São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ RUMO A 2006

Ex-governador do Rio enfrenta resistência dentro do próprio PMDB à sua candidatura

Garotinho vê fiasco de Lula e projeta disputa com o PSDB

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Terceiro colocado na pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial, com 12% das intenções de voto no cenário que lhe é mais favorável, Anthony Garotinho enxerga para si um futuro mais promissor do que o resultado captado pelo instituto neste momento.
O ex-governador do Rio, hoje secretário de Governo da administração de sua mulher, Rosinha Matheus, prevê "uma grande derrota" para Lula e o PT em 2006.
"Se eu conseguir vencer os obstáculos internos no PMDB e me tornar o candidato do partido, vou disputar o segundo turno da eleição com o candidato tucano."
Os obstáculos, ele sabe, não são desprezíveis. Parte significativa do PMDB, governadores à frente, está decidida a não lhe dar a legenda para concorrer ao Planalto. Mas Garotinho promete lutar e, em caso de tapetão, espernear. "Não sou o Itamar Franco." Em 1998, o ex-presidente foi rifado pela cúpula peemedebista, que levou o partido a apoiar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso.
Apoiador de Lula no segundo turno de 2002, Garotinho diz ter sofrido "um choque" quando, antes da posse, cobrou as mudanças prometidas pelo petista, que teria lhe dito: "Estive no Rio para visitar o Raymundo Faoro. Quando cheguei à porta da casa dele, tinha uma multidão. As pessoas só queriam me tocar. Não preciso fazer nada. É só deixar como está". Garotinho: "Tive certeza, naquele momento, de estar diante de uma pessoa deslumbrada".
Aos 45 anos, o ex-governador parte para a nova campanha com as palavras de ordem da anterior -mudar a política econômica, elevar o salário mínimo, "reestruturar" a dívida interna-, acrescidas do mote "não olhe para trás", ou seja, martelar a idéia de que PSDB e PT já tiveram sua chance.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, feita na quarta em um hotel de São Paulo, onde Garotinho comeu um sanduíche, acompanhado de refrigerante light, depois de uma sucessão de compromissos de campanha.

Folha - O presidente Lula chegará ao final de seu mandato?
Anthony Garotinho -
Depende. Se continuar a negar que sabia de fatos dos quais ele evidentemente tinha conhecimento, pode não terminar. Se reconhecer que errou, por ter confiado demais em algumas pessoas, por ter dado autonomia administrativa demais a elas, e convocar o país para um governo de união nacional, ele pode concluir o mandato dele.

Folha - O que levou o governo ao atual quadro de desagregação?
Garotinho -
Foram vários os fatores. Primeiro, a ambição de ter um projeto de poder longo, de "pelo menos 20 anos", como eles diziam internamente, e a disposição de colocar isso em prática. Segundo, a terrível confusão entre partido e Estado. Práticas correntes havia muito tempo dentro do PT foram levadas para dentro do governo. Terceiro, o despreparo pessoal do presidente para o exercício do poder.

Folha - O sr. o considerava despreparado quando apoiou o PT no segundo turno da eleição de 2002?
Garotinho -
Minha situação era muito difícil. Apoiar José Serra seria negar meu discurso de oposição à política econômica implantada por Fernando Henrique Cardoso. Por coerência política, eu teria de apoiar, como apoiei, Lula.
E, embora eu tivesse a impressão de que o presidente não tinha a experiência necessária para o cargo, até aquele momento eu acreditava que ele poderia se superar, como havia se superado em outras situações da vida.
Mas houve um choque para mim entre a vitória e a posse. Aconteceu quando Lula me convidou, em dezembro, para vir a São Paulo, no hotel Intercontinental, para me convidar para ser ministro. Quando terminou aquela conversa, eu tive a certeza de que nós acabávamos de assistir a um estelionato eleitoral.

