São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2004

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ELIO GASPARI

Com vocês, o Big Companheiro

Quem desconfia dos pendores bolcheviques do comissariado petista tem motivos para se preocupar quando passa os olhos em 31 dos requerimentos encaminhados pelo deputado José Mentor (PT-SP) à CPI do Banestado. Na qualidade de relator da Comissão, ele requisitou informações suficientes para criar o maior arquivo já organizado com a vida das empresas e dos empresários brasileiros. O falecido Serviço Nacional de Informações nunca teve coisa parecida. Mentor teve alvos específicos: quebrou o sigilo fiscal de 95 diretores e conselheiros de todos os grandes bancos nacionais. Avançou sobre a vida fiscal, bancária e telefônica de uns mil magnatas, cerca de 150 deles aninhados no mercado financeiro. (Na maioria dos casos o sigilo quebrado foi o fiscal. A quebra de sigilo telefônico não é grampo. É a lista das ligações feitas e recebidas para celulares ou aparelhos fixos em chamadas interurbanas.) Três exemplos do arrastão de dados promovido pelo relator petista da CPI:
1) Mentor pediu à Receita Federal todos os dados "sobre as pessoas jurídicas estrangeiras que tenham participação em empresas brasileiras". (Requerimento nš 527/04.)
2) O deputado pediu a quebra do sigilo de todas as operações de câmbio registradas no Banco Central entre 1996 e 2002. (nš 506.) Pode-se estimar que nesse período tenham sido registradas 50 milhões de transações. Mentor tentara atribuir aos seus assessores o poder de navegar no sistema de informações do Banco Central (nš 457). Num pedido curioso, Mentor solicitara os contratos de câmbio das empresas dos jogadores de futebol que vivem no exterior, "dentre elas a empresa Empório Ronaldo do Brasil" (nš 422). Será que alguém acredita que o escândalo da transferência ilegal de dinheiro para o exterior é coisa do Ronaldinho?
3) Mentor pediu à Secretaria do Tesouro Nacional que lhe mande a relação de todos (repetindo, todos) os detentores de títulos públicos federais, bem como as condições em que esses papéis foram negociados (nš 557 e nš 558). Isso e mais todas as transações dos bancos Bamerindus e HSBC com órgãos públicos (nš 533), bem como o acesso a todos os processos (inclusive cíveis) do período 1996-2002 que tramitam em segredo de justiça nos 12 maiores Estados e em Brasília (nš 943 e nš 991). Os pedidos do deputado à Receita Federal chegaram a ocupar o serviço de cem auditores num só dia.
A CPI tem consigo um banco de dados de 425 mil operações de transferência de dinheiro de cerca de 50 mil pessoas. Entre 300 e 500 movimentaram mais de US$ 1 milhão. Na maioria dos casos, com estrito respeito às leis e aos costumes. Esse banco de dados, convertido em CDs, está mais vazado que o chão de estrelas de Orestes Barbosa. É figurinha fácil em quase todas as grandes redações do país e alguns de seus itens já se transformaram em argumentos convincentes em disputas por representações empresariais.
Deve-se ao senador Antero Paes de Barros, que preside a comissão, o veto à proposta de que fosse mandada uma carta a todos os cidadãos que fizeram transferências de dinheiro para o exterior entre 1996 e 2002.
O PT partidarizou a CPI do Banestado. Até aí, nada demais. O problema criado pelos pedidos de Mentor está em outra dimensão. Admitindo-se que todas as solicitações sejam respondidas, estará criado -em meio magnético- um arquivo onde juntam-se bancos de dados que não se comunicam. É o caso das numerologias da Receita, do Tesouro e do Banco Central. Atende ao interesse da Viúva a criação de uma base de dados unificada, mas quando a CPI se acabar, seus documentos confidenciais serão lacrados. Virarão CDs sem utilidade pública, a menos que adquiram utilidade privada, empresarial, social ou política.
O que faltou ao companheiro Robespierre foi um banco de dados desse tamanho


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