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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ RUMO A 2006
Ex-governador do Rio enfrenta resistência dentro do próprio PMDB à sua candidatura
Garotinho vê fiasco de Lula e projeta disputa com o PSDB
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
Terceiro colocado na pesquisa
Datafolha sobre a sucessão presidencial, com 12% das intenções
de voto no cenário que lhe é mais
favorável, Anthony Garotinho enxerga para si um futuro mais promissor do que o resultado captado pelo instituto neste momento.
O ex-governador do Rio, hoje
secretário de Governo da administração de sua mulher, Rosinha
Matheus, prevê "uma grande derrota" para Lula e o PT em 2006.
"Se eu conseguir vencer os obstáculos internos no PMDB e me
tornar o candidato do partido,
vou disputar o segundo turno da
eleição com o candidato tucano."
Os obstáculos, ele sabe, não são
desprezíveis. Parte significativa
do PMDB, governadores à frente,
está decidida a não lhe dar a legenda para concorrer ao Planalto.
Mas Garotinho promete lutar e,
em caso de tapetão, espernear.
"Não sou o Itamar Franco." Em
1998, o ex-presidente foi rifado
pela cúpula peemedebista, que levou o partido a apoiar a reeleição
de Fernando Henrique Cardoso.
Apoiador de Lula no segundo
turno de 2002, Garotinho diz ter
sofrido "um choque" quando, antes da posse, cobrou as mudanças
prometidas pelo petista, que teria
lhe dito: "Estive no Rio para visitar o Raymundo Faoro. Quando
cheguei à porta da casa dele, tinha
uma multidão. As pessoas só queriam me tocar. Não preciso fazer
nada. É só deixar como está". Garotinho: "Tive certeza, naquele
momento, de estar diante de uma
pessoa deslumbrada".
Aos 45 anos, o ex-governador
parte para a nova campanha com
as palavras de ordem da anterior
-mudar a política econômica,
elevar o salário mínimo, "reestruturar" a dívida interna-, acrescidas do mote "não olhe para trás",
ou seja, martelar a idéia de que
PSDB e PT já tiveram sua chance.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, feita na quarta
em um hotel de São Paulo, onde
Garotinho comeu um sanduíche,
acompanhado de refrigerante
light, depois de uma sucessão de
compromissos de campanha.
Folha - O presidente Lula chegará
ao final de seu mandato?
Anthony Garotinho - Depende.
Se continuar a negar que sabia de
fatos dos quais ele evidentemente
tinha conhecimento, pode não
terminar. Se reconhecer que errou, por ter confiado demais em
algumas pessoas, por ter dado autonomia administrativa demais a elas, e
convocar o país
para um governo de união nacional, ele pode
concluir o
mandato dele.
Folha - O que
levou o governo
ao atual quadro
de desagregação?
Garotinho -
Foram vários
os fatores. Primeiro, a ambição de
ter um projeto de poder longo, de
"pelo menos 20 anos", como eles
diziam internamente, e a disposição de colocar isso em prática. Segundo, a terrível confusão entre
partido e Estado. Práticas correntes havia muito tempo dentro do
PT foram levadas para dentro do
governo. Terceiro, o despreparo
pessoal do presidente para o exercício do poder.
Folha - O sr. o considerava despreparado quando apoiou o PT no
segundo turno da eleição de 2002?
Garotinho - Minha situação era
muito difícil. Apoiar José Serra seria negar meu discurso de oposição à política econômica implantada por Fernando Henrique Cardoso. Por coerência política, eu
teria de apoiar, como apoiei, Lula.
E, embora eu tivesse a impressão de que o presidente não tinha
a experiência necessária para o
cargo, até aquele momento eu
acreditava que ele poderia se superar, como havia se superado em
outras situações da vida.
Mas houve um choque para
mim entre a vitória e a posse.
Aconteceu quando Lula me convidou, em dezembro, para vir a
São Paulo, no hotel Intercontinental, para me convidar para ser
ministro. Quando terminou
aquela conversa, eu tive a certeza
de que nós acabávamos de assistir
a um estelionato eleitoral.
Folha - Por quê?
