São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 2005

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ELIO GASPARI

A diplomacia da megalomania

O melhor negócio do mundo é comprar a política externa de Lula pelo que ela vale e vendê-la pelo preço que sua propaganda apregoa.
O companheiro construiu uma parceria estratégica com a China. Jogou o Brasil na defesa da política de direitos humanos de Pequim. Afora outras práticas, como o comércio de órgãos de presos fuzilados, trata-se de uma ditadura high-tech: limita o acesso de seus cidadãos à internet e, segundo uma pesquisa de 2004, há cerca de 20 mil páginas bloqueadas pela censura, que iguala notícias como a morte de um ex-dirigente político e pornografia.
Pode-se argumentar que o Brasil não tem nada a ver com os direitos humanos dos chineses. Como diria o camarada Deng Xiaoping, não importa se o gato é branco ou preto, importa que coma os ratos. No caso, importaria apenas que a China é um grande mercado para os produtos brasileiros.
Como dizia a "Canção do Subdesenvolvido", o hino antiamericano dos anos 60, de Carlos Lyra e Francisco de Assis:
"Começaram a nos vender e nos comprar
(...)Comprar minério, vender navio".
Pois é, em 2005, "a terra de amores, alcatifada de flores", vende minério aos chineses e deles compra aparelhos eletrônicos, produtos químicos e componentes de computador. Depois que Lula visitou Pequim, em abril de 2004, os chineses ganharam um refresco comercial. Suas exportações para o Brasil cresceram 83% em um ano. A importação de móveis aumentou 96%. Nos dois primeiros meses de 2005 as vendas chinesas cresceram 55%, enquanto as brasileiras ficaram em 5,5%, muito abaixo do aumento médio das exportações nacionais. Se ninguém fizer nada, a parceria estratégica do Brasil com a China fecha 2005 com déficit comercial.
Lula considera-se um novo patriarca da integração latino-americana. Azedou a relação com a Argentina, foi deixado meio de lado pelos presidentes Ricardo Lagos, do Chile, e Vicente Fox, do México. Não conseguiu que o presidente Tabaré Vazques retirasse a candidatura de um diplomata uruguaio conservador e pró-americano à direção da Organização Mundial do Comércio. Fechou uma aliança com o coronel Hugo Chávez e com o comandante Fidel Castro. Bom proveito. Depois deles, o presidente que mais confetes joga em Lula é George Bush. Tudo o que ele quer na vida é um presidente brasileiro que manda tropas para o Haiti, congela o apoio à renegociação da dívida argentina e é visto como um quindim pelo FMI e como um esquerdista pelo "New York Times".
O programa mundial de combate à fome lançado por Lula na ONU embute a idéia de um imposto transnacional que provoca dois tipos de reação. É apoiado por quem sabe que um negócio desses não fica em pé ou é condenado por quem não pode brincar com os impostos de seu povo. (Bush e Tony Blair, por exemplo.)
A política externa de Lula está mais para banda de rock do que para atividade diplomática. Sua dimensão internacional foi reconhecida por Bono Vox, o roqueiro do grupo U2, que lhe atribuiu a mudança da agenda do Fórum Mundial de Davos. Pode até ser verdade, mas para quem tem Gilberto Gil, Bono não acrescenta muita coisa.
Serviço: quem quiser ouvir a "Canção do Subdesenvolvido" pode passar na página do jornalista Franklin Martins, cujo endereço é o seguinte:
http://franklinmartins.globo.com/cgi-bin/franklinmartins/somnacaixa.cgi?ID= 00106&PG=10


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