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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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TENSÃO NO CAMPO

Donos de terras do PR e de MG criam milícias para conter invasões

"Comando ruralista" se arma e pressiona Lula contra MST

Ormuzd Alves/Folha Imagem
Integrantes do MST em reunião em acampamento de Laranjeiras do Sul, no Paraná, onde os ruralistas prometem agir contra os sem-terra


JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PALMITAL (PR)

Com um sentimento de desamparo frente à política do governo Lula para a questão agrária, proprietários rurais estão se armando para combater o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). No Paraná, especificamente, uma milícia armada, com o sugestivo nome de PCR (Primeiro Comando Rural), foi criada na região centro-oeste do Estado.
Em nível nacional, na próxima quarta-feira, em Cuiabá (MT), a UDR (União Democrática Ruralista) e entidades representativas dos produtores rurais, como a Sociedade Rural Brasileira, irão se reunir para aprovar um documento endereçado ao governo.
A reunião é uma tentativa dos ruralistas de se contrapor à influência, que consideram "excessiva", do MST no Ministério de Desenvolvimento Agrário e nas superintendências estaduais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente nacional da UDR e um dos organizadores do encontro de Cuiabá, considera, no entanto, "um desespero de causa" a formação do PCR no Paraná. "Nunca na história o produtor precisou se organizar em milícias armadas para se defender", disse.
O médico Humberto Mano Sá, 67, porta-voz do PCR, disse que a criação da organização "foi um periscópio que fez o submarino emergir, pois foi a única maneira de chamar a atenção para o nosso problema no Paraná e fazer frente aos bandidos dos sem-terra".
Segundo Sá, o fato de o MST ter "excessiva" influência no Incra, aliado ao fato de o governador Roberto Requião (PMDB) ter histórica simpatia pelos sem-terra, possibilitou o surgimento da "indústria das reinvasões" no Paraná. "Eles invadem, vendem seus lotes e voltam a invadir. Nós estamos sem confiança no governo."
Ele confirmou que os produtores estão se armando para evitar novas invasões na região. "Se houver invasão, talvez o governo entre com a Polícia Militar nas fazendas, para fazer o recolhimento dos corpos e a contagem dos mortos", disse. Sá possui 504 hectares em Laranjal e negou que tenha contratado pistoleiros."Fica difícil depois tirar esse pessoal [pistoleiros" da fazenda, mas muitos estão se armando -e bem- para enfrentar os sem-terra", afirmou.
A mobilização em torno da criação do PCR, nome que seus idealizadores admitem ter sido copiado do PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa que age em presídios de São Paulo, foi motivada após 600 famílias, com cerca de 2.500 pessoas, organizarem um acampamento na estrada rural que liga os municípios de Laranjal e Palmital.
A organização de acampamentos é uma estratégia do MST no Paraná para acelerar a reforma agrária no Estado. Desde 19 de fevereiro último, 6.000 novas famílias acamparam no Paraná.
Proprietário de 840 hectares, com mais três irmãos, a menos de três quilômetros do acampamento dos sem-terra, o advogado Cristiano de Jesus Ghilardi Crazer, 32, mantém uma vigilância constante em sua propriedade.
Ele nega ter armas ou pistoleiros. "Mas tem gente afirmando que teria comprado até fuzil. Eu não disse isso, mas ouço. E é bom lembrar que, pela lei, cada homem por ter até nove armas." Crazer exibiu porte de uma pistola, que disse ser para sua defesa.
"O PCR é uma organização descentralizada, não-oficializada, mas vai mostrar sua força em caso de invasão. Hoje os sem-terra estão fazendo guerra psicológica, disparando contra minha propriedade. Mas nunca entrarão."
Mário Klüber, 34, também usa a justificativa de "ameaças dos sem-terra" para determinar a escavação de trincheiras e a presença constante de cinco homens na entrada da fazenda Divinal, de 2.316 hectares, em Laranjal.
Klüber disse que seus funcionários usam armas "apenas para defesa pessoal, e são armas que existem em toda propriedade rural". As trincheiras, diz ele, foram feitas para proteção dos funcionários.

Minas Gerais
Não é só no Paraná que há tensão entre ruralistas e sem-terra. Presidente da Sociedade Rural de Montes Claros, que reúne os ruralistas do norte mineiro, Alexandre Vianna, diz que eles vão agir por conta própria caso continuem enfrentando resistência das autoridades para o cumprimento da lei.
"Estamos sempre procurando levar as informações para o produtor no sentido de buscar, no primeiro momento, o caminho da lei. [Mas", se a lei não valer para os sem-terra, certamente não valerá para nós também", disse.
A maior queixa dos produtores mineiros é o que Vianna chama de "vista grossa" da polícia e do governo. Reclama que há dificuldades de se fazer cumprir as ordens judiciais de reintegração de posse. "Se continuar os desmandos, no sentido de as liminares não serem cumpridas, a polícia não dar cobertura e o governo ficar imóvel com essa situação, acho que o clima vai acirrar".
As milícias formadas por produtores já foram citadas em um recente documento interno da PM, que ordenou seu combate, conforme noticiou a Folha.

Colaborou PAULO PEIXOTO, da Agência Folha, em Belo Horizonte

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