Garotinho - Ele me
disse claramente que
não mudaria a política econômica, o que
tinha prometido fazer a campanha inteira. Ali percebi que
o presidente havia se
tornado uma figura
desconectada da realidade. Em determinado momento, perguntei a ele se não
achava perigoso ter
criado tanta expectativa quanto às mudanças e prosseguir na mesma linha.
A resposta dele foi a seguinte:
"Olha, Garotinho, eu estive no
Rio há poucos dias para visitar o
Raymundo Faoro. Quando eu
cheguei na porta da casa dele tinha uma multidão. As pessoas só
queriam me tocar. Não preciso fazer nada. É só deixar como está".
Eu tive a certeza, naquele momento, de estar diante de uma
pessoa deslumbrada.
Folha - Em 1998, Lula e José Dirceu vetaram a candidatura de Vladimir Pomar ao governo do Rio, impondo ao PT local uma aliança com
o sr. Alguns identificam nesse episódio um dos primeiros sinais da
deterioração do partido.
Garotinho - Eu tenho conversado com o Cesar Benjamin [fundador do PT e dirigente do partido
até 1995], que tem me assessorado
e até trabalhado comigo. E ele me
diz que isso começou por volta de
1990 no PT. Portanto, muito antes
de 1998, quando se deu o apoio à
minha candidatura ao governo do
Rio por conveniência da aliança
nacional Lula-Brizola. O Brizola,
com toda a sua história, aceitava
ser vice do Lula. E o PT daria a vice na minha chapa. Não acredito
que este tenha sido o sinal. Os sinais são anteriores e se devem à
perda de substância ideológica.
Folha - Waldomiro Diniz e Marcelo Sereno, auxiliares de José Dirceu
envolvidos, respectivamente, no
escândalo do início de 2004 e no
atual, atuaram no governo do Rio
antes de chegar a Brasília.
Garotinho - Se alguém tem alguma ilusão de que o Zé Dirceu não
era o chefe desse esquema, perca.
Zé Dirceu comandou com mão-de-ferro uma operação da qual faziam parte Silvio Pereira, Delúbio
Soares e Marcelo Sereno.
E, se alguém tem alguma ilusão
de que Lula não confiou essa tarefa ao Zé Dirceu, também perca. Zé
Dirceu condenou Lula ao dizer:
"o presidente sempre teve conhecimento de tudo o que eu fazia".
Folha - Que cenário se desenha
para a eleição presidencial?
Garotinho - O PT e Lula amargarão em 2006 uma grande derrota,
política e eleitoral. Política porque
não terão teses para defender. No
governo, aplicaram as teses de seu
adversário, o PSDB. E eleitoral devido ao escândalo de corrupção.
Se eu conseguir vencer os obstáculos internos no PMDB e me tornar o candidato do partido, vou
disputar o segundo turno da eleição com o candidato tucano.
Folha - E quem será, em sua opinião, o nome do PSDB?
Garotinho - Eu não vou escolher
candidatos em partidos adversários. Estou preparado para enfrentar qualquer tucano.
Folha - Acredita que ele possa ser
o ex-presidente FHC?
Garotinho - Acho que tudo na vida tem momento. E o momento
do Fernando Henrique não é este.
A sociedade se decepcionou
com o PT, mas ela não deseja um
retorno ao passado. E esse é o significado de votar num candidato
do PSDB. O país quer um governo
para frente. Tenho pensado muito no seguinte slogan para minha
campanha: "Não olhe para trás".
Folha - Uma parte expressiva do
PMDB manobra contra o seu nome.
O senhor considera a possibilidade
de o partido, depois de ter usado a
perspectiva de sua candidatura para assustar o governo, optar por
outra solução em 2006?
Garotinho - Você se lembra de
Rapunzel? O PMDB é como Rapunzel. Uns querem jogar as tranças para o PSDB. Outros, para o
PT. Porém, no final, Rapunzel se
casa com seu príncipe, que neste
caso é o partido, a sua base.