Folha - Por quê?
Garotinho -
Ele me disse claramente que não mudaria a política econômica, o que tinha prometido fazer a campanha inteira. Ali percebi que o presidente havia se tornado uma figura desconectada da realidade. Em determinado momento, perguntei a ele se não achava perigoso ter criado tanta expectativa quanto às mudanças e prosseguir na mesma linha.
A resposta dele foi a seguinte: "Olha, Garotinho, eu estive no Rio há poucos dias para visitar o Raymundo Faoro. Quando eu cheguei na porta da casa dele tinha uma multidão. As pessoas só queriam me tocar. Não preciso fazer nada. É só deixar como está".
Eu tive a certeza, naquele momento, de estar diante de uma pessoa deslumbrada.

Folha - Em 1998, Lula e José Dirceu vetaram a candidatura de Vladimir Pomar ao governo do Rio, impondo ao PT local uma aliança com o sr. Alguns identificam nesse episódio um dos primeiros sinais da deterioração do partido.
Garotinho -
Eu tenho conversado com o Cesar Benjamin [fundador do PT e dirigente do partido até 1995], que tem me assessorado e até trabalhado comigo. E ele me diz que isso começou por volta de 1990 no PT. Portanto, muito antes de 1998, quando se deu o apoio à minha candidatura ao governo do Rio por conveniência da aliança nacional Lula-Brizola. O Brizola, com toda a sua história, aceitava ser vice do Lula. E o PT daria a vice na minha chapa. Não acredito que este tenha sido o sinal. Os sinais são anteriores e se devem à perda de substância ideológica.

Folha - Waldomiro Diniz e Marcelo Sereno, auxiliares de José Dirceu envolvidos, respectivamente, no escândalo do início de 2004 e no atual, atuaram no governo do Rio antes de chegar a Brasília.
Garotinho -
Se alguém tem alguma ilusão de que o Zé Dirceu não era o chefe desse esquema, perca. Zé Dirceu comandou com mão-de-ferro uma operação da qual faziam parte Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcelo Sereno.
E, se alguém tem alguma ilusão de que Lula não confiou essa tarefa ao Zé Dirceu, também perca. Zé Dirceu condenou Lula ao dizer: "o presidente sempre teve conhecimento de tudo o que eu fazia".

Folha - Que cenário se desenha para a eleição presidencial?
Garotinho -
O PT e Lula amargarão em 2006 uma grande derrota, política e eleitoral. Política porque não terão teses para defender. No governo, aplicaram as teses de seu adversário, o PSDB. E eleitoral devido ao escândalo de corrupção.
Se eu conseguir vencer os obstáculos internos no PMDB e me tornar o candidato do partido, vou disputar o segundo turno da eleição com o candidato tucano.

Folha - E quem será, em sua opinião, o nome do PSDB?
Garotinho -
Eu não vou escolher candidatos em partidos adversários. Estou preparado para enfrentar qualquer tucano.

Folha - Acredita que ele possa ser o ex-presidente FHC?
Garotinho -
Acho que tudo na vida tem momento. E o momento do Fernando Henrique não é este.
A sociedade se decepcionou com o PT, mas ela não deseja um retorno ao passado. E esse é o significado de votar num candidato do PSDB. O país quer um governo para frente. Tenho pensado muito no seguinte slogan para minha campanha: "Não olhe para trás".

Folha - Uma parte expressiva do PMDB manobra contra o seu nome. O senhor considera a possibilidade de o partido, depois de ter usado a perspectiva de sua candidatura para assustar o governo, optar por outra solução em 2006?
Garotinho -
Você se lembra de Rapunzel? O PMDB é como Rapunzel. Uns querem jogar as tranças para o PSDB. Outros, para o PT. Porém, no final, Rapunzel se casa com seu príncipe, que neste caso é o partido, a sua base.
A base do PMDB, mais de 2 milhões de filiados, 1.050 prefeitos, não vai permitir que ocorra nesta eleição o que vem ocorrendo nos últimos anos: que o PMDB se torne uma legenda de aluguel. O PMDB acaba de receber um projeto elaborado por Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES], Cesar Benjamin, um grupo de intelectuais, com uma nova visão para a sociedade brasileira. Será que isso tudo é mentira? Eu não acredito que eu esteja vivendo, dentro do PMDB, o teatro do absurdo, em que as pessoas estão enganando, além dos outros, a si próprias.

