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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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JANIO DE FREITAS

Lento apressadinho

Os críticos "neobobos" de ontem seriam os críticos "apressadinhos" de hoje, não fossem as tantas defecções de neobobos arrependidos e convertidos em nostálgicos petistas-tucanos. Mas, na perturbação de conceitos que se invertem no governo, "apressadinhos" não tem o desejo de insulto, presente no neobobos, e tem a utilidade de expressar o quanto o governo está confuso consigo mesmo.
Em um mesmo dia da semana, Luiz Inácio Lula da Silva discursou para empregados e, depois, para empregadores. Aos primeiros, mais uma vez disse que não tem pressa, não fará reformas "de modo atabalhoado". Aos segundos, disse que antecipará a remessa, para votação no Congresso, dos projetos de reforma: o da Previdência vai "antes de maio" e, "muito antes de junho", o de reforma tributária. Quem é apressadinho?
"Antes de maio" significa que em uns 30 dias úteis, no máximo, o governo dirá ao Congresso a reforma da Previdência que deseja. Digamos que tal disposição é uma barbaridade, para não dizer que é uma leviandade. A ser feita de maneira séria, uma reforma previdenciária é tarefa muito complexa. Além disso, são dezenas de milhões de pessoas alcançadas pelas mudanças -cerca de 80 milhões, se envolvidos também, como conviria, os que têm ocupação informal. Ainda não há segurança, porém, nem sequer sobre os números reais da seguridade e o que significam, tantas são as contestações oferecidas por entidades e especialistas respeitáveis aos dados e argumentos convencionais.
E, se não cometo inconveniência, onde fica, no apressado prazo do presidente Lula, a tão prometida discussão ampla, em âmbito nacional, com participação irrestrita, para produzir uma reforma justa contra as aposentadorias sempre chamadas, pelo candidato Lula, de indecentes e humilhantes? Há dois meses, a cada semana o governo alterna a decisão de votar ou não votar o projeto do governo passado sobre a Previdência de servidores públicos. Diante disso, não precisaria emitir outra demonstração de que até agora, a 30 dias úteis do limite inventado para apresentar o seu projeto geral, continua esvoaçando, aéreo e desorientado, em torno da reforma.
E será preciso acreditar que, em reforma de Previdência, o único a fazer é alinhar todos por baixo, sem ao menos uma ideiazinha nova, original, para a elaboração do sistema? Só para dar um exemplo: ainda não encontrei no palavrório e no papelório governamental, apesar da insistência, nem indícios do estudo de uma fórmula que combinasse aumento escalonado das contribuições dos salários médios e altos, hoje mais do que ridículas, com outras medidas. É claro: o governo não quer onerar a contribuição proporcional feita pelas empresas. Mas, para aumentar o desconto nos salários melhores, não precisaria mudar, necessariamente, a parte paga pelas empresas.
Tudo isso sugere que o governo satisfaz-se, na Previdência, com uma reforma tucano-pefelista, no gênero neoliberal cobrado pelo FMI: o que importa é o resultado das contas, não a maneira de obtê-lo e nem o seu custo para o povo em geral.
O pouco que se ouviu sobre a também apressada reforma tributária vai no caminho da outra: arrumar o resultado das contas, sem considerar que o sentido de uma reforma tributária é organizar a economia, pela regulação criteriosa das relações entre sociedade, suas atividades econômicas e os governos federal, estadual e municipal.
Mas, como informou o ministro Antonio Palocci aos prefeitos reunidos em Brasília, "o presidente não está nos dando muito tempo para o debate, não, ele quer enviar a proposta de reforma tributária com rapidez ao Congresso". Enquanto Lula, tendo pedido paciência aos prefeitos, perguntava aos empregados da Mercedes: "Por que vou fazer as coisas com pressa?"
Parece que ninguém teve ocasião de responder que quem passou quase um ano prometendo criar 10 milhões de empregos em 4 anos, ou explorava aflições alheias, ou, no governo, não quereria perder nem um minuto.
A oportunidade não deverá ocorrer também na reunião, neste fim de semana, do Diretório Nacional do PT, que tem, entre questões burocráticas, o propósito de aprovar (democraticamente, vê-se) uma resolução de aplauso ao governo e sua política econômica aplaudida, mais uma vez nessa semana, pelo FMI.
Outra resposta foi dada, porém. Apareceu na pesquisa CNT/Sensus: em apenas mês e meio, caiu mais de 10% o número dos que confiam em que o governo Lula será bom.


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