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JANIO DE FREITAS
O filme-catástrofe
"O governo só não sairá
derrotado se a oposição
não quiser", dizia aqui o artigo
de domingo. A oposição quis. E
muitos governistas quiseram
também, só assim se explicando
os 300 votos que na madrugada
de ontem entregaram a presidência da Câmara dos Deputados à
figura sempre secundária, mas
nunca inofensiva, de Severino
Cavalcanti.
A óbvia composição dos votos
vencedores não requer maior
exame para invalidar a tese, logo
vicejante no comentarismo político, de que o "baixo clero", o
contingente amorfo dos deputados marginalizados, impôs-se às
lideranças e aos dominantes e é o
novo poder na Câmara. O conjunto vencedor é muito heterogêneo, o que faz com que haja menos um lado vencedor do que um
lado derrotado -o governo.
Derrota muito desmoralizadora, já por si mesma, considerando-se quanto o governo empenhou em cargos públicos e outras
promessas, em pressões e em manobras baixas dentro de vários
partidos, para ao final ver-se dura e quase debochadamente batido. Mas derrota sobretudo devastadora, em uma contemplação
mais ampla da política, considerando-se que se segue a outra de
grande peso e em que governo e
PT também jogavam tudo: a derrota de Marta Suplicy, acompanhada por outras derrubadas
eleitorais.
Desastre tão bem construído,
porém, só em hollywoodiano filme-catástrofe. Começa com as
tergiversações para queimar a
emenda de reeleição de José Sarney e de João Paulo Cunha, que
teria resolvido tudo em favor do
Planalto nas presidências do Senado e da Câmara. Mas fortaleceria João Paulo e suas pretensões ao governo paulista, e isso
não convinha a certos petistas,
sabendo-se que pelo menos outros quatro têm a mesma pretensão - Marta e Palocci, que dividem o coração de Lula, Dirceu e
Genoino.
Depois veio o golpe em Virgílio
Guimarães, que venceu na bancada o primeiro turno da indicação para candidato. José Genoino entrou em cena à sua maneira, sustou o segundo turno e a
bancada foi informada de que
Lula desejava Luiz Eduardo
Greenhalgh na presidência da
Câmara. Virgílio retirou sua
candidatura.
Lula mais tarde negou a intervenção por Greenhalgh, mas era
tarde. A bancada já caíra na manobra Genoino/Greenhalgh, formalizando a indicação, e o PT
substituía um deputado com
bom conceito e intimidade no
plenário da Câmara por um candidato muito pouco beneficiado
por simpatias. As condições pessoais de Virgílio aliadas à tradição, que entregava a presidência
ao indicado pela maior bancada
(caso dos petistas), como que antecipava o resultado final a favor
do PT. José Genoino é o artífice
da derrota.
A presidência de Severino Cavalcanti, no entanto, é mais onerosa para a Câmara, para as próprias instituições e para a opinião pública a respeito da política, do que o é para o governo. Direitista e objetivo igualmente por
princípio, Severino Cavalcanti
esteve tão bem integrado no espírito e na prática repressora da ditadura como, depois, se adaptou
à conveniente convivência com o
novo regime. Não é improvável,
pois, que o governo e o presidente
da Câmara comunguem o suficiente para que a derrota governamental não o seja tanto, na
condução dos interesses palacianos e ministeriais no Congresso.
O sentido maior da derrota é
mesmo o político. E não está figurado só em Severino Cavalcanti.
No bojo da disputa na Câmara
travou-se um confronto paralelo,
e feroz, entre o círculo de Lula e o
secretário fluminense Anthony
Garotinho, que inspira ímpetos
letais nos planaltinos. Foi outra
derrota. Garotinho não só contribuiu com dezenas de votos contra o candidato governista como
aumentou a bancada do PMDB
a ponto de elevá-la ao nível dominante da bancada petista.
Cria-se outro problema para o
governo, que é o de definição da
bancada majoritária na Câmara
daqui para a frente.
E tem mais, como depois se verá.
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