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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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TENSÃO NO CAMPO

Funcionários, movimentos sociais e ex-dirigentes reclamam de falta de pessoal e ausência de foco

Com a estrutura sucateada, Incra é alvo de críticas

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Órgão federal responsável direto pela reforma agrária no país, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) apresenta atualmente uma estrutura sucateada, um foco de ação incerto e um quadro de funcionários desmotivado e com boa parte deles à beira da aposentadoria.
A reestruturação e a contratação imediata de novos funcionários está justamente na pauta do primeiro e segundo escalões do órgão, que se reuniram em Pirenópolis (GO) há duas semanas para discutir o tema.
O foco das críticas ao órgão federal, feitas à Agência Folha por atuais funcionários, movimentos sociais e ex-dirigentes, envolve tanto o governo de Fernando Henrique Cardoso como o de Luiz Inácio Lula da Silva.
Criado em 1970, o Incra possui atualmente um quadro de 5.300 servidores na ativa, o que é suficiente para atender cerca de metade da atual demanda do governo federal, como os processos de vistoria em fazendas e a implantação de infra-estrutura nos projetos de assentamento criados desde o regime militar.
No início dos anos 80, época em que eram priorizados os projetos de colonização na Amazônia, o órgão tinha um quadro de 10 mil funcionários na ativa.

Aposentadoria
Atualmente, outro agravante para o Incra é a desmotivação de seu pessoal, a maioria em fim de carreira. Até 2010, segundo a Cnasi (Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra), mais da metade dos atuais 5.300 servidores do órgão estará aposentada. O último concurso ocorreu há cinco anos.
Para Osvaldo Russo, presidente do Incra no governo Itamar Franco (1993-1994), é preciso uma mudança de foco das ações do órgão e reorganização de suas funções.
Segundo o ex-presidente do órgão, nos últimos anos do governo FHC, a reforma agrária passou a ter um caráter de mercado, o que alterou a principal filosofia do Incra, que é a vistoria de terras.
"O papel do Incra não é o de uma agência reguladora, como o governo passado tentou fazer, e sim de levar seu pessoal a campo para fazer a verdadeira reforma agrária, vistoriando, estruturando os assentamentos."
Entre os fatores de desmotivação, segundo servidores ouvidos pela reportagem, estão a defasagem na reposição dos salários, a ausência de um plano de carreira e o completo desaparelhamento das 29 superintendências regionais do órgão.

Vidraça
Os servidores nos Estados reclamam da exposição a que ficam sujeitos em ações do MST, como as invasões a sedes do órgão ocorridas neste mês em Goiânia (GO), Cuiabá (MT) e Recife (PE).
Para Jaime Amorim, da direção nacional do MST, o governo federal deve priorizar a criação de mecanismos dentro do Incra que agilizem os processos de desapropriação de terra.
"Deve haver primeiro uma mudança na própria estrutura física do própria Incra, na questão da informatização, automóveis. Depois, na contratação de pessoas compromissadas com a reforma agrária. Precisa dar uma oxigenada por lá", afirmou Amorim.
Sob caráter de urgência, o MST pede que o Incra contrate um técnico para cada cem famílias assentadas, o que representaria cerca de 3.500 novos funcionários.
Dentro disso, os sem-terra querem a criação de um projeto de assistência técnica semelhante ao Lumiar, que envolve a contratação de profissionais autônomos indicados pelo próprio movimento. O Lumiar foi suspenso pelo governo FHC em 2000 após denúncias de irregularidades apontadas por reportagens da Folha.

Insatisfação
Nos corredores do Incra, há ainda a insatisfação política de alguns servidores pelo fato de o governo federal ter politizado a distribuição de cargos nas superintendências, como o oferecimento de vagas para os movimentos sociais, o que não ocorreu na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), cujas vagas estaduais de primeiro escalão foram preenchidas somente por seus funcionários de carreira.
Pressionado pelos movimentos sociais, que cobram o assentamento de cerca de 400 mil pessoas acampadas em todo o país, o Incra colocará em prática a curto prazo a primeira válvula de escape. Aproveitando as estruturas de suas superintendências regionais, o órgão criará uma força-tarefa.
A principal função do grupo será promover vistorias nos Estados mais emergentes. O mutirão atenderá um Estado de cada vez, devendo começar em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, passando por São Paulo e Paraná, até chegar ao Nordeste.


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