São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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DOMINGUEIRA

Tudo é perigoso

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

De volta ao Brasil, a mesma dança. Fundo Monetário, grampo telefônico, denúncias sobre contas no exterior. Atavismo, signo trágico, destino inelutável?
Certo é que vivemos num país "double face", ora vestido com a casaca da indignação moral, ora com o chapéu malandro do Zé Carioca. Um país que cria normas para não cumpri-las ou deixa de criá-las para institucionalizar a informalidade, a zona cinzenta das transgressões e irregularidades que "todos" cometem.
Um país pendular e também perigoso tanto quanto a Itália, que acabou levando aos tribunais líderes da elite modernizadora de lá, o socialismo "europeu" da rica Lombardia, representado por gente como Craxi, hoje com residência na Tunísia.

Num desses programas tipo "Globo Repórter", exibido há anos, sobre o consumo tresloucado de drogas em cidades do interior paulista, o jornalista chegava a uma praça e entrevistava, na penumbra, um grupinho de malandros.
"Vocês compram droga aqui, abertamente?" E a resposta, com o característico sotaque caipira:
"Claro que nós compra, isso aqui é Amsterdã, ô meu!"
A capital holandesa nada tem a ver com a idiotia entorpecida dos rapazes interioranos, mas se tornou uma espécie de lenda do liberalismo comportamental ao trazer para a luz do dia atividades como a prostituição e o consumo de "drogas leves". São coisas que em outros lugares acontecem à sombra, sob o signo da violência, da degradação e da corrupção.
As estatísticas favorecem a Holanda, embora sua política seja considerada perigosa e combatida por vizinhos, sob pressão dos EUA, país que tem um apreço especial pelo raciocínio bélico chama sua custosa e ineficaz estratégia para o setor de "war on drugs".
Os americanos aprenderam algumas coisas com os holandeses, mas têm uma sociedade bastante diferente, que procuram impor como modelo universal. Diferentemente dos EUA, no alegre calvinismo da Holanda, em sua inteligente vida liberal, em sua formidável tradição estética, fuma-se e traga-se.
Em Amsterdã as janelas ficam abertas, o bem-estar é invejável, os automóveis pedem licença, as bicicletas reinam e a cidade flutua, como um sereno galeão.
Há, é verdade, uma vantagem de escala e de "cultura" a favor da Holanda, país pequeno, que desconhece a existência de metrópoles, periferias, deslocamentos de massas e desigualdades agudas.
Sorte deles.

Com exceção da imprensa especializada em economia, pouco ou nada se fala do Brasil na mídia européia. Mas uma coisa continua chamando a atenção: o único produto brasileiro facilmente encontrável, inclusive em ambientes sofisticados, é a música popular. Da trilha sonora da loja Gucci em Milão às prateleiras das megas e alternativas lojas de CD, ela está lá, ao lado do melhor.
Caetano Veloso tem lá suas razões.



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