São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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ELIO GASPARI

O homem do FMI deu um pito na banca brasileira

O lindo palacete que Dona Veridiana Prado mandou erguer em 1884, em São Paulo, voltou a entrar para a história da banca brasileira. Desta vez hospedando em seu andar de cima um almoço do diretor-geral do FMI, Horst Köhler, com oito banqueiros e três industriais convidados pela Febraban, no sábado, dia 7. Sentaram-se por duas horas em torno de uma salada e de um gratinado de camarões. Discutiram a situação brasileira e resultou que Köhler pediu aos banqueiros que tivessem mais confiança no Brasil, no futuro governo e no presidente Lula. Um elegante vexame, mas um vexame.
A última vez que a banca tratou de graves problemas da vida nacional naquele palacete, possivelmente na mesma sala, foi em 1969, quando o banqueiro Gastão Vidigal, paradigma da espécie e fundador do clube em que foi transformada a propriedade, reuniu diretores dos grandes bancos brasileiros e coletou algo como US$ 110 mil para financiar a Operação Bandeirante, a pedido do governo.
O encontro de Köhler com os banqueiros, revelado pelo repórter Guilherme Barros, deu-se na tarde do sábado, dia 7. Por sugestão do FMI, havia industriais à mesa. O almoço foi o compromisso seguinte à reunião de Köhler com Lula. Atrasou-se em uma hora, mas chegou bastante satisfeito. Trazia uma comitiva e, nela, dando um toque de diversidade ao cenário do palacete vinha o economista moçambicano Rogerio Zandamela.
Köhler falou da economia mundial, das dificuldades que a América Latina terá pela frente e disse que estava confiante em relação Brasil. Lembrou que não teria emprestado US$ 30 bilhões a uma economia de futuro duvidoso. Narrou a conversa com Lula e foi ao tema: o novo governo precisava e merecia um crédito de confiança.
(Um dos convidados acredita que ele pressentiu alguma má vontade da mesa para com o futuro presidente. Outro lembra-se de que, em setembro, antes da eleição, em Washington, Köhler dera um passa-fora num banqueiro europeu, dizendo que a finança mundial estava sendo injusta com o Brasil.)
O diretor-geral do FMI mostrou-se satisfeito com a determinação de Lula de cumprir contratos, evitar a inflação e de combater a corrupção. Anunciou que vai trabalhar por ele em Washington e que a nuvem de incerteza que cobre a economia brasileira vai se dissipar.
Roberto Setubal, do Banco Itaú, foi o primeiro banqueiro a falar. Numa linha seguida por quase todos os seus colegas que deram suas opiniões, mostrou-se temeroso pela inflação e cético com a meta de de 3,75% de superávit primário. Chegou-se a falar que seriam necessários pelo menos 4,5%. Como sempre acontece quando banqueiros se encontram, falou-se na necessidade de subir os juros. Nem todos falaram. Carlos Alberto Vieira, do Banco Safra, por exemplo, ficou calado. Fernão Bracher, do BBA, foi para a contramão nos juros. Disse que se deve abandonar a atitude segundo a qual aumentar juros é uma espécie de santo remédio para qualquer mal da economia.
Köhler mostrou-se interessado num MegaLula. Não se amarrou nas metas inflacionárias, na autonomia do Banco Central nem na subida dos juros. Lulou? Nada.
Um industrial defendeu a permanência do dólar num patamar de pelo menos R$ 3,50, argumentando que se deve ao baixo custo do real o bom resultado da balança comercial. Köhler saiu dessa. Revelou que, ao seu tempo de ministro das finanças da Alemanha, sempre que os industriais lhe pediam para baratear o marco, respondia que o câmbio era um chicote, capaz de tornar a indústria competitiva.
Numa demonstração de que as informações levadas ao diretor-geral do FMI não são lá essas coisas. Köhler confessou-se surpreso ao saber que a votação de Lula (53 milhões de votos) foi a segunda maior já ocorrida no mundo. Alguém contou ao doutor uma lorota segundo a qual a aposentadoria média do brasileiro está em 48 anos. Ele disse que quase arrancou os cabelos quando quiseram baixar a alemã para 59 anos. (Os 48 anos de média se referia a aposentadoria dos beneficiados pelo tempo de serviço.)
Köhler sentiu-se tão pressionado durante o almoço que em pelo menos duas ocasiões argumentou: "Eu não sou fraco". O que ele disse de bom do presidente eleito e do futuro do país poucos empresários brasileiros disseram e, até agora, nenhum banqueiro disse.
É verdade que o FMI precisa que o Brasil chegue à praia para se livrar da urucubaca de fábrica de fracassos, mas não deixa de ser significativo que o diretor-geral do FMI se veja obrigado a defender o futuro presidente do Brasil do ceticismo (compreensível), do mau-olhado (desnecessário) e do preconceito (destrutivo) de um grupo de banqueiros que crescem sobre o setor produtivo e lucram mais, enquanto o povo poupa menos.
 