A base do PMDB, mais de 2 milhões de filiados, 1.050 prefeitos,
não vai permitir que ocorra nesta
eleição o que vem ocorrendo nos
últimos anos:
que o PMDB se
torne uma legenda de aluguel. O PMDB
acaba de receber um projeto
elaborado por
Carlos Lessa
[ex-presidente
do BNDES],
Cesar Benjamin, um grupo
de intelectuais,
com uma nova
visão para a sociedade brasileira. Será que isso
tudo é mentira? Eu não acredito
que eu esteja vivendo, dentro do
PMDB, o teatro do absurdo, em
que as pessoas estão enganando,
além dos outros, a si próprias.
Folha - E se estiverem?
Garotinho - Se as regras forem
mantidas e houver a realização de
prévias, e se eu for derrotado nas
prévias, aceito qualquer resultado
e vou trabalhar por esse candidato. Mas, se houver golpe, quero
avisar à direção do PMDB que eu
vou às últimas conseqüências.
Folha - Como assim?
Garotinho - Vou esgotar todas as
possibilidades de luta dentro do
PMDB. Com governadores, prefeitos, deputados, senadores, militantes, mas acima de tudo com a
sociedade. Porque um candidato
tem que falar com a sociedade.
Eu escolhi alguns pontos, com
os quais procurei colaborar na
elaboração do programa de governo. Eles convergem todos para
a mesma palavra: emprego.
Folha - Quais são os pontos?
Garotinho - Primeiro: a redução
da taxa de juros. Reduzindo a taxa
de juros, sobra dinheiro para investimento em infra-estrutura:
portos, aeroportos, estradas, ferrovias. E isso gera emprego.
Segundo: um novo ordenamento tributário do país. Hoje, entre
taxas, impostos e contribuições,
são mais de 60. Num primeiro
momento desse novo ordenamento tributário, dá para enxugar
isso à metade. Feito isso, você tira
dos ombros do setor produtivo
um peso enorme, e possibilita,
mais uma vez, gerar emprego.
Terceiro: elevação do salário
mínimo. Isso movimenta o mercado interno. As pessoas comprando mais, o comércio emprega mais. O comércio, para vender
mais, terá de comprar da indústria. A indústria, para fabricar
mais, vai ter de contratar mais. E
tudo isso gera emprego.
Então, a questão que tem centralizado as minhas atenções é a
questão da mudança da política
econômica para que nós possamos fazer um modelo gerador de
desenvolvimento e emprego. Eu
me recuso a aceitar a tese de que
não existe outro caminho.
Folha - Muitos argumentarão que
sua receita vai quebrar o país.
Garotinho - Quebrado o país já
está. O Brasil tinha, em 1994, R$
64 bilhões de dívida interna. Hoje,
tem R$ 900 bilhões. De 1994 a
2005, pagou R$ 1 trilhão e ainda
vendeu as suas empresas.
Folha - O senhor mantém a disposição, já manifestada, de renegociar a dívida interna caso chegue à
Presidência da República?
Garotinho - Não tem calote e não
tem renegociação: é reestruturação. Isso significa que os dois lados serão ouvidos. Não é nada
impositivo. Mas a reestruturação
é vital para que o país saia da situação em que se encontra.
Folha - O senhor controla uma
parcela expressiva da bancada do
PMDB na Câmara dos Deputados.
Seus adversários, alguns dentro do
partido, o acusam de fazer isso recorrendo aos mesmos métodos utilizados pelo PT com
seus aliados e que resultaram no escândalo do "mensalão".
Garotinho - Isso é
uma bobagem. Os
deputados que estão
comigo estão por
dois motivos claros.
Ou são do Rio de Janeiro -uma bancada que possui 14 deputados federais. [...]
Todos os demais,
sem exceção, são políticos evangélicos
que me apoiaram na campanha
de 2002 para presidente, já tinham ligação comigo.
Folha - De volta às resistências a
seu projeto, o senhor buscará outra
sigla para concorrer ao Planalto se
houver tapetão no PMDB?
Garotinho - Se houver tapetão,
é golpe, e golpe é momento de exceção, regime de exceção. Eu não
sou o Itamar Franco. O Itamar
tem pavio curto. Eu sou guerreiro.
Vou lutar até o fim.
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