São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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ELIO GASPARI

Ciro malbarata até suas idéias

Na terça-feira o doutor Ciro Gomes foi colocado diante da seguinte pergunta: "O senhor pretende acabar com o vestibular. Pelo sistema atual, o estudante de um mau colégio público pode se recuperar com um ano adicional de cursinho. O que se poderia fazer para evitar essa situação?".
Respondeu assim: "A grande proposta [do candidato do governo] é fazer cursinho. Isso é um engodo. Acho o vestibular mau porque estressa os garotos. Você pode estudar a vida inteira e dormir mal de noite e fazer uma prova tremendo. Ele é muito mais um teste de frieza emocional, que não é de se exigir de garoto, de jovem, nem de candidato a presidente da República, quanto mais de garoto. Político que só fala com cenário atrás, com assessor cochichando no ouvindo, desconfiem, porque isso não é homem. A não ser que eu esteja démodé. Aos 44 anos, vou virar um vagabundo. Engraçado, [Fernando Henrique] chamou aposentado de vagabundo e não é destemperado, [é] um homem fino, elegante, um príncipe da diplomacia".
Jogou 114 palavras ao vento. Delas, 64 foram consumidas com o óbvio e outras 50, numa diatribe contra seus demônios.
Como a diatribe não contribui para o bom andamento do debate, ele prossegue. A idéia de Ciro Gomes de substituir o vestibular por um exame federal é boa. Genericamente, livra a garotada das angústias, racionaliza o acesso à universidade e melhora a qualidade do ensino médio.
Nos detalhes, cria problemas que podem ser resolvidos, desde que sejam discutidos. Se as notas dos exames federais decidirem a parada, os estudantes dos colégios públicos serão prejudicados. A seco, os exames federais cristalizariam as desigualdades sociais e regionais que deformam o sistema educacional brasileiro. Os alunos do Colégio Marista Cearense, de Fortaleza, onde Ciro Ferreira Gomes estudou durante os três anos do segundo ciclo, teriam mais chances que outro garoto, que tenha feito sua vida escolar em Sobral, passando pelas seis escolas públicas que levam o sobrenome dos Ferreira Gomes (Carmosina, José, José Euclides, José Euclides Jr., José Gerardo e Vicente Antenor).
Os exames federais podem contribuir para expor e medir essas desigualdades, permitindo a intervenção do poder público, tanto em Sobral como em São Paulo. Seriam um poderoso sistema de avaliação das escolas. Se o Enem passar a ser obrigatório, preservará todas as suas virtudes e servirá também para expor as desigualdades e as incompetências que contaminam o ensino médio.
O exame federal proposto por Ciro seria um passo adiante em relação ao Enem facultativo. Ao mesmo tempo, o Enem não encurrala os alunos. A proposta de Ciro deve ser discutida, inclusive por ele. Se os adultos pararem de se xingar, a garotada só tem a ganhar, porque o vestibular acaba, substituído por coisa melhor.

O Monumenta preserva a culturocracia

Atolou na burocracia cultural uma das jóias da coroa do governo, o projeto Monumenta. Era um dos tais "projetos estratégicos" e poderia ter dado aplausos ao glorioso, porém irrelevante, ministro Francisco Weffort. Destinava-se a aplicar US$ 125 milhões (metade vindo do BID) na preservação do patrimônio histórico nacional. Uma auditoria do Tribunal de Contas constatou que, nos dois primeiros anos de gestão, o que se preservou mesmo foi a burocracia. Em 2000, conseguiu-se realizar apenas 11% dos R$ 30 milhões disponíveis. Seria justo pensar que se economizou. Engano. As despesas administrativas comeram metade do gasto (três vezes mais que o previsto). Como o dinheiro do BID não foi usado, consumiram-se 25% dos gastos de 2000 para pagar os encargos desse compromisso.
Em 2001 gastou-se 39% do dinheiro disponível e novamente preservou-se a burocracia. Ela levou 44% do dinheiro, quatro vezes mais que o previsto.
Segundo o Tribunal de Contas, "gasta-se muito para executar pouco". Foram procurar os motivos e descobriram que não há como se usar esse dinheiro para preservar monumentos porque o Instituto do Patrimônio Histórico não está preparado para atender tamanha demanda de serviço.
Descobriram também que, apesar das advertências, o Ministério da Cultura foi rápido na assinatura de convênios (que dão fotografia em jornal) e lento na fiscalização do cumprimento das metas (que dão trabalho e trazem aborrecimentos).
É provável que o BID e o Tribunal de Contas não tenham percebido o espírito da coisa: o programa Monumenta está preservando um das maiores patrimônios do andar de cima da vida brasileira -os culturocratas.

