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CELSO PINTO
Os ganhos do jogo
da confiança
O alívio no câmbio e a
ajuda espúria da inflação
alta ajudaram a melhorar
muito o indicador visto com
maior preocupação pelo mercado internacional, a relação
entre a dívida líquida do setor
público e o PIB. Depois de a dívida ter atingido o pico de
63,6% do PIB, em setembro, fechou dezembro em torno de
56,5% do PIB, na estimativa
do banco CSFB-Garantia. E, se
o câmbio continuar em torno
de R$ 3,30, a dívida poderá
cair para 55% do PIB no final
de janeiro.
As implicações são importantes. Se esse quadro se confirmar, o governo vai sentar com
o FMI, em fevereiro, com muito maior margem de manobra.
A simulação feita pelo CSFB
mostra que, mesmo num cenário de crescimento medíocre
nos próximos dez anos, de apenas 2% ao ano, e um juro real
médio bastante alto, de 9%,
uma dívida líquida de 55% do
PIB exigiria um superávit primário de apenas 3,8% do PIB
para ficar estável.
Como o governo está pensando em elevar o superávit primário para algo em torno de 4,2%
do PIB, isso significaria a perspectiva, saudável, de uma redução adicional do estoque da dívida líquida. Mesmo considerando apenas o que deve ter
ocorrido em dezembro (uma dívida líquida de 56,5% do PIB), o
superávit primário necessário
para estabilizar a dívida seria
de 3,9% do PIB -qualquer valor acima deste levaria a uma
redução.
Na verdade, este cenário deve
vir acompanhado de várias notas de cautela. O câmbio recuou,
mas continuam a haver riscos
no horizonte. Uma guerra no
Iraque poderá complicar a entrada de dólares. Dificuldades
na tramitação da reforma da
Previdência podem gerar nervosismo e pressionar o câmbio, como mostrou o efeito ontem, sobre o mercado, das declarações
do presidente do STF, Marco
Aurélio de Mello. O Brasil ainda
depende de um ingresso razoável de dólares, e os investidores
externos continuam cautelosos
em relação ao governo Lula.
Exatamente em razão dessas
dúvidas, será importante o governo trabalhar com uma margem de segurança, para cima,
em relação à única variável que
consegue, de fato, controlar: o
superávit primário. Além disso,
seria muito importante sinalizar uma trajetória de queda da
dívida líquida. De todo modo, o
novo cenário indica que há menos razões para exigir do Brasil
superávits primários de 5% do
PIB, como vinham insistindo
vários banqueiros, aqui e no exterior.
Não há milagre por trás da
queda da dívida líquida, que,
no melhor cenário, poderá ser
de 8,6% do PIB em quatro meses. A taxa de câmbio do final
do mês é aplicada sobre todo o
estoque da dívida líquida dolarizada, embora a dívida só vá
vencer ao longo do tempo. Por
essa razão, quando a cotação
muda muito, a dívida também
muda. Em setembro, o câmbio
fechou a R$ 3,76; em dezembro,
a R$ 3,53.
Outra enorme ajuda foi a aceleração do IGP neste período, o
que fez inchar o PIB em reais. A
inflação também produz um
impacto liquidamente positivo
sobre as contas fiscais. Além disso, essas contas foram ajudadas,
em 2002, por uma enorme arrecadação extraordinária: R$ 21,5
bilhões, já excluída a Cide, calcula o CSFB. O superávit primário, em novembro, estava em
4,1% do PIB, em 12 meses, e estima-se que tenha fechado o ano
em torno desse valor.
A inflação alta ajudou também, e muito, a reduzir o juro
real, que é o que impacta a dívida líquida. O que importa é saber o deflator do PIB. Em anos
normais, o IGP reflete mais de
perto o comportamento do deflator. Quando a desvalorização
é muito forte, o deflator fica
mais perto do IPCA, como provaram as contas de 1999. O
CSFB usa uma mistura de 80%
de IPCA e 20% de IGP-DI médios como a melhor aproximação do deflator do PIB. Deflacionada dessa forma, em 15,3%, a
Selic média de 19,1% significou
um juro real de apenas 3,4% no
ano passado, que é comparável
a um juro real médio de 9% entre 1999 a 2002.
A inflação alta e o câmbio em
baixa vão continuar ajudando
as contas fiscais nestes primeiros
meses do ano. Mas há consenso
que a sinalização mais importante será o destino da reforma
da Previdência. Da forma como
a reforma foi anunciada, até
agora, ela não trará impacto direto imediato. Ao unificar os regimes, privado e público, o governo imagina que o fator previdenciário, já existente para o
INSS, passará a valer para os
funcionários públicos.
O fator cria estímulos para
adiar a aposentadoria, em troca
de um benefício maior. Mas,
quando foi instituído para o setor privado, criou-se um período
de transição de cinco anos até o
fator valer completamente, o
que reduziu muito o estímulo
imediato para adiar a aposentadoria. Se, ao colocar os funcionários públicos no regime do
INSS, a reforma der a eles também cinco anos para absorver o
impacto do fator previdenciário, então não haverá ganhos
fiscais imediatos.
O ganho seria outro: a reforma permitiria maior equilíbrio
a longo prazo. Ao contabilizar
esse equilíbrio a valor presente,
o mercado se sentiria mais seguro em relação às contas fiscais
futuras e à dívida líquida. Isso
poderia levar a uma redução no
prêmio de risco Brasil e, desta
forma, abrir espaço para um
corte sustentável nos juros.
Qualquer redução de 1% no juro real, por um ano, leva a uma
queda significativa de 0,3% na
dívida líquida. Uma redução,
por um ano, de R$ 0,10 na cotação do dólar traz um ganho de
0,6% na dívida líquida.
O jogo de procurar ganhar
confiança, portanto, que o PT
decidiu jogar desde alguns meses antes da eleição, pode ser
muito compensador -na verdade, já vem sendo. Depende da
melhora estrutural das contas
fiscais e externas, e sua recompensa básica será permitir cortar os juros. Está sujeito, contudo, a contratempos políticos e
econômicos. Exige, portanto,
muita paciência e determinação.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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