São Paulo, quarta-feira, 15 de agosto de 2007

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ELIO GASPARI

De Stalin@edu para TarsoGenro@gov

Quando o companheiro achar que lhe faltam aliados, saiba que eu, o Guia Genial dos Povos estou do seu lado

CARO COMISSÁRIO da Justiça,
Acompanho sua carreira desde a época em que o companheiro era porta-voz do Partido Revolucionário Comunista. Não sei porque, mas tenho estima pelos esquerdistas brasileiros. A pedido do Paulo Francis, li algumas coisas do Marco Aurélio Garcia. Até gostei, mas se ele fizesse no Kremlin aqueles gestos que fez no Planalto, já estaria num campo de trabalho, daqueles que a imprensa difamadora chama de Gulag.
Primeiro quero esclarecer um ponto: já acertei minhas contas com seu amigo Lev Davidovitch. Encontramo-nos há tempos. Por mais que ele tenha esbravejado, reconheceu que um sujeito que deixa o namorado de uma secretária (Alain Delon, no filme) entrar na sua biblioteca com uma picareta de quebrar gelo sob a capa, não merece chegar a prefeito de Odessa, quanto mais a secretário-geral do Partido Comunista. O Trótski tornou-se grande amigo daquele vigarista do Malevitch, que emoldurou uma tela branca e disse que era pintura.
Vamos ao nosso assunto. Eu sei que os dois boxeadores cubanos que a sua polícia deportou queriam voltar a viver na pátria, com as famílias. A burguesia tenta desmoralizar o depoimento que eles deram no Brasil, enquanto estavam sob custódia policial. Autorizo-o a dizer que Josef Stálin crê na sinceridade da narrativa divulgada.
Mas, comissário Genro, para que eu possa fazer isso com leveza de alma, preciso que o senhor me mande um sinal de que aceita pelo menos um vestígio de autenticidade nos casos em que me envolvi, os tais processos de Moscou. Levei a julgamento uns 50 agentes do capitalismo.
Todos confessaram seus crimes. Admito que no caso do Bukharin a Polícia Federal exagerou. Aquela confissão destinava-se a preservar a vida de sua família e o futuro de seu filho de um ano. Outro dia vi a viúva dele, a Ana Larina. Ela foge de mim. Os outros eram uns covardes, ordinários. Não acredito inteiramente nas confissões deles, pois nunca acreditei inteiramente em qualquer coisa que dissessem. Por que ninguém menciona que o correspondente do "New York Times" e o embaixador americano defenderam a lisura dos processos? O repórter ganhou até o Prêmio Pulitzer, mas não vou mentir para o senhor: ele gostava de mordomias. Botam na minha conta até o fuzilamento do Isaac Babel, aquele judeu que escreveu "A Cavalaria Vermelha", literatura de segunda. Veja só: ele namorava a mulher do chefe do meu serviço secreto, que era um bêbado, anão e pederasta. O sujeito se mete numa roubada dessas e a culpa é do Stálin?
Comissário, não preciso de simpatia pública e seria um desvio subjetivista esperá-la de um quadro cujas raízes estiveram nas ilusões pequeno-burguesas do radicalismo esquerdista. Entendo que o senhor seja meu inimigo, mas aceite a minha solidariedade. Somos irmãos em Cristo (é isso mesmo, converti-me) e na incompreensão. Não há o que eu possa fazer para comprovar um escasso vestígio de veracidade nos depoimentos colhidos pelo meu aparelho de segurança. Lembre-se de que as confissões daquela canalha traidora foram públicas, filmadas. O senhor se esqueceu de chamar a imprensa e de fazer um vídeo dos boxeadores.
Pena, fica para a próxima.
Quando o camarada achar que lhe faltam aliados, saiba: Stálin está do seu lado.

Saudações proletárias,

Josef Djugashvili


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