O conforto da choldra não vale um lanche

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Ana Cossermelli, determinou que a partir de 31 de outubro seja suspenso o serviço de auto-atendimento da patuléia. Ele permite que os cidadãos acompanhem o curso de seus processos.
A juíza (a documentação oficial do TRT denomina, por sua determinação, de "juiz") tomou a medida levando em conta que o tribunal passou a oferecer esse serviço pela internet. Até aí, tudo bem. E quem não tem acesso à internet? O TRT responde: "Poderão obter informações do andamento dos processos diretamente nas Secretarias das Varas do Trabalho". Ou seja: quanto mais excluído, mais excluído.
A providência será tomada porque o serviço de auto-atendimento representaria "custo excessivo". Seu valor é de R$ 8.282 mensais e sua manutenção pode ser uma despesa redundante. Mesmo assim, custaria pouco ao tribunal instalar uma dúzia de terminais num saguão, permitindo que a choldra tivesse acesso ao sistema de consulta pela rede. O Sindicato dos Advogados do Rio vai reclamar ao TST.
Custo não deve ser problema tão grande. Os juízes do TRT do Rio pegam na bolsa da Viúva R$ 13.647 por mês para pagar pelos copeiros e garçons que lhes servem lanches. Mais R$ 1.138 mensais à Padaria Vera Cruz pelos pãezinhos e R$ 608 à Cacique pelo café e açúcar.

É? Não é

José Serra promete criar 8 milhões de empregos. Quando lhe perguntaram se estava falando em 8 milhões de empregos com carteira assinada, respondeu:
"Carteira assinada é uma coisa. Emprego é outra. Temos que convergir as duas coisas".
Tudo bem. Enquanto as duas coisas não tiverem convergido, o candidato poderia retirar da sua propaganda eleitoral todas as imagens onde a carteira de trabalho é associada aos 8 milhões de empregos prometidos pelo Projeto Segunda-Feira.
O uso daquela coisa de capa azul como se fosse o que não é engana quem acredita no que vê. Promessa de campanha é uma coisa, ludíbrio é outra.

Minério barato

O grupo inglês Corus informa que sua associação com a Companhia Siderúrgica Nacional terá, entre suas maiores vantagens, a de lhe dar acesso ao "minério barato" da Mina de Casa da Pedra. Quando a CSN separou-se da Vale do Rio Doce, comprometeu-se a não exportar o manganês da Casa da Pedra.
Associando-se à Corus, ela lhe abre a mina, prejudicando os negócios da Vale. Assim, aquilo que pode ser uma fusão que trará a tecnologia dos ingleses para o Brasil, poderá também (de acordo com a própria Corus) levar minério barato para a Inglaterra.
O tucanato exportará Volta Redonda e dará minério barato à Corus, à custa da Vale do Rio Doce. As duas empresas foram fundadas por Getúlio Vargas. Agora entende-se o que FFHH queria dizer com o "fim da era Vargas". Era o retorno à República Velha.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota. Soube que, depois da rebelião de Bangu 1, o doutor Paulo Saboya, secretário de Justiça do Rio, suspendeu as visitas íntimas aos bandidos que lá residem.
O idiota pensa em transferir-se para um presídio de segurança máxima logo que essa proibição seja suspensa.

