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NO PLANALTO
Fome Zero e megalobby
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O programa Fome Zero
está introduzindo na cena nacional um novo tipo de
benemerência: o altruísmo de
resultados. A Nestlé, maior indústria alimentícia do país, enxergou nos desvãos do capitalismo dirigido por socialistas uma
rara oportunidade.
Há dez dias, em visita a Lula,
gestores da multinacional suíça
prometeram doar mil toneladas
de comida ao Fome Zero. Mais:
darão emprego a 2.000 jovens,
para atuar no programa.
Festejada como maior contribuição privada ao plano antiinanição, a ajuda chegou ao
Planalto junto com um pedido
de socorro. Na bica de ser julgada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a Nestlé sonha com uma
mãozinha oficial que propicie a
viabilização de um meganegócio: a compra da Garoto.
A Nestlé comprou a Garoto
(faturamento anual de cerca de
R$ 600 milhões) faz um ano.
Bateu na disputa adversários
do porte da Lacta. Por imposição legal, a transação foi ao Cade. Farejando o nascimento de
um monopólio, o conselho impôs à Nestlé a assinatura de um
compromisso. Na prática, impede mudanças na gestão da Garoto até que o caso seja julgado.
Chamada a opinar, ainda sob
FHC, a SDE (Secretaria de Direito Econômico) considerou o
negócio nocivo à "concorrência" e ao "consumidor". A Nestlé monopolizaria o mercado
das coberturas de chocolate
(100%). Dominaria, de resto, os
segmentos de coberturas sólidas
(88,5%), tabletes de até 500 gramas (75,9%), caixas de bombons (66%) e chocolates de consumo imediato (63,1%).
Na última quarta-feira, como
a pressentir as pressões que se
avizinhavam, a procuradoria
do Cade apressou-se em recomendar que a aprovação da
venda da Garoto seja precedida
da imposição de "condições"
que "inviabilizem o exercício do
poder de mercado" da Nestlé. O
caso está agora pronto para ir a
julgamento.
As portas do gabinete presidencial abriram-se para a Nestlé graças à interferência de
Paulo Hartung, governador do
Espírito Santo, Estado que abriga a fábrica da Garoto. Hartung esteve com José Dirceu, o
chefão do Gabinete Civil.
Preocupado com a penúria de
seu Estado, o governador pediu
pela Nestlé. Depois, enviou a
Lula cópia de carta que endereçara ao Cade. O documento, assinado também pela sindicalista petista Linda Maria Moraes,
pede a aprovação do negócio
"sem a imposição de restrições".
Ouvido pelo repórter, Carlos
Faccina (pronuncia-se "Faquina"), diretor de Assuntos Corporativos da Nestlé, disse que é
"pura coincidência" o fato de os
dois assuntos -a iminência do
julgamento do Cade e a doação
de alimentos ao Fome Zero-
estarem sendo tratados assim,
de modo tão curiosamente simultâneo.
"Estamos no Brasil há 82
anos. Há mais de 30 anos desenvolvemos ações sociais",
acrescenta Faccina. "O engajamento atual não vem de um
lobby ou de um toma-lá-dá-cá.
Vem de uma cultura da Nestlé."
O melhor que Lula tem a fazer
é dar mais atenção às palavras
pronunciadas por Faccina em
público do que aos pedidos cochichados em seus ouvidos nos
subterrâneos. Que o governo faça bom uso dos mantimentos
tão generosamente doados pela
Nestlé. Que deixe o Cade, supostamente autônomo, meter a colher livremente no caldeirão
achocolatado da Garoto. Negócios, negócios. Fome à parte.
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