São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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ANÁLISE

Lula-Obama é remake sem novidades de Lula-Bush

Ideia de criar grupos de trabalho para estudar temas foi lançada há exatos seis anos

Tanto para os EUA quanto para o Brasil é importante mostrar sintonia na relação, mas parcerias já anunciadas no passado não avançaram


Saul Loeb/France Presse
Lula e Obama em encontro no sábado, na Casa Branca; o brasileiro foi o terceiro líder mundial a se encontrar com o americano

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

É inescapável uma sensação de parte 2 de filme velho nos anúncios feitos após o encontro de sábado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Barack Obama.
Por partes: a ideia de que os dois países criarão grupos de trabalho para estudar alguns temas e para adotar posições conjuntas já foi lançada -e implementada- há exatos seis anos, na primeira grande caravana do governo Lula a Washington.
Criaram-se então quatro grupos de trabalho, e um deles era precisamente sobre "crescimento econômico", o que pressupunha que poderia haver alguma sintonia entre as políticas neocon do governo George Walker Bush e as do trotskista-transformado-em-neocon Antonio Palocci, então ministro da Fazenda.
Foram até feitas algumas reuniões dos GTs, que, se entraram em hibernação, foi por conta do monopólio da "guerra ao terrorismo" que existia na anterior administração norte-americana. Como o Brasil -e a América Latina- não estavam nessa guerra, passou a inexistir no radar de Washington.
Agora, pelo que anunciaram, Obama e Lula vão apertar o "reset" desses grupos, embora apresentando-os como novidade e como um novo patamar nas relações entre os países.
De novo, é falso: no Brasil em 2007, Bush assinou com Lula um memorando de entendimento para o que se chamou de "parceria estratégica". Pode haver patamar mais elevado que "parceria estratégica"?
Supor que uma coisa é parceria com Bush e, outra, com Obama, é igualmente falso. Relações internacionais podem, claro, ser influenciadas por quem está momentaneamente no poder, mas, em geral, são de países para países, não de governantes para governantes.
Exemplo claro: Fernando Henrique Cardoso estabeleceu relações estratégicas com a Espanha no governo do ultraconservador José María Aznar. Lula substituiu FHC, mas não o caráter estratégico da relação com a Espanha, que foi mantido quando, também lá, houve troca de governo, entrando o socialista José Luis Rodríguez Zapatero no lugar de Aznar.
Voltando a 2009: reuniões ministeriais para discutir "crescimento econômico", além de serem refilmagem, são redundantes. Desde o encontro ministerial do G20 em São Paulo, em novembro, até a reunião do mesmo grupo no sábado em West Sussex, nas imediações de Londres, esse tema está sendo discutido não só entre EUA e Brasil mas entre o Brasil, os EUA e todos os demais membros do grupo, que respondem por 85% da economia global.
Aliás, nem foi preciso Lula ir aos Estados Unidos e combinar com Obama: no dia em que Lawrence Summers, principal assessor econômico de Obama, defendeu mais pacotes fiscais de estímulo à economia, os negociadores brasileiros no G20, que já estavam em Londres, apoiaram-no sem reservas.
Quem não apoiou foi a Europa, de que resultou um comunicado do G20 de retórica forte, mas números inexistentes. Logo, fica claro que, por mais que o mundo tenha mudado com a ascensão dos emergentes, só o entendimento entre os dois gigantes econômicos, a União Europeia e os EUA, é de fato capaz de produzir algo concreto e coordenado globalmente.
Pode até ser que se entendam e não consigam empurrar goela abaixo o que decidiram. Mas, sem que se entendam, aí é que não acontece nada mesmo, pelo menos de relevância global.
Obama e Lula condenam o protecionismo? Lula e Bush condenaram-no todas as inúmeras vezes que se reuniram ou falaram por telefone e tentaram ressuscitar a Rodada Doha. O G20, aliás, na cúpula de Washington, em novembro, se comprometeu a reativá-la. Dias depois, a rodada voltou ao coma de que sai e entra episodicamente mas nunca lhe permite deixar a UTI.
É importante, para o Brasil, ter bom relacionamento com os EUA, assim como é importante para eles um Brasil ativo e influente. Por isso, o encontro de sábado foi importante. Mas novidade no relacionamento bilateral é tudo o que não foi.


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