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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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GOVERNO PETISTA

Ata de reunião de servidores revela pressão sobre o ministro

Sindicalistas tentam lotear superintendências do Incra

DO DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

À surdina, bem longe dos holofotes, o sindicalismo petista e os movimentos sociais promovem um cerco ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Vigiam de perto o loteamento. Não de terras, mas de cargos públicos. A Folha obteve documentos que expõem o tipo de pressão a que está submetido o ministro Miguel Rossetto, gestor da reforma agrária. Uma pressão que combina a práxis de esquerda (aprovação de candidatos a cargos públicos em assembléias) a métodos da direita (encaminhamento de listas com os nomes dos apadrinhados).
O tom ideológico que ronda os gabinetes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) contrasta com a moderação exibida em outras repartições do governo -o Ministério da Fazenda, por exemplo.
Os papéis manuseados pela reportagem foram produzidos pela CNASI (Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra), entidade afinada com a CUT e simpática ao MST. Um dos textos chama-se "Memória de Reunião". Refere-se a encontro de dirigentes da organização sindical com o novo presidente do Incra, Marcelo Resende de Sousa. Deu-se no dia 3 de fevereiro. O texto, distribuído em rede interna de computadores, tem formato semelhante ao de uma ata.
A CNASI indicou candidatos a postos na sede do Incra, em Brasília, e nas 29 superintendências do órgão. Na conversa com Resende de Sousa, anota a ata, a direção da confederação "fez a defesa das indicações", resultantes de "assembléias realizadas".
O presidente do Incra declarou-se favorável ao "aproveitamento de quadros da instituição". Ponderou, porém, que há muitos outros nomes no páreo. Foram indicados "pelos movimentos sociais, organizações representativas dos trabalhadores rurais e representações políticas".
A fartura de apadrinhamentos, esclareceu Resende de Sousa, remete "o processo de escolha para outras instâncias de análise e decisão". Referia-se, embora não mencionado na ata, ao gabinete do ministro Miguel Rossetto, ligado à mesma corrente partidária da senadora alagoana Heloísa Helena (a minoritária Democracia Socialista), e à sala do chefe do Gabinete Civil, José Dirceu (da hegemônica Articulação).

Indicações
Tratados a pão e água sob FHC, o sindicalismo agrário e movimentos como o MST supõem que, sob Lula, alcançarão a redenção. A prodigalidade nas indicações retarda o preenchimento do organograma da pasta do Desenvolvimento Agrário.
Até a semana passada, as superintendências estaduais do Incra permaneciam em mãos de sobreviventes do governo passado. Na sexta-feira, foram todos exonerados. Indício de que o loteamento vai, finalmente, começar. Entre os segmentos contemplados estarão o PT, a Pastoral da Terra, da Igreja Católica, o MST e a Contag.
Em carta circular aos seus filiados, datada de 28 de janeiro, a confederação dos funcionários do Incra resume a filosofia que inspira a tática de ocupação. O texto anota que, mais do que cargos, é preciso conquistar "espaços" na máquina pública. Deve-se fazê-lo "de forma inteligente".
O objetivo seria o de auxiliar a gestão Lula no "Congresso Nacional e demais setores conservadores da sociedade", de onde virão "grandes resistências" às "grandes mudanças". Ressalta-se a importância de "construir com o governo um Estado justo". "Uma missão que transcende o nosso papel de simples servidores, para desaguar num processo de lutas de classes [...]."
Na mesma circular, a confederação informa aos filiados sobre a indicação de um de seus diretores, Raimundo João Amorim Pereira, para a Superintendência Nacional de Gestão Administrativa do Incra. Indicação que resultou de "reflexões feitas pelas nossas bases e entidades dos trabalhadores rurais com as quais mantemos relações de parceria, a exemplo do MST [...]."
"Nos Estados, a disputa é muito grande", diz Raimundão, como é conhecido pelos companheiros. "São partidos políticos, entidades de trabalhadores, um balaio. É um processo político. Não sei qual será a decisão do presidente do Incra. Ele está conduzindo a questão com o ministro Rossetto." O processo atual sepulta uma prática iniciada sob FHC, que condicionava as nomeações para as superintendências do Incra a uma espécie de concurso de títulos. Selecionavam-se os nomes supostamente mais qualificados, pinçados de listas tríplices.
O passo seguinte às nomeações feitas sob Lula será a abertura de um debate sobre a revisão de atos baixados no governo passado. São, na linguagem dos movimentos sociais, dispositivos que "criminalizam os trabalhadores rurais". Entre eles a medida provisória que proibiu o Incra de vistoriar terras invadidas. O tema é explosivo.
Os documentos da CNASI exortam os servidores do Incra a não deixarem "esvaecer suas esperanças creditadas ao governo Lula [...]." "Vamos ajudar a construir o governo que elegemos, fundado nas nossas convicções."
Procurados pela reportagem, o ministro do Desenvolvimento Agrário e o presidente do Incra preferiram guardar silêncio sobre o processo de nomeações.
(JOSIAS DE SOUZA)


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