Erro

Saiu aqui que o aeroporto de Hong Kong foi projetado pelo arquiteto Norman Thomas. Errado. É obra de Norman Foster, criador das cúpulas do Reichstag (Berlim) e do pátio do British Museum, bem como do aeroporto de Stansted (Londres). É um mago da luz.

Delfim Netto

(74 anos, deputado federal pelo PPB-SP)

-Serra diz que vai criar 8 milhões de empregos. Lula considera "fundamental" crescer a 5% para que se criem 10 milhões de empregos. O senhor acredita?
-Essa ênfase é coisa de marqueteiro. O desemprego é a maior ansiedade do eleitor brasileiro e a mais trágica das heranças de FHC. Nunca houve um período tão longo (oito anos) com taxas tão altas (acima de 7%). De cada cinco chefes de família da Grande São Paulo, um está desempregado -e desempregado ficará, em média, 26 semanas. Seja qual for a sua idade, ganhará menos. Lula e Serra estão prometendo crescimento e empregos, mas nenhuma das duas coisas decorre de atos de vontade nem mesmo da fé no Criador. A cada ano entram na economia 1,5 milhão de novos trabalhadores. Ou seja, eles querem reduzir o estoque de desempregados em 2 milhões (no caso de Serra) e 4 milhões (no caso da simulação mostrada pelo PT). Contam com um crescimento robusto. Lula fala em 5%, na média. Serra faz por 4,5%. Estão prometendo algo como uma taxa de 3% em 2003, que deve chegar a 6% em 2006.
-Estão prometendo. Entregam?
-Ambos dizem que farão a economia crescer estimulando as exportações. Para exportar mais, o governo precisa reorientar sua prioridade. No últimos oito anos, o setor que teve mais lucros e menos riscos foi o bancário. O que teve mais riscos e menos lucros foi o setor exportador. Os exportadores precisam receber do novo governo a mesma proteção que se deu aos bancos. O Banco do Brasil precisa parar de fingir que é um banco comercial. O BNDES precisa parar de financiar empresários estrangeiros na compra do patrimônio nacional. No inicio da década de 80, o Brasil tinha 1,5% do mercado de comércio mundial. Hoje tem 0,8%. Entregamos metade das vendas da quitanda aos concorrentes. Temos que recuperar parte desse espaço. Hoje exportamos US$ 55 bilhões. Temos que exportar pelo menos US$ 100 bilhões. Se fizermos tudo certo e se as condições externas forem as melhores, precisaremos de pelo menos dois anos para chegar a isso.
-O que eles podem fazer para que tudo dê certo?
-Nos últimos oito anos consumimos US$ 200 bilhões à custa de um aumento da dívida. Vendemos o carro para comprar gasolina, e agora os credores, esses malvados, querem receber o dinheiro que emprestaram. O novo governo deverá voltar a conversar com o FMI. Nossos negociadores ofereceram coisas que não tinham para entregar: a contribuição previdenciária dos aposentados, duas vezes recusada pelo Congresso. Acho que a primeira coisa que Lula e Serra devem fazer é sair daquela vinheta dos dois burros que tentam alcançar dois montes de feno. Eles ainda não perceberam que são aliados. São duas faces de uma mesma social-democracia. Um tem o apoio dos bancos, mas não tem base popular, ainda que não tenha a antipatia dessa parte do eleitorado. O outro tem base popular e não tem a militância da banca, ainda que dela não tenha mais a antipatia. Os dois burros da vinheta estavam condenados a trabalhar juntos. Essa briga de segundo turno será um acidente eleitoral. O Lula sabe quanto vale o crescimento econômico. Em 1973, quando ele era um feliz metalúrgico, pensando mais em futebol do que em política, comprou seu primeiro carro novo. Quer devolver ao brasileiro esse sonho.


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