São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Confronto tornou tudo mais vivo e real

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

De formas diferentes, os dois participantes do debate de ontem à noite são acusados de comportamento antipático. No início, o esforço de sorrir era comum a Serra e a Marta, mas com resultados também bastante diversos. O sorriso de Serra produziu-se com os lábios fechados, numa flexibilidade de borracha. A mensagem era: "sou confiável como um bom companheiro". Marta inclinava a cabeça para a sua direita, numa atitude de persuasão; a mensagem era "sei escutar com humildade".
Claro que a simpatia dura pouco quando acusações começam a ser trocadas. Surgiu assim o quesito "emoção", sem dúvida uma arma de Marta contra o cerebralismo de Serra. Essa arma por vezes pareceu fora de controle, enquanto o tucano se mantinha caracteristicamente fleumático à medida que avançava a noite.
Seja como for, o ponto forte de Serra foi estar com os números do Orçamento da prefeitura na ponta da língua, apontando várias coisas que precisariam de explicação: cortes em programas sociais como o Banco do Povo e o Bolsa-Trabalho, gastos excessivos no Gabinete da Prefeitura se comparados a obras na zona leste, baixo aproveitamento daquilo que se arrecada com a taxa de luz... Aspectos a que Marta não respondeu direito. Restou-lhe dizer, o que não deixa de ser divertido, que os tucanos "só criticam" (eis uma antiga especialidade do PT), e que o tom de Serra era professoral.
Ela tinha razão; e explorou os inúmeros flancos deixados pelos governos Fernando Henrique e Geraldo Alckmin. Pôde enunciar as várias realizações da prefeitura, e os bons índices de popularidade obtidos por sua administração. Também cabe lembrar que Serra deixou coisas sem explicação: suas frases sobre "eliminar o sufoco tributário" na cidade, por exemplo, não deixam claro se haverá diminuição de impostos, ou quais serão mantidos.
A imagem de certa agressividade confusa reincidiu, entretanto, sobre a figura de Marta; e a de ter em mãos mais críticas do que programas confirmou-se no caso de Serra. Tudo igual, então? Longe disso. Com toda a rigidez dos discursos preparados por assessores previamente, o formato de confronto direto entre os candidatos tornou tudo mais vivo, duro e real. Questões concretas foram discutidas, com mais profundidade do que de hábito, ainda que aparecessem poucas soluções. Talvez não existam mesmo.


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