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ELIO GASPARI
A terra de ninguém vira chão sem dono
Lula foi rápido na turbina.
Soube do assassinato, tomou o avião e desembarcou no
enterro. Foi no de Chico Mendes, em 1988. Marcou sua valente presença oposicionista no velório do herói da floresta. Feito
governo, o companheiro liberou
áreas extrativas para os madeireiros e ocupa sua agenda cultivando a figura de oposicionista
da ordem mundial. Uma espécie de petista global. O Brasil teria ficado melhor com Lula no
enterro da irmã Dorothy Stang.
O presidente disse há dois
anos que "a resistência de Chico
Mendes e o seu assassinato em
1988 estabeleceram um divisor
de águas (à). Ficou claro, definitivamente, que não havia mais
separação possível entre o equilíbrio ecológico e o equilíbrio social". Parolagem. A morte de
Chico Mendes não foi divisor de
coisa nenhuma, irmã Dorothy
tomou seis tiros da mesma realidade que matou o seringalista.
Pelo lado da defesa do meio ambiente e dos direitos humanos, o
governo do companheiro conseguiu apenas dar uma dimensão
patética às figuras de Marina
Silva e Nilmário Miranda.
Chico Mendes e Dorothy
Stang foram mortes anunciadas
diante de um poder público
inerte e demagogo. O governo
federal tem uma espécie de Kit
Teatro para ocasiões como essa.
O latinório contrito do poder petista assemelha-se ao da ditadura, em 1976, quando chorou-se a
morte do padre João Bosco Burnier. Ou do governo José Sarney
em 1986, quando carpiu o padre
Jósimo. É o reino do blábláblá
indignado. Depois do massacre
de Eldorado do Carajás, FFHH
disse que aquilo não era "coisa
de país civilizado". Depois da
morte de irmã Dorothy, Nilmário Miranda informou: "É intolerável".
Os padres e freiras da Amazônia, brasileiros ou não, funcionam como sentinelas de civilização em pedaços do Brasil onde o poder público não manda e
sabe que não manda. (Ou teria
havido outro motivo para Lula
aceitar as pressões dos madeireiros, restaurando licenças suspensas?)
O crime de Anapu colocou no
tabuleiro um ingrediente ingênuo e revelador: a relação entre
a anarquia fundiária e ecológica da Amazônia e a soberania
nacional. Cinco freiras da irmandade de Nossa Senhora de
Namur, companheiras de Dorothy Stang, divulgaram uma
nota na qual informaram que
"a irmã Marie Bowyer, de Cincinnati, Ohio, contactou o Departamento de Estado em Washington e solicitou uma investigação completa do incidente".
Compreende-se o desespero e a
dor dessas religiosas, mas é necessário que se diga desde logo:
investigação do Departamento
de Estado em Pindorama, nem
pensar. Aqui não é o Iraque,
muito menos o Haiti. (Se a Comissão de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos quiser, pode tratar do
caso, pois o governo brasileiro é
signatário de tratados que lhe
dão essa autoridade.)
Num episódio limítrofe da impertinência, o embaixador americano John Danilovich divulgou uma nota segundo a qual
"estamos confiantes de que haverá uma investigação completa e detalhada desse assassinato
e que os responsáveis serão trazidos perante a Justiça". Há nesse fraseado um toque do blábláblá, mas o embaixador conta
que a irmã trabalhava na "defesa das populações tradicionais
da Amazônia". Maneira complicada para se referir a cidadãos brasileiros que vivem no
Pará. Pena o embaixador não
ter dito que irmã Dorothy, nascida nos Estados Unidos, adotara a nacionalidade brasileira.
Se Lula perdesse menos fazendo oposição internacional a
não-se-sabe-quem, turbinando
Hugo Chávez e conhecendo a
Guiana, talvez pudesse se dedicar à gerencia da soberania nacional na Amazônia. É para ela
que a morte de irmã Dorothy
pede atenção.
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