UOL

São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Índice

CELSO PINTO

Os ganhos do jogo da confiança

O alívio no câmbio e a ajuda espúria da inflação alta ajudaram a melhorar muito o indicador visto com maior preocupação pelo mercado internacional, a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB. Depois de a dívida ter atingido o pico de 63,6% do PIB, em setembro, fechou dezembro em torno de 56,5% do PIB, na estimativa do banco CSFB-Garantia. E, se o câmbio continuar em torno de R$ 3,30, a dívida poderá cair para 55% do PIB no final de janeiro.
As implicações são importantes. Se esse quadro se confirmar, o governo vai sentar com o FMI, em fevereiro, com muito maior margem de manobra. A simulação feita pelo CSFB mostra que, mesmo num cenário de crescimento medíocre nos próximos dez anos, de apenas 2% ao ano, e um juro real médio bastante alto, de 9%, uma dívida líquida de 55% do PIB exigiria um superávit primário de apenas 3,8% do PIB para ficar estável.
Como o governo está pensando em elevar o superávit primário para algo em torno de 4,2% do PIB, isso significaria a perspectiva, saudável, de uma redução adicional do estoque da dívida líquida. Mesmo considerando apenas o que deve ter ocorrido em dezembro (uma dívida líquida de 56,5% do PIB), o superávit primário necessário para estabilizar a dívida seria de 3,9% do PIB -qualquer valor acima deste levaria a uma redução.
Na verdade, este cenário deve vir acompanhado de várias notas de cautela. O câmbio recuou, mas continuam a haver riscos no horizonte. Uma guerra no Iraque poderá complicar a entrada de dólares. Dificuldades na tramitação da reforma da Previdência podem gerar nervosismo e pressionar o câmbio, como mostrou o efeito ontem, sobre o mercado, das declarações do presidente do STF, Marco Aurélio de Mello. O Brasil ainda depende de um ingresso razoável de dólares, e os investidores externos continuam cautelosos em relação ao governo Lula.
Exatamente em razão dessas dúvidas, será importante o governo trabalhar com uma margem de segurança, para cima, em relação à única variável que consegue, de fato, controlar: o superávit primário. Além disso, seria muito importante sinalizar uma trajetória de queda da dívida líquida. De todo modo, o novo cenário indica que há menos razões para exigir do Brasil superávits primários de 5% do PIB, como vinham insistindo vários banqueiros, aqui e no exterior.
Não há milagre por trás da queda da dívida líquida, que, no melhor cenário, poderá ser de 8,6% do PIB em quatro meses. A taxa de câmbio do final do mês é aplicada sobre todo o estoque da dívida líquida dolarizada, embora a dívida só vá vencer ao longo do tempo. Por essa razão, quando a cotação muda muito, a dívida também muda. Em setembro, o câmbio fechou a R$ 3,76; em dezembro, a R$ 3,53.
Outra enorme ajuda foi a aceleração do IGP neste período, o que fez inchar o PIB em reais. A inflação também produz um impacto liquidamente positivo sobre as contas fiscais. Além disso, essas contas foram ajudadas, em 2002, por uma enorme arrecadação extraordinária: R$ 21,5 bilhões, já excluída a Cide, calcula o CSFB. O superávit primário, em novembro, estava em 4,1% do PIB, em 12 meses, e estima-se que tenha fechado o ano em torno desse valor.
A inflação alta ajudou também, e muito, a reduzir o juro real, que é o que impacta a dívida líquida. O que importa é saber o deflator do PIB. Em anos normais, o IGP reflete mais de perto o comportamento do deflator. Quando a desvalorização é muito forte, o deflator fica mais perto do IPCA, como provaram as contas de 1999. O CSFB usa uma mistura de 80% de IPCA e 20% de IGP-DI médios como a melhor aproximação do deflator do PIB. Deflacionada dessa forma, em 15,3%, a Selic média de 19,1% significou um juro real de apenas 3,4% no ano passado, que é comparável a um juro real médio de 9% entre 1999 a 2002.
A inflação alta e o câmbio em baixa vão continuar ajudando as contas fiscais nestes primeiros meses do ano. Mas há consenso que a sinalização mais importante será o destino da reforma da Previdência. Da forma como a reforma foi anunciada, até agora, ela não trará impacto direto imediato. Ao unificar os regimes, privado e público, o governo imagina que o fator previdenciário, já existente para o INSS, passará a valer para os funcionários públicos.
O fator cria estímulos para adiar a aposentadoria, em troca de um benefício maior. Mas, quando foi instituído para o setor privado, criou-se um período de transição de cinco anos até o fator valer completamente, o que reduziu muito o estímulo imediato para adiar a aposentadoria. Se, ao colocar os funcionários públicos no regime do INSS, a reforma der a eles também cinco anos para absorver o impacto do fator previdenciário, então não haverá ganhos fiscais imediatos.
O ganho seria outro: a reforma permitiria maior equilíbrio a longo prazo. Ao contabilizar esse equilíbrio a valor presente, o mercado se sentiria mais seguro em relação às contas fiscais futuras e à dívida líquida. Isso poderia levar a uma redução no prêmio de risco Brasil e, desta forma, abrir espaço para um corte sustentável nos juros. Qualquer redução de 1% no juro real, por um ano, leva a uma queda significativa de 0,3% na dívida líquida. Uma redução, por um ano, de R$ 0,10 na cotação do dólar traz um ganho de 0,6% na dívida líquida.
O jogo de procurar ganhar confiança, portanto, que o PT decidiu jogar desde alguns meses antes da eleição, pode ser muito compensador -na verdade, já vem sendo. Depende da melhora estrutural das contas fiscais e externas, e sua recompensa básica será permitir cortar os juros. Está sujeito, contudo, a contratempos políticos e econômicos. Exige, portanto, muita paciência e determinação.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: Seca: Burocracia paralisa envio de carros-pipa no Nordeste
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.