São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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CONTAS PÚBLICAS

Incentivos, isenções e renúncias somam 2,34% do PIB para 2003

Benefício fiscal faz o país deixar de arrecadar R$ 33 bi

Claudia Guimarães - 17.set.96/Folha Imagem
Calçadão da Zona Franca de Manaus, que, junto com a Amazônia Ocidental, vai ficar no ano que vem com R$ 6 bilhões em incentivos


JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em 2003, incentivos, isenções e renúncias tributárias custarão ao país R$ 32,975 bilhões. É o dinheiro que deixará de entrar nos cofres de Brasília por conta da prodigalidade do Estado.
A conta inclui deduções bem-vistas pela sociedade, como o abatimento de despesas médicas no Imposto de Renda.
Mas embute também verbas mal-afamadas, como as que compõem os fundos de "desenvolvimento" do Norte e Nordeste, tradicionais refúgios de malversações.
Abaixo, um apanhado de cifras que se escondem atrás dos benefícios fiscais:
1) os R$ 32,975 bilhões de incentivos correspondem a 2,34% de toda a riqueza a ser produzida no Brasil. O PIB previsto para 2003 é de R$ 1,4 trilhão;
2) só a Receita Federal será privada de R$ 23,9 bilhões. É algo comparável ao produto anual de um país como o Paraguai (PIB de cerca de R$ 25 bilhões). Equivale também a 10,6% do dinheiro que o Fisco brasileiro espera arrecadar no ano que vem: R$ 225,250 bilhões;
3) às voltas com um déficit que oscila entre R$ 17 bilhões e R$ 20 bilhões ao ano, a Previdência Social renunciará a uma arrecadação de R$ 9,018 bilhões em 2003. São isenções que concedem à cota patronal, uma taxa de 20% sobre as folhas salariais. Só as entidades filantrópicas, outro ninho de fraudes, deixarão de pagar R$ 2,177 bilhões. Clubes de futebol serão brindados com R$ 73,6 milhões.
4) a região Sudeste receberá a maior fatia dos benefícios resultantes de isenções de tributos cobrados pela Receita: R$ 11,6 bilhões (48,5% do bolo), contra R$ 3 bilhões destinados ao Nordeste (12,61%). Um contra-senso. Filosoficamente, o benefício fiscal visa promover o desenvolvimento das áreas mais pobres;
5) um detalhe atenua a distorção: o Sudeste é a região que mais paga impostos. Prevê-se que recolherá em 2003 R$ 156,2 bilhões. Assim, comparada à arrecadação, a renúncia tributária da região é de 7,4%;
6) dá-se o oposto no Norte. Belisca a segunda maior fatia do rocambole: R$ 5 bilhões (21,29%). Em contrapartida, recolherá só R$ 4,7 bilhões em tributos. O que faz com que a sua participação no total das renúncias alce a 107,9%. A região é integralmente bancada pelos contribuintes do resto do país;
7) sob FHC, a Sudam, agência de fomento do Norte, apropriada pelo PMDB de Jader Barbalho (PA), deu nome a um dos maiores escândalos da era tucana. A corrupção detectada consumiu valores superiores a R$ 2 bilhões. Jader renunciou à presidência do Senado e ao próprio mandato. Mas se mantiveram abertos os guichês da fraude, rebatizados de Ada (Agência de Desenvolvimento da Amazônia);
8) a Zona Franca de Manaus e a Amazônia Ocidental, asilos históricos de irregularidades assentados no Norte do Brasil, vão morder no ano que vem R$ 6 bilhões em incentivos;
9) em todo país, o setor econômico mais beneficiado será a indústria, a um custo para o erário de R$ 6,3 bilhões. Aí inseridas da isenção de tributos sobre o preço do papel destinado à impressão de livros, jornais e revistas (R$ 18 milhões) ao estímulo dado às fábricas de automóveis (R$ 753 milhões), passando pelo incentivo à informática nacional (R$ 1,5 bilhão);
10) o setor de comércio e serviços, aquinhoado com R$ 4,7 bilhões, é vice-campeão na briga por isenções e abatimentos tributários. Entre os beneficiários, há de empreendimentos turísticos (R$ 50,3 milhões) a pequenas e médias empresas (R$ 2,3 bilhões);
11) a renúncia fiscal privilegia o espírito em detrimento do corpo. A cultura e o audiovisual vão levar R$ 357 milhões em 2003. São deduções facultadas a empresas patrocinadoras de filmes e peças de teatro. O limite de deduções para programas de alimentação do trabalhador não chega à metade desse valor: R$ 158 milhões;
12) num Brasil que Fernando Henrique Cardoso chama de "injusto", a evolução do cinema, que revive à sombra do favor tributário, contrasta com os benefícios às operações de crédito habitacional: R$ 136 milhões. Ou com as inversões de incentivos fiscais em saneamento básico: zero;
13) tido como gratuito, o horário eleitoral dedicado aos partidos políticos custará ao contribuinte R$ 174 milhões. É quanto as emissoras de rádio e TV que o veiculam poderão abater no imposto de 2003, para compensar os comerciais que deixaram de levar ao ar;
14) o tributo cuja arrecadação é mais desbastada pelas isenções é o Imposto de Renda. No ano que vem, o Fisco deixará de arrecadar R$ 12,9 bilhões. Beneficiadas com deduções de despesas médicas e gastos com educação, as chamadas pessoas físicas deixarão de recolher R$ 9,1 bilhões. As empresas economizarão R$ 3,8 bilhões;
15) pela ordem, o segundo tributo mais corroído pelas isenções é o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O Fisco deixará de ver a cor de R$ 5,3 bilhões. Vêm na sequência a Cofins, com isenções de R$ 2,08 bilhões; a Contribuição sobre o Lucro Líquido das empresas, com R$ 602 milhões; o PIS/Pasep, com R$ 498 milhões (2,08%); e o IOF, com R$ 208,5 milhões.

Promessa de revisão
Num de seus programas de governo, o "Avança Brasil", o candidato FHC prometeu algo que o presidente FHC não foi capaz de prover: a revisão "dos mecanismos de concessão de incentivos fiscais e de crédito favorecido ao setor privado".
Em valores nominais, os incentivos crescem ano após ano. Consumiram R$ 22,7 bilhões, em 1999; R$ 24,2 bilhões, em 2000; e R$ 26,7 bilhões, em 2001. Estima-se que outros R$ 31,4 bilhões irão evaporar até dezembro de 2002, saltando depois para os R$ 32,975 previstos para 2003.
Em discussões internas, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, sempre defendeu a revisão do modelo de isenções.
Costuma dizer, porém, que todo incentivo tem "dono". Muitos são financiadores de campanhas eleitorais.
Alguns são os próprios candidatos. O que faz com que o debate seja eternamente transferido do ambiente técnico para a arena política. E fica-se na constatação.


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