São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 2010

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"Todos perguntavam: onde está a dra. Zilda?", diz freira que acompanhava médica

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA
DA ENVIADA A CURITIBA

Foi por poucos minutos que Zilda Arns não escapou da morte no terremoto do Haiti. Faltavam apenas alguns metros para a médica sanitarista e fundadora da Pastoral da Criança deixar a igreja em que havia acabado de dar uma palestra e ganhar as ruas de Porto Príncipe.
O relato é da religiosa Rosângela Maria Altoé, 56, que trabalhava com Zilda e estava com ela na hora do acidente. A médica havia acabado de falar para cerca de 150 pessoas, a maioria padres, e conversava com um deles quando o chão tremeu, ouviu-se um estrondo e parte do teto cedeu.
Eles estavam no terceiro e último andar do local em que funcionava um centro de formação da igreja. Além de Zilda, 16 sacerdotes que estavam no prédio morreram.
"É uma cena que eu nunca vou esquecer", disse Rosângela, que escapou com apenas um ferimento na mão esquerda e hematomas nas pernas. "Por uma questão de cinco minutos ela não estava fora da igreja", disse, ao desembarcar na madrugada de ontem em Brasília de avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que trouxe o corpo de Zilda.
"Eu não sei como consegui escapar. Eu fui pulando", comentou mais tarde, já no funeral de Zilda, em Curitiba.
As duas trabalhavam juntas havia 11 meses. Na viagem, Rosângela era o braço direito da médica, função que acabou ajudando a salvar sua vida.
"A dra. Zilda estava conversando com o padre. Virei para pegar uma bolsa, CDs e DVDs com nosso material, que estavam no chão. Eu me abaixei, e o teto desabou. Só ouvi um estrondo, parecia uma bomba", disse. "Se eu estava a dois metros dela [Zilda], era muito."
Segundos depois, segundo ela, a laje começou a inclinar e ceder. Rosângela escorregou sobre a laje, até chegar a um buraco que havia sido aberto na parede e conseguir sair.
"Subiu uma nuvem de poeira e a gente não via mais nada. Eu só escutava o grito das crianças, choro, o pavor de mães e pais gritando por seus filhos." Havia uma escola ao lado do prédio. Dezenas de crianças foram soterradas.
Rosângela só deu pela falta da médica quando saiu à rua e não a viu. "Eu tentei voltar [à igreja]. Eu tentei encontrá-la, ir onde ela estava.Todos perguntavam: onde está a dra. Zilda, onde está a dra. Zilda?"
A freira e os outros sobreviventes, entre eles três soldados brasileiros, tentaram voltar ao que restou do prédio em busca de Zilda e de outras pessoas, mas desistiram após novos tremores de terra.
O corpo de Zilda, segundo o senador Flávio Arns (PSDB), sobrinho da médica, foi encontrado na manhã de quarta graças à ajuda do padre que estava com ela. Só os pés estavam para fora dos escombros.
Zilda, segundo a freira, fez sua última palestra "com muito entusiasmo". "Cada pergunta era feita em crioulo, e tinha que ser traduzida. Mas ela sempre teve muita paciência." (FÁBIO ZANINI, ESTELITA HASS CARAZZAI e ANA FLOR)


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