Folha - E se estiverem?
Garotinho -
Se as regras forem mantidas e houver a realização de prévias, e se eu for derrotado nas prévias, aceito qualquer resultado e vou trabalhar por esse candidato. Mas, se houver golpe, quero avisar à direção do PMDB que eu vou às últimas conseqüências.

Folha - Como assim?
Garotinho -
Vou esgotar todas as possibilidades de luta dentro do PMDB. Com governadores, prefeitos, deputados, senadores, militantes, mas acima de tudo com a sociedade. Porque um candidato tem que falar com a sociedade.
Eu escolhi alguns pontos, com os quais procurei colaborar na elaboração do programa de governo. Eles convergem todos para a mesma palavra: emprego.

Folha - Quais são os pontos?
Garotinho -
Primeiro: a redução da taxa de juros. Reduzindo a taxa de juros, sobra dinheiro para investimento em infra-estrutura: portos, aeroportos, estradas, ferrovias. E isso gera emprego.
Segundo: um novo ordenamento tributário do país. Hoje, entre taxas, impostos e contribuições, são mais de 60. Num primeiro momento desse novo ordenamento tributário, dá para enxugar isso à metade. Feito isso, você tira dos ombros do setor produtivo um peso enorme, e possibilita, mais uma vez, gerar emprego.
Terceiro: elevação do salário mínimo. Isso movimenta o mercado interno. As pessoas comprando mais, o comércio emprega mais. O comércio, para vender mais, terá de comprar da indústria. A indústria, para fabricar mais, vai ter de contratar mais. E tudo isso gera emprego.
Então, a questão que tem centralizado as minhas atenções é a questão da mudança da política econômica para que nós possamos fazer um modelo gerador de desenvolvimento e emprego. Eu me recuso a aceitar a tese de que não existe outro caminho.

Folha - Muitos argumentarão que sua receita vai quebrar o país.
Garotinho -
Quebrado o país já está. O Brasil tinha, em 1994, R$ 64 bilhões de dívida interna. Hoje, tem R$ 900 bilhões. De 1994 a 2005, pagou R$ 1 trilhão e ainda vendeu as suas empresas.

Folha - O senhor mantém a disposição, já manifestada, de renegociar a dívida interna caso chegue à Presidência da República?
Garotinho -
Não tem calote e não tem renegociação: é reestruturação. Isso significa que os dois lados serão ouvidos. Não é nada impositivo. Mas a reestruturação é vital para que o país saia da situação em que se encontra.

Folha - O senhor controla uma parcela expressiva da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados. Seus adversários, alguns dentro do partido, o acusam de fazer isso recorrendo aos mesmos métodos utilizados pelo PT com seus aliados e que resultaram no escândalo do "mensalão".
Garotinho -
Isso é uma bobagem. Os deputados que estão comigo estão por dois motivos claros. Ou são do Rio de Janeiro -uma bancada que possui 14 deputados federais. [...] Todos os demais, sem exceção, são políticos evangélicos que me apoiaram na campanha de 2002 para presidente, já tinham ligação comigo.

Folha - De volta às resistências a seu projeto, o senhor buscará outra sigla para concorrer ao Planalto se houver tapetão no PMDB?
Garotinho -
Se houver tapetão, é golpe, e golpe é momento de exceção, regime de exceção. Eu não sou o Itamar Franco. O Itamar tem pavio curto. Eu sou guerreiro. Vou lutar até o fim.

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