São Paulo, segunda, 15 de dezembro de 1997.




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JUDICIÁRIO
Dos 6,68 milhões de processos em andamento, 4,36 milhões são cobranças de tributos municipais e estaduais
Governo é autor de 65% das ações em SP

CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local

O governo e os municípios de São Paulo são os principais responsáveis pelo elevado número de processos que tramitam hoje na Justiça Estadual. Dos 6,68 milhões de casos, 4,36 milhões, ou 65,2%, se referem à cobrança de tributos estaduais e municipais, segundo dados do próprio Judiciário.
A situação é semelhante em âmbito federal. Cerca de 60% dos recursos que chegam ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) são propostos por entidades governamentais: União, Estado de São Paulo e INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O principal efeito da multiplicação dos processos é a lentidão do Judiciário. Não há estatísticas precisas sobre o tempo médio de julgamento no Brasil. Mas não há dúvida de que é longo.
Em seu "Relatório sobre Desenvolvimento Mundial/97", o Banco Mundial estima em 1.500 dias -ou quatro anos- o período médio de demora dos processos no Brasil. Na França, segundo o mesmo estudo, o prazo é de cem dias.
Má distribuição
A situação é agravada pela nem sempre racional distribuição de tarefas entre as áreas do Judiciário.
Há comarcas do interior, principalmente as pequenas, nas quais a relação entre o número de juízes e de processos é equilibrada.
Nas cidades médias, a situação é pior. Geralmente, elas ainda têm estrutura judiciária de comarcas pequenas, mas recebem um volume de processos muito maior.
O reduzido número de juízes é outro complicador. Em todo o Estado, há 1.600 magistrados, dos quais 1.274 em primeira instância, em que começam os casos.
Existem outras 350 vagas não preenchidas por absoluta falta de pessoas aptas. Nos concursos para juízes realizados em São Paulo entre 89 e 97, o índice de aprovação ficou abaixo de 2%.
"Em geral, o nível cultural das pessoas que saem das faculdades de direito é muito baixo", afirma o advogado e articulista da Folha Walter Ceneviva.
No Brasil, em 95, havia um juiz para cada grupo de 26.433 habitantes, segundo levantamento realizado por Maria Teresa Sadek e Rogério Arantes, pesquisadores do Idesp (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos).
Na Alemanha, a relação é de um juiz para 3.448 habitantes. Na Itália, existe um juiz para 7.692 pessoas, e, na França, 7.142.
Execuções
A má distribuição de tarefas fica evidente no setor de execuções fiscais, que são as ações propostas pelo Estado e pelos municípios para cobranças de tributos.
Na cidade de São Paulo, há sete juízes e 2,5 milhões de processos de execução fiscal -uma média de 357 mil casos para cada um.
Se os 6,68 milhões de processos existentes hoje no Estado forem divididos pelos 1.600 juízes, a média cai para 4.175.
Além da sobrecarga, os juízes das execuções enfrentam a dificuldade de solução dos processos.
Grande parte dos casos se arrasta há anos. Até décadas. O acúmulo é revelado nas estatísticas de movimentação de processos feitas pelo Tribunal de Justiça.
O número de novas ações de execuções fiscais é sempre menor que o de casos cíveis -os que tratam de pendências como contratos de aluguel e relações de família.
Em outubro, foram distribuídas em São Paulo 141.835 ações cíveis e 69.059 execuções. Mesmo assim, o total de execuções fiscais em andamento hoje é muito superior ao de casos cíveis: 4,36 milhões contra 1,67 milhão.
Há três anos, havia 2,15 milhões de execuções, quase metade do número atual.
Uma das principais dificuldades nesse tipo de processo é a localização de devedores. Quando são encontrados, nem sempre possuem bens para garantir o pagamento da dívida. E os bens localizados muitas vezes são insuficientes para quitar o débito, o que exige a continuidade do processo.
O excesso de execuções fiscais já levou o Contru (Departamento de Controle do Uso de Imóveis) a alertar o Judiciário sobre o prédio onde funciona o setor, que não teria estrutura para suportar o peso da grande quantidade de papel.
Outros juízes
Outras áreas do Judiciário também estão sobrecarregadas, ainda que em menor grau.
Wiliam Lima Cabral, juiz-diretor do Fórum João Mendes, o maior do Estado, estima que seus colegas dão uma média de 150 sentenças por mês. "Em alguns países, esse é o número de sentenças por ano", afirma.
Da mesma forma que a Justiça Estadual, a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal recebem um número de processos superior à sua capacidade de julgá-los.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (São Paulo e Baixada Santista), Pedro Garcia, calcula que cada Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo recebe, em média, 3.500 novos processo por ano.
Só em 1996, foram propostos cerca de 2 milhões de ações trabalhistas em todo o país.
No caso da Justiça do Trabalho, Garcia acredita que a solução não está no aumento da estrutura, mas na radical mudança da legislação e da organização sindical.
Garcia defende autonomia e pluralidade sindical ao lado de maior incentivo à negociação entre as partes. Em sua opinião, a legislação atual privilegia o conflito individual em detrimento das soluções coletivas, o que eleva o leque de disputas que chegam à Justiça.



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