Serviço. Foi o seguinte o elenco nacional do almoço: Gabriel Jorge Ferreira (Febraban), Antônio Bornia (Bradesco), Roberto Setubal (Itaú), Fernando Sotelino (Unibanco), Carlos Alberto Vieira (Safra), Gabriel Jaramillo (Santander) e Gustavo Marin (Citi), pela banca. Boris Tabacoff (Suzano), Eugênio Staub (Gradiente) e Ivoncy Ioschpe, do Iedi, pela produção.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Zela pela simplicidade do idioma e está impressionada com o que aconteceu a Lula. Ele nasceu num país que teve um imperador com 15 nomes. Na República chamada de oligárquica, teve uma sucessão de presidentes com nomes de quatro palavras, como Manoel Ferraz de Campos Salles ou Francisco de Paula Rodrigues Alves. Na república chamada populista, os nomes encurtaram para três palavras, como Getúlio Dorneles Vargas e Jânio da Silva Quadros. Com um presidente popular, deu-se em um caso de regressão. Ele tinha três nomes, Luiz Inácio da Silva. Popularizou-se com um, Lula. Tomará posse com quatro: Luiz Inácio Lula da Silva.
Madame acha isso o equivalente aos americanos terem sido governados por William Bill Jefferson Clinton e o Brasil por Juscelino Kubitschek JK de Oliveira.

Lição na saída

FFHH pediu ao Instituto do Patrimônio Histórico que fosse ao Planalto e ao Alvorada para conferir objetos e presentes acumulados pelo casal Cardoso durante oito anos de presidência. Os técnicos ficaram encarregados de separar o que deve ficar com a Viúva daquilo que eles podem levar consigo.
Há alguns meses, Amália Lucy, filha do presidente Ernesto Geisel fez a mesma coisa com os bens deixados pelos pais.

A República dos aposentados

No dia 1º de janeiro o aposentado Luiz Inácio Lula da Silva, receberá a presidência das mãos do aposentado Fernando Henrique Cardoso. Um fez uma reforma da Previdência que dificultou a aposentadoria (dos outros) e o outro anuncia que fará parecido.
Vai ver que eles estão certos, mas o fato da vida é que ambos ganham acima do benefício médio do INSS. Ambos foram vítimas da ditadura. Um como ex-professor aposentado da USP, leva em torno de R$ 6.000. O outro, como líder sindical perseguido, recebia R$ 2.195 em 1996.
O Brasil iria melhor se qualquer governante que reformasse a previdência reduzindo benefícios e ampliando prazos (noves fora os casos de marajanato) praticasse o lindo gesto de devolver o que leva da Viúva além do salário presidencial.
Excepcionalmente, em 2003 a Boa Senhora pagará R$ 500 milhões em pensões e benefícios de pessoas perseguidas e prejudicadas pela ditadura. Esse ervanário não está no orçamento.

Madruga, o primeiro a contar o Araguaia

Aos poucos, vai se iluminando o mistério da Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PC do B entre 1966 e 1972 e desbaratada pelo Exército entre 1972 e 1974. Saiu o livro "Guerrilha do Araguaia - Revanchismo", do coronel Aluísio Madruga de Moura e Souza. Tem uma virtude inédita: é obra de um oficial que esteve lá, conta um pedaço do que soube e algo do que viu. A parte do Araguaia ocupa 56 das 246 páginas do livro.
Entre maio e outubro de 1973, como capitão, Madruga participou da "Operação Sucuri", destinada a infiltrar agentes do Exército junto ao povo da região. Foi o período que separou as duas primeiras ofensivas, nas quais fizeram-se prisioneiros, da terceira, durante a qual prisioneiros não se fizeram. Mataram-se os guerrilheiros em combate, depois de presos e mesmo quando se renderam. Esse pedaço da história não está no livro do coronel.
Sua narrativa enriquece o conhecimento do período de infiltração dos militares. Num episódio, a guerrilheira Dina (dizia-se que virava grilo quando entrava na floresta) ameaça um suspeito de ser informante com um revólver na têmpora. Ele mantém sua história, ela puxa o gatilho e passa a acreditar nele. (A arma estava descarregada.) Erro. Era um militar disfarçado. Noutro, executaram um morador da região supondo-o informante. Erro. O informante era um amigo dos guerrilheiros, outro militar disfarçado. Madruga revela que um soldado sumiu no mato, o que leva as baixas das forças do governo para pelo menos quatro militares.
O livro de Madruga é obra de um combatente engajado. Junta-se a outro livro recente, "A Grande Mentira", do general Agnaldo del Nero Augusto, que serviu no Centro de Informações do Exército e cobre um período bem mais amplo. Del Nero fala do Araguaia sem ter participado das operações. Mesmo assim, tornou-se mais uma indicação de que o melhor a se fazer com o mistério é levá-lo à luz do sol.
Madruga rompeu 30 anos de silêncio da tropa do Exército que esteve no Araguaia. Conta a história do seu ponto de vista e enriquece o conhecimento desse episódio violento, delirante e radical da história da ditadura. Serviço: Os dois livros raramente são encontrados em livrarias.
O de Madruga pode ser comprado com a ajuda do sítio www.ternuma.com.br. O de Del Nero, por meio da Biblioteca do Exército.

Atendido

Foram poucos, talvez dois, os pedidos de FFHH a Lula. Ambos vindos do coração, sem maiores consequências administrativas.
Um foi pela manutenção, por algum tempo, do ex-ministro José Gregori na embaixada em Lisboa. Atendido.

Recordar é viver

Em janeiro de 1999 o doutor Henrique Meirelles, do BankBoston, informou:
"O Brasil pode voltar a crescer a taxas próximas a 7% ao ano. O Brasil volta a crescer a partir do ano que vem (2000) e atinge taxas próximas de 7% dois ou três anos depois disso (em 2002 e 2003)".
Em 2002 a economia não cresce 2%.
Se o doutor opera com a mesma pontaria que faz profecias, o que vêm por aí serão tempos eletrizantes.

Escrúpulos

O ex-ministro Jarbas Passarinho continua aborrecido porque na noite de 13 de dezembro de 1968 mandou às favas todos os seus "escrúpulos de consciência". Não devia se chatear. Deu-se muito bem sem eles.


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