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"Estou passando por isso porque contei sobre os anos de chumbo", disse italiano
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ex-integrante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e agora com o status de
refugiado político concedido
pelo governo brasileiro, o italiano Cesare Battisti, acusado
de ser o autor de quatro homicídios em seu país, afirmou à
Folha no ano passado que a
prisão "tem sido uma escola para aprender" sobre o Brasil.
O país, disse, além de ser um
"terreno fértil" para o desenvolvimento de sua carreira literária, foi escolhido por ele como destino por causa da legislação, que proíbe a extradição de
estrangeiros que tenham cometido crimes políticos.
A Folha entrevistou Battisti
no final de fevereiro do ano
passado na carceragem da Polícia Federal, em Brasília, por
meio de um interfone. A entrevista não foi publicada à época.
A conversa, que durou uma
hora, ocorreu em português,
língua que Battisti fala bem,
apesar do forte sotaque.
Casado e pai de dois filhos,
Cesare Battisti contou que ainda acredita no comunismo, insiste que é perseguido político
e conta que, mesmo preso, continua a escrever. Quer completar uma trilogia iniciada com
"Minha Fuga Sem Fim", editado no Brasil em dezembro de
2007 e que apresenta, de forma
romanceada, suas memórias
sobre o passado.
FOLHA - Como foi a sua fuga?
CESARE BATTISTI - Entrei no Brasil por Fortaleza, com meus documentos franceses. De Paris,
fui para Portugal, passei por
Ilha da Madeira, Cabo Verde,
na África, e, de lá, cheguei a
Fortaleza. Sempre fui monitorado no Brasil, desde a chegada
até a prisão. Eram umas 20 pessoas me seguindo [policiais italianos, franceses e brasileiros].
FOLHA - Por que escolheu o Brasil?
BATTISTI - Era uma decisão que
eu discutia com minha família
ainda em Paris. O Brasil proíbe
a extradição de estrangeiros
acusados de crimes políticos.
Por isso vim, era onde queria ficar. Tinha também relações
com alguns intelectuais brasileiros, além de aqui ser um terreno fértil para eu desenvolver
minha carreira literária.
FOLHA - Quais são seus amigos
brasileiros?
BATTISTI - Prefiro não dizer,
pois não tenho contato com
eles há algum tempo. Tenho
uma relação, por exemplo, com
o deputado Fernando Gabeira
[PV-RJ]. Conheci-o no Brasil,
mas minha relação com ele não
é política, é como escritor.
FOLHA - Você afirma que houve influência política nos seus julgamentos, tanto na França como na Corte
Europeia de Direitos Humanos.
BATTISTI - Houve, sim. Foi um
acordo entre França e Itália,
uma vingança pessoal de [Silvio] Berlusconi, que, inclusive,
é amigo de [Nicolas] Sarkozy.
Foi uma operação política.
FOLHA - Teme por sua vida?
BATTISTI - O problema é na Itália. Querem acabar com quem
está escrevendo sobre as páginas sujas de sua história.
FOLHA - Por que você se diz perseguido?
BATTISTI - Estou passando por
isso porque falei muito, escrevi
e contei sobre os anos de chumbo. Isso na Itália é um buraco
negro, não se sabe de nada. O
país lida mal com seu passado.
Eles não aceitaram um romancista escrevendo sobre aqueles
anos. Há vários outros perseguidos políticos que continuam
vivendo na França, inclusive
autores de atentados políticos.
FOLHA - Você se arrepende de ter
participado da luta armada?
BATTISTI - Sim, de ter participado do começo, que foi uma armadilha. Não de ter protestado
contras as injustiças da época.
A Itália tinha uma falsa democracia, era um país de terceiro
mundo na Europa, onde os fascistas nunca saíram do governo. Um país anômalo no seio da
Europa, que não reconhece o
que aconteceu.
FOLHA - O governo da Itália afirma
que você é responsável por quatro
assassinatos durante os anos 70.
Você matou?
BATTISTI - Os PAC [Proletários
Armados para o Comunismo]
tinham uma linha ideológica
em que a determinação era não
matar. Quando o grupo adotou
a linha [de assassinatos políticos], saí. Abandonei nesse momento a luta armada. Não atirei
em ninguém, não matei ninguém. O Pietro Mutti [fundador dos PAC], que me denunciou, mudou várias vezes as
versões em seus depoimentos.
Era cômodo ele colocar a culpa
em mim, que estava longe. O
problema é que nunca calei a
boca.
FOLHA - Ainda defende o comunismo?
BATTISTI - Sou profundamente
comunista. Não o comunismo
cubano-soviético, mas aquele
do "Manifesto Comunista", de
Karl Marx [e Friedrich Engels].
FOLHA - O que acha do Brasil?
BATTISTI - Conhecia apenas a literatura brasileira. É um país
que desperta muita curiosidade. Estou começando a amá-lo.
FOLHA - Mesmo preso?
BATTISTI - Sim, mesmo preso.
Esse ano que passei preso tem
sido uma escola para aprender
sobre o país. Não digo isso só
pelo aspecto negativo. Talvez
uma pessoa leve anos para
aprender lá fora o que aprendi
aqui dentro. O jeito brasileiro, a
forma como o povo vive, tudo
isso me fascina. O brasileiro
tem muito do italiano.
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