São Paulo, quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

O jogo do contente é um veneno velho


Nosso Guia e Temporão têm o que aprender com os 40 anos da Ofensiva do Tet, da Guerra do Vietnã


D AQUI A DUAS semanas entrará na avenida a primeira grande efeméride de 1968. No dia 30 serão lembrados os 40 anos do ataque das tropas do vietcongue e do Vietnã do Norte contra os americanos. Foi a famosa Ofensiva do Tet. Boa oportunidade para que Nosso Guia e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, reflitam sobre os riscos que o jogo do contente traz aos governantes. Um cuida da crise de energia mandando calar o presidente da Aneel. O outro trata os casos de morte por febre amarela como se o problema estivesse nas pessoas que buscam vacinas, e não nos mosquitos que a transmitem. As filas nos postos de vacinação de aeroportos e rodoviárias são tratadas como produto da fantasia da choldra.
Até hoje tem gente que acredita no êxito militar dos vietnamitas na Ofensiva do Tet. Velha ilusão. Eles entraram na capital imperial de Huê e foram expulsos. Tentaram tomar a base de Khe Sanh e foram repelidos, depois de 70 dias de combates. Atacaram a embaixada americana em Saigon e não conseguiram entrar no prédio. Foram batidos em mais de uma centena de combates. A gravação de um discurso do chefe comunista Ho Chi Minh anunciando a tomada da capital teve que ir para a gaveta. A ofensiva foi um desastre. Nas palavras do general norte-vietnamita Tran Do, comandante do ataque a Huê:
"Honestamente, não atingimos nosso objetivo, que era disseminar levantes no Sul. (...) Quanto ao impacto nos Estados Unidos, essa não era a nossa intenção, mas acabou virando um desfecho afortunado".
O impacto foi dado de presente aos vietnamitas pelo jogo do contente do presidente americano Lyndon Johnson e do comandante de suas tropas, general William Westmoreland. Ambos sabiam que se preparava alguma coisa. Sabiam também que a tropa inimiga era mais forte do que diziam. Em vez de apresentar lisamente o problema à opinião pública, preparando-a para um ataque, preferiram viver no mundo da propaganda. Meses antes, quando a CIA informara que o efetivo dos vietcongues era de 430 mil homens, e não 300 mil, mandaram que ela calasse a boca. Mesmo quando se sabia a extensão dos ataques, prevalecia a idéia de que não se tratava de ofensiva, mas de ações diversionistas.
Johnson e Westmoreland lidavam com uma imprensa que não acreditava neles e potencializaram o problema. Basta dizer que o "New York Times" e o "Washington Post" não publicaram uma só linha quando Westmoreland disse que os vietcongues haviam sido contidos nos jardins da embaixada. E era verdade. O fracasso do ataque e as notícias erradas foram obscurecidos pela fotografia do chefe de polícia de Saigon, general Nguyen Ngoc Loan dando um tiro na cabeça de um vietcongue preso. (O doutor morreu em 1988 nos Estados Unidos. Chegou a ter uma pizzaria, mas ficou sem fregueses quando se soube quem era.)
O choque dos americanos diante da Ofensiva do Tet, o ronco da rua e uma rebelião dos eleitores democratas levaram o presidente Johnson a desistir de disputar a reeleição. A guerra terminou em 1975, com a retirada e fuga dos Estados Unidos, resultando na anexação do Vietnã do Sul pelo Norte comunista.
Deve-se desconfiar de um governo que faz o jogo do contente em vez de reconhecer a existência do problema. Mesmo assim, os 40 anos da Ofensiva do Tet mostram que também se deve desconfiar de quem não acredita em nada do que o governo diz.


Texto Anterior: Justiça: Google diz que irá recorrer de decisão favorável a Edir Macedo
Próximo Texto: Lobão diz que seu filho não vai renunciar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.