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ENTREVISTA/LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Controlar entrada de capital não é crime, afirma Bresser
Ex-ministro de FHC critica os países que adotaram a ortodoxia convencional
e elogia a Argentina, que "nos últimos quatro anos vem crescendo 9% ao ano"
DOIS DIAS depois de o economista Yoshiaki
Nakano -assíduo interlocutor de Geraldo Alckmin- provocar polêmica ao defender um modelo de câmbio administrado no Brasil, Luiz Carlos Bresser Pereira , ex-ministro
da Administração de Fernando Henrique Cardoso,
lembrou o sucesso de países adeptos do controle de
entrada de capitais. E afirmou: "Para mim, controle de
entrada não é crime nenhum". Recomendado à Folha
pela assessoria de Nakano, Bresser disse que não
hesitaria em defender a medida caso a redução da
taxa de juros -para 5% ao ano, como propõe- não
fosse suficiente para a desvalorização cambial.
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista de Luiz
Carlos Bresser Pereira à Folha:
FOLHA - Alckmin fala em redução
da carga tributária e aumento dos
investimentos. É um casamento viável num primeiro momento?
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA -
Num primeiro momento, não.
Mas, se você faz um ajuste fiscal
e economiza 2% de despesa pública corrente... Some-se a isso
um corte nos juros. Gastamos
8,5% do PIB com juros. Podemos ter uma economia de 6%
aí. Então, dá uma economia total de 8% do PIB. Podemos destinar uma parte à redução da
carga e outra a investimentos.
Isso se faz em dois, três anos.
FOLHA - São 2% de corte ao longo
do mandato?
BRESSER - Mais 6% de corte de
juros. Não é razoável gastar
mais de 3% do PIB com juros.
Para baixar a taxa de juros, é
preciso uma estratégia como a
usada para acabar com a alta inflação. Envolve todo o governo
e implica reformas no setor financeiro, especialmente desvincular os títulos do tesouro
brasileiro da própria Selic. O
Banco Central estabelece sua
taxa de juros de curto prazo. E a
taxa que se aplica aos títulos
públicos, a de longo prazo, fica
semelhante ao risco-Brasil. É
coisa de 5% reais. Estamos pagando 12%, quando deveríamos
pagar 3%, 4%, no máximo 5%.
FOLHA - Em quanto tempo?
BRESSER - Não tem mágica. É
preciso que haja não só um governo decidido, mas apoiado
pela sociedade. Começou aqui
uma crítica muito mais forte à
ortodoxia convencional ou
Consenso de Washington: conjunto de recomendações e
pressões que os países ricos fazem. Para quem aceita, como o
Brasil, o México, a Argentina
de Carlos Menem e a Rússia do
Yeltsin, os resultados são desastrosos. Quem resiste, como
o Chile, que estabeleceu controle de capital, e os países asiáticos, cresce enormemente.
Mais interessante é o caso da
Argentina. Nos últimos quatro
anos vem crescendo 9% ao ano.
FOLHA - A fórmula argentina funciona melhor que a brasileira?
BRESSER - Continuando nesse
rumo vão crescer muito porque
estão seguindo a fórmula dos
países asiáticos: taxa de juros
baixa e de câmbio alta. Estimula exportações e investimentos.
Fazemos o contrário. Desde
1995 o Brasil não cresce. Em
nome de combater a inflação,
mantemos a economia em instabilidade macroeconômica.
FOLHA - Essas mudanças têm um
preço, inclusive o aumento da inflação, que é um fantasma...
BRESSER - Em termos de ajuste
fiscal existe um preço. Mas é
pequeno. Para quem gasta 48%
do PIB, reduzir em dois anos
dois pontos percentuais não
mata ninguém.
FOLHA - E a inflação?
BRESSER - Ela só sobe um pouquinho porque, quando a taxa
de câmbio sobe, aumenta a inflação. Mas hoje não é mais a
inflação inercial, indexada, que
estávamos acostumados em
1994. Se há um aumento do
custo para determinados produtos porque o dólar ficou mais
caro, os preços sobem e depois
se acomodam. Não há razão para temer a volta da inflação
inercial. Sou insuspeito. Sempre lutei para combatê-la.
FOLHA - Quanto de inflação?
BRESSER - Estamos com 3% ao
ano. Pode ir para 5% e 6%. Nada
mais. Depois volta para os 3%.
FOLHA - O ajuste fiscal não é na
magnitude proposta pelo Nakano?
BRESSER - O Nakano é o mais
importante macroeconomista
do Brasil. Ele não fala em 3%
num ano. Foi um mal-entendido. Falo com ele com freqüência. A diferença entre nós é que
ele fala em fazer o ajuste e espera que a taxa de juros caia naturalmente. Também espero que
a de longo prazo caia naturalmente. Mas conto que o BC reduza a de curto prazo, a Selic.
FOLHA - Há uma linha segundo a
qual a redução dos juros não basta
para desvalorização cambial. Já
houve redução e o dólar se mantém
nos R$ 2,2 por causa da exportação.
BRESSER - Se não for suficiente,
não terei dúvida em defender
também controles de entrada
de capitais. Não podemos ficar
com as idéias da ortodoxia convencional. Falam em alta voz
que a taxa de câmbio não pode
ser administrada. Isso é o que
pensa o FMI. Não é o que vejo
em todos os países que se desenvolvem. Eles administram,
sim, sua taxa, comprando reservas e esterilizando dinheiro.
O Brasil já fez isso. Não foi suficiente. Não faz mais porque a
taxa de juros que está se pagando sobre essas compras é de
12%. Na Ásia, é 1%. Prefiro não
ter controle de entrada. Mas,
para mim, controle de entrada
não é crime nenhum.
FOLHA - O sr destacou em seu site a
palestra em que o Nakano prega o
controle de entrada...
BRESSER - É também minha posição. Por que usar a palavra
prega? "Defende porque considera correta". Cuidado. Se não,
cai na ortodoxia convencional.
FOLHA - O senhor diz que não é um
crime o controle de entrada...
BRESSER - Não acho nada demais. Países que crescem extraordinariamente fazem esse
controle. O Chile fez nos anos
90. Quase todos países asiáticos fazem quando necessitam.
A China, permanentemente.
FOLHA - Seu discurso é mais à esquerda do que o da Casa das Garças?
BRESSER - Pelo amor de Deus, a
Casa das Garças representa a
ortodoxia convencional no
Brasil.
FOLHA - Que o Alckmin ouve.
BRESSER - Creio que não ouvirá.
Mas não falo em nome do Alckmin. Eleito, ele tomará as decisões que considerar corretas.
FOLHA - Se o sr. não fala e o Nakano faz a mesma ressalva, quem fala?
BRESSER - A única pessoa que
fala em nome do Alckmin é ele
próprio, ora.
FOLHA - Mas quem votar no Alckmin estará votando nessa proposta
ou na da Casa das Garças?
BRESSER - Tenho uma forte
convicção de que vai fazer uma
política mais parecida com a
que estou dizendo.
FOLHA - O sr. já conversou com ele?
BRESSER - Já conversei com ele.
FOLHA - O que o sr. diz não está no
programa de governo dele.
BRESSER - Não há nada contra.
Isso faz parte. Não estou falando nem em nome do PSDB, me
vejo como um intelectual que
tem obrigação de falar crítica e
independentemente. Político
tem obrigação de conseguir
maioria. Tem de falar em termos mais consensuais. Isso é
próprio dos políticos.
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