em São Paulo, nem esse obstáculo deteve as falsificações criminosas de certos legistas).
Em tais circunstâncias, tem relevância especial o laudo da Divisão Médico Legal da polícia, no
Maranhão, que confirma escoriações no pulso de Monteiro, típicas
da amarração do corpo pendurado no pau-de-arara, e lesões no
rosto provocadas por "instrumento contundente". À pergunta se
houve "ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente", a
resposta tem a mais sucinta firmeza: "Sim".
Os religiosos que não deram
apoio nem tolerância à ditadura
foram honrados, particularmente
se católicos, com um ódio alucinado dos militares. A absolvição do
padre José Antônio Monteiro na
Justiça Militar, e por unanimidade, vai além de apontar a completa falta de motivação para o inquérito com que a Polícia Federal
o quis incriminar. A sentença
abriga, sem restrição, as declarações do acusado e das testemunhas a respeito do que cita como
"coação física e moral por que
passaram durante o inquérito policial".
Os interrogatórios no inquérito
policial foram conduzidos pelo
delegado João Batista Campelo, a
quem Monteiro acusa de haver sido um dos que ajudaram a pendurá-lo no pau-de-arara e o esbofeteou. As pessoas convocadas para testemunhar contra Monteiro e
contra o padre Xavier Gilles, pelo
que se lê na cópia da sentença,
não tiveram tratamento mais humano.
Já não se trata mais do ex-padre
e professor José Antônio Monteiro, com a acusação que Campelo
diz ser perseguição de um colega
mais velho no seminário a um
mais jovem e afinal expulso por
insubordinação, mas sem participação do outro no desenlace. Em
lugar de Monteiro, os adversários
de Campelo têm, agora, status
institucional: são a Justiça Militar
e a polícia as quais serviu. É o fantasma da ditadura insepulto na
cabeça e na vida de todos os seus
executores.
O delegado Campelo está convivendo bem com o seu embaraço,
ao que demonstram o desembaraço e as entrevistas. Mas, tal como
aconteceu ao seu acusador, já não
se trata mais do delegado Campelo. O problema agora é político,
com o embaraço atual do governo
e, sobretudo, do presidente que
quis assumir a autoria da escolha.
E embaraço futuro, pelo acréscimo de mais um caso aos também
insepultos, e sempre lembráveis,
da Presidência.
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